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sábado, 8 de novembro de 2014

Eficiência energética europeia depende, como tudo, do sistema econômico


Acabara de chegar ao aeroporto de Frankfurt depois de duas viagens de trem tumultuadas. Na verdade, foi quase uma aventura. Os maquinistas tinham marcado uma greve para este fim de semana, e todo mundo decidiu se antecipar e pegar trens na sexta-feira (17). Os alemães comuns usam bastante este sistema de transporte, e lá estava eu, espremida num vagão lotado, tentando espichar o pescoço para ver um pouco a paisagem passando depressa pelas janelas, com uma mala pesando 25 quilos, uma mochila com o netbook e outra bolsa de mão com livros e papéis que recolhi neste tempo de mergulho em eficiência energética alemã (veja aqui e aqui). Minha mala, é claro, tem rodinhas. Mas elas não servem para nada quando é preciso subir ou descer escadas para entrar no trem ou andar pelas plataformas com chão de pedra. OK, eu deveria ter me precavido...

De Bonn fui para Cologne e, graças à simpatia do pessoal que dividia comigo o espaço superlotado, desci na estação certa, a Central, não a do Norte ou Sul. Um equívoco naquela hora teria sido um desastre, porque o outro trem partiria em 20 minutos e eu tive que andar bastante até a plataforma dele. Carregando peso, não se esqueçam... Mas, é importante deixar registrado: ainda assim acho que os trens são, de verdade, o melhor meio de transporte. Só é preciso se organizar melhor. Farei isso na próxima viagem.

Mas deu tudo certo e, chegando ao aeroporto, exausta, depois de fazer o check-in, decidi sentar-me numa lanchonete, relaxar e comer um sanduíche antes do voo que só sairia em uma hora. Estava com meu pensamento meio entorpecido, mas alguma coisa me chamou a atenção naquele homem que seguia de mesa em mesa, com um copo de refrigerante grande nas mãos. Sua maneira de vestir não destoava muito, tinha um cabelo comprido amarrado em rabo de cavalo, era louro de olhos azuis. Só quando ele chegou mais perto é que percebi tratar-se de um mendigo. O copo servia para recolher as moedas que alguns davam, outros não.

Não desviei o olhar, mesmo quando chegou perto. E dei-lhe uma moeda de 2 euros. Agradeceu em alemão e respondi, em português, que não falava sua língua. Tomou um susto, mas deu de ombros e continuou sua peregrinação.

Ainda com pensamentos embaralhados, catei na memória os sem-teto que encontrei pelo meu rápido e curto caminho pela Alemanha. Não foram tão poucos assim. Isso retrata um sistema econômico em crise? Sim e não. Mas, como dizia Hannah Arendt, não se pode desperdiçar um pensamento porque um dia ele pode ser útil. Nesse caso, a situação econômica do continente europeu, que se reflete também num alto índice de desemprego, é o link que eu gostaria para contar sobre nossa visita à deputada Annalena Baerbock, do Partido Verde, organizada pela equipe do Instituto Ecológico.

Chegamos ao prédio do parlamento alemão, reconstruído no final do século passado e hoje aberto à visitação turística, no momento exato em que a sirene tocou, chamando os deputados para uma votação. Esperamos pouco tempo na sala onde Baerbock conversaria conosco e a expectativa era de que a votação tivesse algo a ver com o programa energético que prevê a redução dos gases do efeito estufa em até 80% até 2050. Não tinha. A chanceler Ângela Merkel havia feito um pronunciamento, mas também não fizera nenhuma menção às fontes renováveis de energia que vão precisar ser usadas para que esta meta tão ousada seja alcançada.

A frustração foi maior porque na semana que começa nesta segunda-feira (20) vai haver votação da nova Comissão Europeia. Além disso, na quinta (23) e sexta (24) vai haver uma Conferência Europeia, e os deputados debaterão os temas que vão ser prioritários para o próximo ano. As metas para baixar as emissões trocando as fontes de energia não estão entre eles. Mas a situação econômica da Europa, sim.
Annalena Baerbock não pareceu muito animada, mas afirmou que o plano alemão (veja aqui) é ambicioso e é necessário: “Para mantermos em apenas dois graus o aquecimento global precisamos baixar as emissões. Há um consenso entre todos os partidos de que precisamos ter uma agenda verde e 80% dos cidadãos também são favoráveis”, disse a deputada.

Mudança lenta
Sendo assim, o que estaria impedindo que esse tema realmente ocupe as prioridades na hora de fazer planos políticos para o futuro? “A questão, como sempre, é o dinheiro. Há muitos investidores que puseram dinheiro nas usinas de carvão e não querem perder. Por isso sabemos que a mudança vai ter que ser lenta.”
Reforçando o que disse a deputada, na parte da manhã daquele mesmo dia fomos ao escritório e ouvimos uma pequena explanação na sede da ONG Amigos da Terra, muito influente na Alemanha, onde foi reiterado que o assunto que tem movido o país é, de fato, o econômico.

Quarenta e seis por cento da energia do país vêm do carvão e, por isso, há subsídios do governo para as usinas, uma indústria poderosa no país que gera cerca de dois mil empregos.

“É difícil influenciar essa maioria. Precisamos influenciar o setor de energia em algo mais flexível, queremos as usinas de carvão fora do mercado para que as outras, como a de lignito (tipo de carvão que tem muito mais carbono em sua composição, mas é mais fácil e mais barato de extrair) possam concorrer, o que não acontece hoje. Se os preços fossem reais, o lignito não teria que ser mais barato”, disse uma executiva da ONG. Afinal, é mais poluente: as nove usinas de lignito produzem 20% de todo o carbono emitido no país.

A proposta alemã é muito boa no papel. Mas não há, concretamente, dia e hora para começar. A deputada lembra isso e arremata: “Precisamos começar a falar do tempo. Quando a reforma vai começar?”
Annalena Baerbock também lembra que é um enorme desafio fazer uma política de energia para toda a Europa porque os países são diferentes e têm relação com os recursos naturais também diferentes. Holanda, por exemplo, não tem usinas de carvão, investe em gás natural, mas acaba importando carvão da Alemanha. A Áustria investe mais em hidroeletricidade porque tem chance para isso. Na Noruega, 30% da energia vêm do gás natural.

Quanto às fontes renováveis de energia – solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica, biomassa e oceano – sobre as quais muito ouvimos na nossa viagem, a conclusão é que elas não são populares porque são consideradas caras. “Precisamos da opinião pública sim, mas precisamos também que as políticas sejam implementadas”, diz a deputada.

Em números reais, o cenário atual se apresenta assim: a dependência alemã do carvão aumentou em 55% com relação ao ano 2000. A União Europeia importa 27% de gás natural da Rússia e gasta 1 bilhão de euros para importar 53% de combustível fóssil (a Dinamarca é o país mais independente). Cinquenta por cento da energia usada na Alemanha são para aquecimento das casas e na União Europeia essa porcentagem não é muito diferente (40%). Fala-se muito na CCS, uma geoengenharia que captura e armazena o carbono na terra, mas é uma iniciativa muito cara e questionada por especialistas que se perguntam: quem garante que esse carbono vai permanecer enterrado?

Volto ao homem que pedia dinheiro com um copo de refrigerante no aeroporto de Frankfurt, sede de importantes instituições financeiras, entre elas o Banco Central Europeu. Não me parecia ter um transtorno mental, estava mais para alguém que perdeu o emprego e não conseguiu ser reincorporado ao sistema, como 12% da população europeia. Um dos muitos palestrantes que ouvimos terminou sua fala com uma verdade bem inconveniente de ouvir:

“Sim, as energias renováveis são a única opção segura para se manter o nível de aquecimento em dois graus. Mas, agora eu lhes pergunto: um dono de usina de carvão que está no ramo há mais de 40 anos, de um dia para o outro recebe do governo a ordem de fechar as portas, não vai querer subsídios para o resto da vida por ficar parado? E o desemprego que vai causar?”

Viajei de volta num trem de pensamentos, tentando espremer uma síntese de tudo o que ouvi. Cheguei à conclusão de que é impossível concluir. Nada é 100% certo ou errado, bom ou mau em nossos dias. E o mercado, com suas regras tão fixas e pré-determinadas, vai ter que se adequar mais e ser mais flexível. Seja como for, precisamos de mais reflexões do que discussões. Nesse sentido, foi muito útil a minha viagem.


*Foto: Amelia Gonzalez/G1
http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/eficiencia-energetica-europeia-depende-como-tudo-do-sistema-economico.html

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