Quem gosta da internet e a utiliza com certa frequência já deve ter observado uma “novidade linguística” bem marcante, que vem provocando boas discussões.
São comuns, principalmente entre os mais jovens, o uso de palavras abreviadas e o desrespeito às normas ortográficas vigentes: “tb axo q vc naum deve viajá pq tá xato” (também acho que você não deve viajar porque está chato).
Quanto às abreviações, sinto informar aos nossos adolescentes que se trata de uma “novidade velha”. Quando fiz meu curso de Letras (fins da década de 60 e início da de 70), abreviar já era hábito. Só assim conseguíamos anotar os ensinamentos de nossos mestres universitários. Era uma “taquigrafia” necessária: tb (também), q (que), vc (você), pq (porque)...
O uso da letra “m” para substituir o til (naum = não) é um retorno às nossas raízes. Para quem não sabe, a origem do til é a letra “n”. Observe duas curiosidades: 1a) em espanhol, o nosso VERÃO é “verano” e a forma verbal PÕE (do verbo PÔR) é “pone” (do verbo “PONER”); 2a) o ditongo nasal decrescente /ão/ pode ser grafado “ão” (estão, cantarão) ou “am” (falam, cantaram), conforme a tonicidade.
A grafia fonética (axo, xato) já é defendida por muita gente, mas essa brincadeira pode criar vícios irreversíveis. Em textos oficiais, todos nós devemos seguir o sistema ortográfico vigente, que é baseado não só na fonética mas também na etimologia (origem das palavras).
A verdade é que nós sabemos ortografia por memória visual, e não por “decoreba” de regrinhas. Ninguém perde tempo pensando se HOJE tem “h” ou não, se CASA é com “s” ou “z”, se CACHORRO é com “x” ou “ch”. O que nos faz saber ortografia é a leitura e o bom hábito de escrever. Não temos dúvida na hora de escrever palavras usuais, aquelas que vemos e escrevemos com frequência. Isso significa que a visualização e o uso constante das palavras fora da grafia oficial podem criar “dúvidas eternas”.
O uso de TÁ por ESTÁ é uma tendência da linguagem coloquial brasileira. É marca da nossa oralidade. Outra característica da nossa língua oral é a omissão do “r” no infinitivo dos verbos (vou falá, vendê, parti). É um fenômeno chamado apócope (perda de fonema no fim do vocábulo). Isso ocorreu, por exemplo, na evolução dos verbos latinos, que terminavam em “are”, “ere”... e perderam o fonema vocálico final. Hoje, em Português, o infinitivo dos verbos termina no “r” (vou falar, vender, partir).
Tudo isso pode ser muito interessante e criativo, mas é preocupante. A nossa garotada precisa estar consciente de que esta forma de linguagem é grupal, é localizada, é adequada unicamente numa situação específica. É preciso que saibam que a linguagem da maioria, dos textos oficiais, da vida profissional é a língua padrão. E a escola não pode se omitir: é lá que os jovens poderão entrar em contato e conhecer a língua padrão.
Todas as formas de linguagem são válidas e adequadas a cada situação, inclusive a língua padrão. Como diz nosso mestre e acadêmico Evanildo Bechara: “É preciso sermos poliglotas dentro da nossa própria língua”.
DÚVIDAS DOS LEITORES
1ª) Por que a expressão “líquido precioso” é condenada pelos professores e gramáticos?
Nada de errado com a expressão “líquido precioso”. O problema é que usamos demasiadamente essa expressão em referência à “água”. Tudo que é usado exageradamente torna-se um “clichê”. Todo chavão empobrece o estilo e, por isso, deve ser evitado. Não é uma questão de certo ou errado. Veja outros clichês que devem ser evitados:
“Transformou a rua numa verdadeira praça de guerra”;
“Realizou o sonho da casa própria”;
“Lenda viva”; “Monstro sagrado”; “Luta do século”...
2ª) Qual é a forma correta: “DEVEM-se cortar gastos” ou “DEVE-se cortar gastos”?
O correto é “DEVEM-se cortar gastos”, porque “gastos devem ser cortados”, ou seja, trata-se de uma frase passiva em que “gastos” é o sujeito. Se o sujeito está no plural, o verbo deve concordar no plural. A partícula “se” chama-se apassivadora. É o mesmo caso de “Alugam-se apartamentos”; “Vendem-se automóveis”; “Consertam-se sapatos e bolsas”.
3ª) Quando utilizar “está” ou “estar”?
A forma “está” é do presente indicativo; e “estar” é o infinitivo. Observe melhor:
“Ele está aqui em São Paulo” (=presente do indicativo);
“Ele deve estar aqui” (=infinitivo);
“Ele se esforçou para estar aqui entre nós” (=infinitivo)
4ª) É possível usarmos a expressão “duas alternativas”?
Boa pergunta. O leitor provavelmente se refere à origem da palavra “alternativa”. ALTER significa “outro”. Assim sendo “outra alternativa” seria redundância. Deveríamos, por isso, dizer “outra opção”.
Etimologicamente, o leitor tem razão, mas a verdade é que, hoje em dia, alternativa se tornou sinônimo de opção. Não chega a ser um erro, mas, se pudermos evitar, é melhor. Quando dizemos que não há alternativa, já estamos afirmando que só temos uma opção. Não é preciso dizer que temos “outra alternativa”. Basta dizer que temos “uma alternativa”, que já significa que temos “outra opção”. Assim sendo, “duas alternativas” não está errado: são “duas outras opções”.
http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/o-internetes.html
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