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sábado, 8 de novembro de 2014

A dificuldade de pobres lidarem com danos causados por mudanças climáticas.


A cena que mais me afetou na leitura dos jornais de hoje foi a foto que mostra o presidente José Mujica (acima) sentado no jardim de sua casa, numa cadeira comum. À frente dele, diz a repórter Marli Olmos, do jornal “Valor Econômico”, foi colocado um balde de cabeça para baixo que serviu como mesa de apoio. Simples e, de alguma forma, livre. Destoa das imagens pomposas com as quais vamos nos acostumando ver envolvidos os presidentes. Que mais parecem, como disse Mujica à repórter, “estruturas monárquicas”. O presidente uruguaio, ex-guerrilheiro, se defende como pode da máquina que pode continuar torturando com tantas obrigações, regras e jogos de poder que envolvem os homens de decisões.

A entrevista traz muitas informações, sobretudo a notícia de que Mujica, o presidente que se tornou popular por cultuar a simplicidade num mundo em que se proliferam as pompas, se reúne nesta sexta-feira (7) com a presidente Dilma Rousseff para sugerir-lhe algumas reflexões sobre o Mercosul. Apaixonado pelo seu país e pela América Latina, Mujica disse que vivemos “no continente mais injusto” que existe. Será?

Pensei sobre a África, continente cujo solo ainda hoje serve para enriquecer muita gente que não mora ali nem convive com a pobreza extrema. Segundo o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), os dez países com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são africanos. Ao mesmo tempo, é lá que se encontram ainda grandes reservas de minério. Como não têm dinheiro para transformar este minério em produtos, quase tudo é exportado por grupos econômicos poderosos, que quase sempre usam a mão de obra nativa. Cerca de três quartos da produção mundial de ouro, por exemplo, estão no continente que também bate recordes em número de pessoas portadoras do vírus HIV.

Cultivo de vegetais com apoio do Slow Food International, em Uganda

Por coincidência, juntei aos meus pensamentos uma notícia publicada no site da Agência Envolverde que trata de um desastre absurdo causado pelas mudanças climáticas no distrito de Bulambuli, em Uganda. Assim como em vários locais da África, lá também se pratica a agricultura de subsistência, o único meio que têm para comer. Ocorre que as chuvas estão muito mais fortes, arrasando propriedades, deixando os pequenos agricultores sem opção.

Foi o que aconteceu com Allen Nambozo, agricultora entrevistada pela reportagem, que cultiva couve, banana e cenouras, não só para si como para vender no pequeno mercado da comunidade. Agora, com as chuvas, não tem mais terra para fazer seu cultivo.
É justamente essa prática de agricultura que tem dizimado aquele solo. Segundo Festus Bagoora, um especialista em recursos naturais de uma entidade governamental, “foi eliminada a vegetação que deveria reduzir a velocidade da água que vem da montanha. É por isso que cada vez que ocorre um deslizamento de terra, especialmente no Elgon, é severo, porque esses líquidos arrastam muito material, pedras, por exemplo, que é perigoso para as comunidades”.

Elgon é um vulcão inativo. O governo local vem há tempos se preocupando com as pessoas que moram ali, em cerca de 500 casas. Mas não adianta pedirem que saiam. Ali fincaram raízes, dali extraem o que comer. E, acima de tudo, sabem que não terão situação melhor: “Mesmo indo para a escola em busca de abrigo, não teremos onde dormir nem o que comer. É inútil. Penso que deveriam nos deixar em nossas casas, porque ali temos elementos para usar em lugar de sofrer em grupo”, disse o marido de Nambozo, Mugonyi.

A reportagem ouviu o Ministro de Água e Ambiente de Uganda, David Ebong, e ele foi assertivo: seu país não tem dinheiro para aplacar os danos causados pelas mudanças climáticas. “Além do financiamento nacional, devemos nos fixar em outras opções, como o financiamento bilateral e o realizado sob a órbita da Organização das Nações Unidas (ONU), como o Fundo Verde para o Clima, entre outros”, disse.

Em setembro, durante a Cúpula do Clima realizada na sede da ONU, em Nova York, governos e outras instituições deliberaram sobre o Fundo Verde. Chegou-se a uma cifra: US$ 200 bilhões, que seriam mobilizados até 2015 justamente para ajudar essas pessoas. Ainda é apenas uma promessa, que muitos já estão criticando por parecer uma esmola dos ricos para os pobres sem atacar a verdadeira causa do problema, que são as emissões de carbono.
Por outro lado, há também críticas severas contra a abordagem dominante, do “comércio de carbono”. Para a Fundação sueca Dag Hammarskjold, “os poluidores do Norte são encorajados a investir em supostos projetos de captura de carbono no Sul, dos quais muito poucos realmente promovem energia limpa”. Muitos dos créditos de carbono que estão sendo vendidos para os países industrializados vêm de projetos poluentes que não fazem nada para reduzir os combustíveis fósseis. Reduzir não é, exatamente, a palavra que o mercado comum gosta de usar.

Penso que, enquanto estão debatendo sobre o tema, não custa que pessoas como a ugandense Allen recebam algum dinheiro para conseguir implantar seu negócio em outro lugar. Sim, ela não tem as ferramentas que organizações poderosas têm para explorar seu solo sem causar danos, mas muitas dessas organizações exploram seu solo com ferramenta e sem respeito algum à preservação. OK, mas a questão é: será que esse dinheiro do Fundo Verde realmente chegaria até Allen?

Volto a Mujica. “Nunca o homem teve tanta riqueza, tanta tecnologia e ciência. No entanto, como explicar disparates como 85 pessoas com riqueza equivalente à metade do que tem a população pobre do mundo?”, disse ele à repórter. O presidente que doa 90% de seu salário a instituições de caridade, anda de fusquinha e não mora em palácio acredita que as novas gerações terão capacidade de sonhar, de não se conformar com o fracasso, inclusive, de algumas democracias. 

Talvez Mujica tenha lido Robert Musil, de “O homem sem qualidades”, porque o cenário em que se encontra para ajudar a refletir sobre relações tão imponentes quanto do Mercosul com países europeus, parece ter saído daquele livro. E me faz refletir sobre o dinamismo, o tempo ágil, o movimento incessante que nos arrebata e que quase sempre mostra uma inquietante incapacidade para nos deixar fazer contato com o “menos”, que muitas vezes é mais. Deixo com vocês, para reflexão, um pequeno trecho do livro de Musil que, para mim, ajuda a pensar nesse outro modelo de civilização que precisamos:
"Se as velocidades não nos agradam, inventemos outra coisa! Por exemplo, algo bem lento, uma felicidade nevoenta com profundo olhar bovino... Mas a marcha do tempo nos domina. Além disso, queremos se possível fazer parte das forças que determinam o curso do tempo.... Cresce a sensação incômoda de que seguimos além de nossa meta ou entramos por um caminho errado”.

*Fotos: Isaac Kasamani/AFP; Natacha Pisarenko/AP
http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/dificuldade-de-pobres-lidarem-com-danos-causados-por-mudancas-climaticas.html

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