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sábado, 8 de novembro de 2014

A vida dos catadores e a lei dos resíduos que não pegou no país


Nunca pensei que um dia eu iria rever minha antipatia pela obsolescência programada. O motivo que me levou a olhar com outros olhos a prática das empresas de fabricarem produtos com prazo de validade bem menor para estimular o consumo foi o documentário “Efeito Reciclagem”, que assisti nesta terça-feira no festival Green Nation, que está sendo realizado no Rio. O diretor, o canadense Sean Walsh, conseguiu fazer de um tema árido um filme gostoso de assistir, leve e, acreditem, até engraçado em alguns momentos.

O personagem Claudinês Alvarenga, que atravessa as ruas de São Paulo com sua Kombi caindo aos pedaços, abarrotada de lixo reciclável, espalha sua simpatia para além da telona, e a gente sai com vontade de conhecer mais sobre a vida de todos os carroceiros que nos cercam. O trailer do filme pode ser visto aqui.

Para começar, Claudinês tem 60 anos, três mulheres oficiais, duas das quais vivem com ele e alguns dos 28 filhos (até onde consegui contar). Seu método de sedução foi um só: “Soube que você está na pior. Não quer ir lá para casa?”. A primeira foi Maria de Lourdes, que o acompanhou muito tempo em suas viagens para apanhar lixo reciclado e levar para as empresas que o transformam em novos produtos. Moravam na Kombi mesmo, até que Maria de Lourdes ficou grávida. Claudinês alugou um casebre para o casal com a filha, mas Maria de Lourdes não se habituou à vida de dona de casa. Tinha ciúmes, queria seguir com o marido trabalhando nas ruas e o jeito foi se separarem. Depois vieram as outras e, no final, duas moram juntas. Com ciúmes? “Só um pouco”, respondem com meio sorriso.

Tudo isso Claudinês vai contando para a câmera enquanto o espectador segue com ele em sua Kombi, de dia, de noite, de madrugada. O diretor Sean Walsh está na Europa, mas deixou prontas algumas respostas para principais e óbvias perguntas sobre o filme. Uma delas, claro, é saber como o canadense, que mora há mais de dez anos no Brasil, chegou a esse personagem tão raro.
“Antes de iniciarmos as filmagens, entrevistamos vários catadores e famílias mas, pouco antes do início previsto, houve a crise econômica (2008) e tivemos que adiar as filmagens. Depois, em abril de 2009, quando finalmente iniciamos as quatro semanas de captação, muitos dos nossos personagens haviam abandonado a reciclagem e foram trabalhar em outras áreas. Foi então que mudamos a ideia inicial. E resolvemos contar melhor a história do Claudinês. Chegamos a entrevistar novamente outras famílias, mas a história dele era tão simbólica. Ele tinha de ser o protagonista”, escreve Walsh.

O documentário foi pensado para falar sobre a vida desses personagens que dão um fim nobre a objetos que já serviram, e hoje não servem mais. Claudinês roubou a cena com seu estilo de vida tão singular, mas o filme mostra também como ele e seus colegas colaboram para o índice de 27% de resíduos recicláveis que foram recuperados em 2012 no país, sendo mais de 65% em embalagens.*

Desde pequeno Claudinês aprendeu a andar pelas ruas, com o pai, catando objetos e hoje é um empreendedor, trabalha duro e contribui para a economia do país. Ele conta isso enquanto conserta uma televisão que servirá para a família, assim como fez com computadores e outras coisas.

Segundo Claudinês, o tubo das televisões é o maior problema, pois impede que elas sejam consertadas e vendidas. “Tenho mais de 50 tubos jogados ali no meu quintal, não tenho o que fazer com eles, ninguém compra”. Para ele não existe lixo, tudo pode ser reaproveitado. O que mais vende são latinhas, papéis. O plástico é muito leve. O fim do ano é bom de fazer negócio, mas em outubro o movimento é menor.
O documentário vai mostrando outros personagens que exercem a mesma atividade, embora não tão carismáticos. Uma conversa entre Claudinês e um colega carroceiro revela os dados orçamentários e as reivindicações de uma classe que ainda vive no pé da pirâmide. Uma carroceira conta que recebia, por dia (na época em que o filme foi feito), cerca de R$ 45 – dos quais R$ 20 iam para as refeições. Sobravam R$ 25.

“Precisamos criar um sindicato, ser catador é profissão igual a qualquer outra. Quando se tem uma carroça, o trabalho é ainda mais duro porque não se pode andar sozinho, as pessoas reclamam quando se anda devagar porque atrapalha o trânsito”, dizem em conversa.

Com tantos filhos, é claro que Claudinês tem quase um exército para ajudá-lo. Uma das meninas diz que sente orgulho do trabalho porque está ajudando a geração da filha (Claudinei já tem muitos netos!) a não viver num mundo tão cheio de lixo. Outra, que só conheceu o pai na adolescência, diz que depois disso é que passou a dar valor ao lixo que descarta. E Claudinês conta ainda como descobriu que sua atividade também ajuda a não poluir os rios.

“Quantas vezes eu saio de lá da Vila Maria, venho aqui e fisgo pneus que jogaram no Tietê para usar na Kombi ou para vender. Eu fazia isso pelo meu dinheiro, mas há pouco tempo descobri que colaboro também para o mundo ficar mais limpo”, disse ele.

Dados de 2013 mostram que o Brasil produziu, só naquele ano, 193.642 toneladas de lixo por dia. Mais de 24 mil toneladas deixam de ser coletadas e são descartados de forma irregular. O país ainda tem 2.900 lixões e somente 2.202 municípios, de um total de 5.570, cumprem a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, assinada em 2010, cujo prazo para que as cidades pudessem se adaptar a ela terminou no dia 2 do mês passado.
A nova lei determina ações como a extinção dos lixões do país, além da implantação da reciclagem, reuso, compostagem, tratamento do lixo e coleta seletiva nos municípios de todos os estados brasileiros. Outra pauta que não se vê nas agendas dos candidatos das próximas eleições.

Se, por um lado, o país perde R$ 8 bilhões/ano por não descartar corretamente seus resíduos (dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea de 2012), ele também conseguiu gerar, no mesmo ano, R$ 10 bilhões com a triagem e o processamento adequados. Claudinês está entre os que conseguem viver dessa atividade, e vai muito bem, obrigado.

Um pouco dessa visão mais humanitária de uma atividade hoje vista como ecologicamente correta é que torna o filme de Sean Walsh diferente. Segundo ele, a intenção foi “revelar o quão importante é este mercado de trabalho tanto social quanto ecológica e economicamente". "Eu queria fazer um filme que falasse do caráter humano deste tema. São pessoas que vivem desta indústria de reciclagem com dignidade”, explicou o diretor do documentário.

Vou pegar carona numa brincadeira sugerida pelo Sebrae nas várias telas de televisão espalhadas pelo Museu da República e deixar aqui minha sugestão “para um mundo mais sustentável”. No caso, vou endereçá-la aos futuros, aos atuais, aos reincidentes governantes. Não custa sonhar: a ideia é fazer uma pesquisa qualitativa para conhecer todas as pessoas que trabalham com produtos recicláveis e não querem se associar a uma cooperativa (têm direito). Forneçam material de trabalho, que seja uma carroça ou um carro não poluente e seguro. E deixem que eles façam o que já fazem. Mas, por favor, nada de cobrar impostos ou taxas, vejam bem que o serviço que prestam já vai colabora muito com as empresas municipais na tarefa de manter a cidade mais limpa e os rios menos poluídos. Só isso já é ganho. 
*Dados do Cempre divulgados aqui.

Foto: cartaz do filme 'Efeito reciclagem' (Divulgação)

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/vida-dos-catadores-e-lei-dos-residuos-que-nao-pegou-no-pais.html

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