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domingo, 9 de novembro de 2014

Entre a benção e a maldição do desenvolvimento


Em roda de amigos médicos, a conversa neste fim de semana girou sobre a cheia do Rio Madeira. Sim, o rio já está baixando, como diziam que ia acontecer, mas o estrago dessa cheia histórica foi imenso. Falta de combustível, casas arrasadas, 25 mil pessoas desabrigadas, 67 mil atingidas. Além de tudo isso, lembraram-me, há as doenças que ainda vão surgir. O ecossistema foi desequilibrado, muitos bichos morreram, migraram... Há doenças de pele, pulmonares, provocadas por picadas de cobras que ficaram sem seu habitat. Imaginem a perda da biodiversidade. Será preciso um atendimento ágil, rigoroso, para a população.

---- O Brasil é tão grande que para nós, aqui no Sudeste, é como se isso estivesse acontecendo na Índia! Estamos mais preocupados com o resultado de uma pesquisa sobre comportamento... --- disse um amigo.

----- Mais do que isso: será que os soldados da Força Nacional que foram deslocados para a Maré não seriam mais necessários lá em Rondônia? Não sei, talvez com hospitais de campanha, médicos para todos, acompanhamento no tratamento... --- comentou outro, mais exaltado.

Falaram em Índia e, por coincidência, li esta semana, no site do “The Guardian”, notícia dando conta de que a Índia tem plano de construir 160 barragens sobretudo ao leste de Bangladesh, na fronteira com a China, região que foi escolhida pelos governantes e empresários como a mais propícia para os empreendimentos. A previsão é de que serão gerados 60 mil MW de energia a partir das águas do rio Brahmaputra, um dos maiores do mundo, e de seus afluentes.

A reportagem no site do jornal britânico acerta no tom quando se pergunta se tal empreendimento será uma benção ou uma maldição para o país.

Segundo o estudo publicado no livro “Sistema Internacional de Hegemonia Conservadora” (Editora Annablume), escrito pelo professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Eduardo Viola, junto com Mathias Franchini e Thaís Lemos Ribeiro, a Índia é uma grande potência com democracia de baixa qualidade e tem um perfil bastante conservador no que tange a medidas para baixar as emissões de carbono. Sua maior fonte de energia atualmente é o carvão, o que faz com que, em 2011, tenha emitido 7% do total das emissões do mundo (dados do World Watch Institute). Para se ter uma ideia do que isso representa, o Brasil estava com 4%, Estados Unidos 15,0% e a China, com 21%.

Considerando que, sim, uma fonte limpa de energia como a hidrelétrica pode baixar este percentual de emissões, está aí o lado “benção” da decisão de represar as águas do turbulento rio Brahmaputra. O lado “maldição”, no entanto, leva em conta todos os impactos que tais obras certamente vão causar aos indianos. É nesse ponto que Porto Velho e Nova Delhi se aproximam, por conta da construção da Usina Santo Antônio que represa as águas do rio Madeira. Os rondonienses já tiveram que dar seu quinhão de sacrifício por conta da obra. Estive lá em 2011, justamente no tempo das remoções, e ouvi muitas histórias, mas também fiz contato com os cuidados que a empresa teve ao deslocar as pessoas. 

Na Índia, os críticos do programa de construção de barragens, segundo afirma a reportagem, dizem que ele não só ignora fatores geológicos e ecológicos como também não leva em conta o impacto da mudança climática na região. Imagino então que os problemas das pessoas que moram às margens do rio estão no pé da lista do que deve ser levado em conta na hora das construções.

Não há, por enquanto, estudos que comprovem uma relação direta entre as barragens e as cheias, que também na Índia já ocorrem muitas vezes, ainda sem barragens:

“O Brahmaputra chega a ter quase 3 mil quilômetros, se junta ao Ganges e flui para a baía de Bengala. É um sistema fluvial volátil, tempestuoso. Suas águas sobem drasticamente durante a estação das chuvas causando inundação, erosão e miséria para milhares de agricultores que vivem à beira”.

Mas é imprescindível a um volume de obras desse tamanho que haja uma atenção rigorosa às pessoas que serão impactadas, ainda mais, depois que o rio for domado. No livro “O Ecologismo dos Pobres” (Editado mundialmente em 2002 e aqui no Brasil em 2007 pela Editora Contexto), que procura lembrar a geógrafos, ambientalistas, técnicos e pesquisadores que não há meio ambiente sem gente, o autor Joan Martínez Alier, lembra que inicialmente a hidreletricidade foi muito bem recebida pelos críticos ecológicos, sobretudo quando comparada com o carvão:

“Dentre eles estava Patrick Geddes, em cujo parecer o carvão corresponderia à paleotecnologia e a hidreletricidade à neotecnologia”.

Aos poucos, porém, eles próprios foram percebendo que a hidreletricidade tem motivado enormes projetos de irrigação. Está surgindo, assim, diz Alier, uma nova consciência quanto aos riscos das represas, como a perda de sedimentos nos deltas, aumento da sismicidade local, salinização dos solos pelo projeto de irrigação ou pela intrusão no mar, diminuição dos estoques pesqueiros.

Ao mesmo tempo, colocar as represas fora de serviço não seria uma resposta racional. Para Alier, as inovações tecnológicas podem permitir superar a escassez de recursos para a produção de energia vinda de outras fontes.

A questão é saber se governantes e empresários estão devidamente imbuídos da responsabilidade de procurar essas outras fontes. Ou ainda, quando for mesmo necessário construir hidrelétricas, de ouvir pessoas envolvidas que possam contribuir para os estudos. A reportagem do “The Guardian” entrevistou um acadêmico ambientalista que há anos pesquisa o Brahmaputra. Seu nome é Partha Das, ele também dirige a Aaranyak, uma ONG ambiental da localidade, mas com certeza não foi ouvido por quem está fazendo o projeto das 60 barragens. Das comenta sobre as dúvidas que rondam a empreitada, incluindo o fato de que o Nordeste é uma região altamente sísmica, que já foi atingida por um terremoto em 1950, o que alterou completamente a estrutura geológica da bacia do Brahmaputra.

Há ainda a questão das mudanças climáticas, que estão sendo pouco mencionadas pelos planejadores: “Já estamos vendo um aumento de chuvas intensas que estão acelerando a alta taxa de erosão do solo e deslizamentos de terra em regiões montanhosas”, alerta Partha Das. Ele acrescenta ainda o fato de o derretimento das geleiras do Himalaia estarem contribuindo para aumentar os níveis do rio. Por aqui, há especialistas que apontam o derretimento da Cordilheira dos Andes como responsável pela enchente histórica do Madeira. Será um movimento imprevisível?

Mas é hora de olhar para o lado “benção” da questão: o governo indiano diz que a energia gerada pelas barragens vai afastar o país de sua dependência do carvão. O Nordeste da Índia, onde se pretende construir as barragens, é uma região onde vivem muitos povos indígenas. Para eles, essa noção de desenvolvimento a partir do uso de outra fonte de energia não deve estar tão próximo quanto a necessidade de preservar suas matas e peixes.



Os protestos dos indianos contra as barragens já começaram. Como o país tem uma democracia de baixa qualidade, a gente já pode imaginar quem, de fato, vai dizer o que é certo ou errado para a região.

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/entre-bencao-e-maldicao-do-desenvolvimento.html

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