A cidade peruana de Arequipa foi sede, no dia 19 de outubro, de uma reunião convocada pelo Global Research Forum on Sustainable Production and Consumption, plataforma criada na Rio+20 com o objetivo de dividir conhecimentos sobre economia e política tendo como base os novos desafios que a humanidade está enfrentando. A plataforma é mundial, mas houve uma articulação no sentido de regionalizar o debate e trazer as questões da América Latina especificamente, o que aconteceu em Arequipa, onde mais de mil pessoas estiveram reunidas.
O articulador dessa espécie de "rede dentro da rede" é Fabián Echegaray, presidente da empresa Market Analysis, especializada em pesquisas sobre sustentabilidade, com quem conversei nesta quarta-feira (5).
Echegaray é taxativo: o objetivo do Fórum é mobilizar academia, poder público e setor privado para que se possa, efetivamente, pensar num outro desenvolvimento. E a questão principal é reduzir o consumo.
"Vamos pensar em modelos econômicos que, ao mesmo tempo que garantam o modelo de negócio, desmaterializam as economias. De que maneira? Reaproveitando produtos já fabricados, por exemplo."
O pesquisador traz de volta à tona um tema que anda meio esquecido da mídia depois de muito se discutir a respeito durante a Rio+20. Trata-se da obsolescência programada, ou o encurtamento da funcionalidade dos aparelhos e subsequente estímulo da propaganda para se adquirir itens cada vez mais novos. Uma pesquisa feita este ano pela Market Analysis mostrou que, de uma amostra de 806 brasileiros residentes nas nove principais capitais do país, 93% concordam que "hoje os aparelhos eletrônicos duram bem menos do que no passado".
Outros 90% acham que "algumas empresas, quando lançam um produto novo, não colocam todas as inovações que poderiam nele, já prevendo o lançamento de uma nova versão', e 84% afirmam que "alguns eletrônicos são projetados para que durem menos tempo do que seria possível para incentivar que um novo produto seja comprado mais cedo". Mas só 67% admitem que se sentem levados a substituir os aparelhos eletrônicos com maior frequência do que gostariam.
Projetos
O Fórum se propõe a ser um espaço permanente para esses e outros debates. Mas, acima de tudo, pretende abrir caminho para pessoas que tenham projetos que possam contribuir e desenhar outros modelos civilizatórios, visando a um consumo e produção mais conscientes.
Conversei também com Rita Afonso, pesquisadora do Laboratório de Tecnologias e Desenvolvimento Social (LTDS), que juntamente com o professor Roberto Bartholo foi convidada a apresentar um projeto em Arequipa. Rita aplaude a ideia de ter se criado esse espaço do Fórum focado na América Latina: "Acho importante que se faça uma rede onde os contextos sociopoliticoeconomicos sejam mais parecidos. Se não for assim, o que acaba acontecendo é que se fica muito preso ao que é produzido pelos países do Hemisfério Norte, uma realidade completamente diferente da nossa", disse ela.
A equipe do LTDS apresentou dois projetos. O primeiro sugere que a rede formada pelo Fórum, que na América Latina recebe o nome de Fórum Latinoamericano de Iniciativas e Pesquisas sobre Consumo e Produção Sustentável, comece a influenciar o ensino do marketing nas faculdades de administração do país. Rita explica o motivo da preocupação com este segmento:
"Temos poucos autores ponta de linha nessa área e o marketing, além de ser uma disciplina toda desenhada na metade do século passado, ou seja, já obsoleta, desdobrou-se a partir da necessidade americana de ocupar a indústria do pós-Guerra. É uma disciplina construída a partir dessa visão da guerra, onde o concorrente é o inimigo e o foco é o que se faz para destruir o inimigo. Passa muito longe da discussão atual da não-violência. Precisa de uma revisão profunda porque tanto os profissionais de marketing quanto os publicitários estão ensinando a construir ou fortalecer uma visão de mundo que já está mais do que provado que é insustentável."
O outro projeto visa a considerar as questões imateriais na área do consumo consciente. O conceito de bem estar social sendo substituído por situações inovadoras, inventivas, criativas, ligadas ou não à economia, valorizando estilos de vida sustentáveis.
"Inovações criadas por jovens da periferia e de favelas ligadas à produção imaterial, de serviço, com cultura, identidade e protagonismo da juventude desses lugares. Lá no Laboratório discutimos muito sobre isso, mas sem encontrar eco no campo da produção e do consumo. Geralmente, quando se fala em estilo de vida sustentável, o que se pensa é em eficiência energética, mitigação etc. Não na captura da cultura desses territórios periféricos, coisa que tem muito mais a ver com a América Latina do que com países ricos do Hemisfério Norte", disse Rita Afonso.
O formato proposto pelos pesquisadores da Coppe do Rio de Janeiro é que a universidade vá à sociedade, às cidades, propondo ferramentas para uma participação maior, entregando um novo formato para a municipalidade. Isso realmente pode fazer toda diferença.
Economia compartilhada
Comentei nesse post sobre a atuação de uma única empresa na mitigação de emissões de carbono das Olimpíadas do Rio de Janeiro, opinando sobre a necessidade de diversificar os atores no debate socioeconomicoambiental. Echegaray fala sobre economia compartilhada, sobre jogar luz em cima desse tipo de iniciativas. E cita como exemplo o sistema de compartilhamento do aplicativo Airbnb (veja aqui, em inglês) que propõe uma economia digital compartilhada. Comenta ainda que é preciso neutralizar forças que ainda consideram a obsolescência programada como um padrão.
Uma possibilidade de se pensar a solução é através desse tipo de Fórum, acredita ele, cujos membros participantes conseguem pressionar governos a fazer legislações como a nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos. "No Brasil a legislação é brilhante, mas a implementação é pífia", diz ele.
E já que falamos sobre consumo sustentável, não custa citar aqui duas notícias recentes publicadas no "Valor Econômico". A primeira é desta quarta: cartões de crédito e débito, considerados práticos e eficientes, movimentaram R$ 853 bilhões no ano passado, colocando o Brasil como o terceiro país em número de transações. No dia anterior, a notícia era de que, talvez não por acaso, as fabricantes das máquinas Rede e Cielo, que recebem pagamentos eletrônicos, decretaram o fim da exclusividade que limitava a aceitação de algumas marcas de cartões.
Tudo para facilitar o consumo. Torna a vida mais prática, sem dúvida, mas tanto conforto e bem-estar merece, ao menos, uma dose extra de reflexão.
*Foto: Pat Carter/AP
http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/rede-quer-abrir-caminho-para-projetos-de-consumo-consciente-na-america-latina.html
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