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sábado, 8 de novembro de 2014

O caminho do progresso em um mundo de desigualdade social



Quando li, nesta quinta-feira (4), no jornal “Valor Econômico”, a notícia de que a empresa Santo Antônio Energia (SAE) está com a situação financeira bastante desequilibrada, meu pensamento foi, imediatamente, para a senhorinha que entrevistei quando estive em Porto Velho fazendo reportagem sobre pessoas que tiveram que sair de suas casas para dar lugar à Usina Hidrelétrica Santo Antônio – instalada no Rio Madeira, na capital de Rondônia. Era novembro de 2011 e eu estava ali, a convite da própria empresa, para ouvir histórias de vidas. A de Emilia Mendes, na época com 84 anos, foi a que mais me impactou. Dentre os 1.736 moradores ribeirinhos do Madeira que precisaram ceder lugar à Usina, Emilia foi uma das que deu mais trabalho à equipe técnica da SAE: não queria sair de casa de jeito nenhum.

A casa de Emilia não estava no traçado do alagamento que a Usina provocaria, mas em área de risco por causa das obras. Os técnicos da Santo Antônio apresentaram-lhe as opções que estavam sendo oferecidas aos reassentados: receber o pagamento do que valia a casa em dinheiro ou ter um crédito para comprar outra casa ou, ainda, se mudar para uma casa nova construída perto dali. A todas as opções, Emilia respondeu com as mesmas palavras: “Não quero. Daqui só saio morta”.

A solução foi erguer uma casa igual à dela, com o mesmo tipo de madeira (exigência de Emilia), apenas alguns metros acima, para sair do risco.

Outra exigência cumprida foi que não retirassem a árvore que ela, diariamente, ao acordar às 4h da manhã, contemplava enquanto tomava o café que ela mesma fazia. O ritual era seguido desde que Emilia se entendeu por gente. Casou-se, teve filhos, sempre ali, na mesma casa. Não estudou, nunca aprendeu a ler, porque o pai achava que isso não era “coisa para mulher”.

Na minha viagem, encontrei Emilia em sua casa “nova”, pés no chão, lavando louça. Ela não ouvia muito bem, sua fala era prejudicada pela falta de dentes. Assim mesmo, foi com alto e bom som que me disse que não estava satisfeita, ainda, com a solução dada pelos técnicos da empresa. E não conseguia entender por que tiveram que arrumar-lhe outra casa. No final da fala, a expressão que me mostrou que Emilia estava, apenas, conformada com o que aconteceu: “Não gostei, mas fazer o quê?”.

Por telefone, nesta quinta, pedi à assessoria de imprensa da empresa que me desse notícias sobre a senhorinha, mas não obtive resposta. Entendo. Afinal, segundo a reportagem do jornal, a Santo Antônio Energia está passando por tempos turbulentos. O presidente Melo Pinto disse para os repórteres que a empresa está na iminência de entrar em colapso. Já mandou embora 350 pessoas que trabalhavam no local. Na época em que fiz a reportagem, quando as obras estavam pelo meio, havia 18 mil operários e, segundo me informaram, 80% eram da região.

A ameaça, ainda segundo a reportagem, é de que a obra se paralise por falta de dinheiro, já que na segunda-feira (8) o Consórcio terá que pagar R$ 860 milhões à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Pelo que entendi, o problema é que o prazo não está sendo mantido. Mas os sócios já estão se mobilizando e, muito provavelmente, o fechamento não vai acontecer. Não vão permitir que uma imensidão de impacto causado ao meio ambiente tenha sido à toa. Não vão permitir que quase duas mil pessoas tenham cedido seus territórios à toa. Não vão querer, no fim das contas, ter tanto prejuízo também, é claro.

A essa altura, creio que parar tudo para me dar notícias sobre uma senhorinha reassentada é exigir muito. A economia, os negócios, têm prioridade, não só nesse como em qualquer empreendimento do mundo corporativo. Mas as pessoas é que me afetam. Por isso pensei não só em Emilia Mendes como em todos os outros personagens com os quais conversei naquela viagem. Pessoas que deram seu quinhão de sacrifício para compor o cenário que hoje se apresenta assim: o consumo de energia no Brasil, que é de 517 Terawatt/hora, em 2050 será de 1.624 Terawatt/hora. Ou seja, vai dobrar.

Por coincidência, também nesta quinta, fiz contato com o texto de Erik Assadourian (diretor do Worldwatch Institute que coordenou o último estudo “Estado do Mundo”) sobre “progresso genuíno”. O GPI, índice que mede o tal progresso genuíno e tem sido utilizado por alguns países, acaba sendo semelhante ao já bastante criticado PIB quando afere compras do consumidor, gastos do governo e investimentos de empresas. Mas se difere quando subtrai das atividades econômicas a poluição, custos de acidentes, degradação de recursos, despesas feitas com combate ao crime em regiões inóspitas. E quando acrescenta dados bons, como o valor do dólar estimado de horas de trabalho voluntário.

Contas feitas, enquanto o PIB praticamente dobrou de 1970 para cá, diz Assadourian, o GPI ficou praticamente estagnado, o que nos impõe alguma reflexão sobre o progresso. Mas o próprio autor acrescenta: não será trocando de indicadores que vamos resolver a questão mais séria que nos põe frente a frente com a degradação de vários recursos naturais e com a ameaça do aquecimento da Terra. O mais importante será diminuir a produção e o consumo de energia e de bens materiais.

“A questão é se essa redução vai acontecer de forma proativa ou de forma reativa, através de uma contração econômica provocada pela mudança climática, o colapso dos sistemas oceânicos ou a quebra de algum ecossistema. Incentivar o mundo hoje a se desenvolver dentro dos limites da Terra significa dizer para as pessoas que elas vão ter que viver em casas menores, dividir mais seu espaço com outras pessoas, consumir menos energia elétrica, comer menos carne, viver sem carros, voando menos para os lugares”, diz o artigo.

Mas, pensando bem, para Emília Mendes e muitos daqueles reassentados para a construção da Usina Santo Antônio, este não será um cenário muito diferente de sua rotina diária. Ou seja: as pessoas mais afetadas pelas obras que colaboram para a manutenção do consumismo são também as que nem encostam o dedo em tanto exagero. Por um lado, vão até sentir menos quando chegarem os tempos de escassez.

Assadourian lembra que Cuba, por conta do embargo dos Estados Unidos juntamente com o colapso da União Soviética, deixou de ser o sistema agrícola mais industrializado da América Latina porque não tinha combustíveis fósseis para executá-lo. E hoje é um dos poucos países no mundo que tem um alto índice de desenvolvimento humano e é muito pouco poluente.

“Não foi um caminho fácil, teve que ter racionamento e incentivo para a produção de pequenas hortas em casas. Hoje, o país tem uma pegada ecológica de apenas um quarto dos Estados Unidos, mas indicadores de saúde quase iguais – para alguns até mesmo melhores – com taxas de obesidade de um terço comparado ao nível americano. Lá também morrem menos recém-nascidos, segundo dados do “Estado do Mundo”, diz o autor.

Não há moral da história. Mas, como se vê, há muito conteúdo para reflexão.


*Foto Usina Hidrelétrica Santo Antonio: Ivanete Damasceno/G1
*Foto Emilia Mendes: Amelia Gonzalez/G1

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/o-caminho-do-progresso-em-um-mundo-de-desigualdade-social.html

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