Treine seu cérebro
Deixar a mente em ponto de bala é questão de prática. Porém, acima de tudo, é questão de saber exatamente o que praticar. Da música à alimentação, descubra como impulsionar o raciocínio, a memória, a atenção…
Quem nunca se perguntou como a cabeça, embora compacta, consegue armazenar, assimilar e processar tantas informações que queime o primeiro neurônio. Mas a notícia positiva é que essa questão pode ser respondida de maneira simples: a massa cinzenta utiliza cada uma de suas áreas para várias funções. Ou melhor, para tarefas genéricas que estão sempre presentes no nosso dia a dia, como raciocinar, expressar-se, movimentar-se e por aí vai. Em outras palavras, se você ativa uma dessas regiões, vai desenvolvê-la e, consequentemente, patrocinará todas as atividades influenciadas por ela.
O problema, no entanto, é saber quais atitudes podem culminar em melhoras significativas dentro do crânio. Afinal, nem tudo o que fazemos turbina a mente (veja o quadro à direita). Uma das coisas que vêm mais chamando a atenção dos cientistas é a música. Em uma revisão de artigos da Northwestern University, nos Estados Unidos, pesquisadores chegaram à conclusão de que tocar um instrumento aperfeiçoa a habilidade de guardar memórias e de conseguir permanecer atento por um bom período. “Manipular sons altera profundamente as conexões cerebrais”, reforça a SAÚDE! a neurobióloga Nina Kraus, uma das que assinam o trabalho. “Músicos também desenvolvem muito a área comunicativa, a capacidade de leitura e até o potencial para aprender uma língua estrangeira”, acrescenta.
Como se isso fosse pouco, quando você dedilha as cordas de um violão, por exemplo, está mexendo com a região motora primária, localizada no lado esquerdo da cachola. Então, contribuirá para aprimorar sua coordenação motora em diversos exercícios diários que exigem precisão. Por outro lado, o fato de conseguir tocar acordes na hora certa — ou saber usar uma baqueta para emitir sons com uma bateria — aprimora o que chamamos de ritmo. “Isso mexe com uma estrutura mais analítica do encéfalo, responsável também pelo pensamento lógico”, ensina Mauro Muszkat, neurologista da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp.
Muitos pesquisadores afirmam que, para afiar as células neuronais, o melhor a fazer é realizar atividades, como tocar flauta, em vez de deixar passivamente que o estímulo — a melodia de uma composição, por exemplo — chegue até o cérebro. Mesmo assim, o ato de ouvir uma canção, comprovam estudos e mais estudos, também dá um gás às habilidades cognitivas. “A música pré-ativa várias áreas cerebrais. Com isso, ela pode facilitar o processamento de uma segunda tarefa”, revela Muszkat, da Unifesp. Isso quer dizer que fica mais fácil se concentrar e ralar a valer logo após se deleitar com uma bela harmonia. Hoje, é bastante comum ver gente trabalhando com o fone de ouvido o dia inteiro. Essa atitude, todavia, não é para todos. “Quem se envolve demais com uma melodia pode perder a atenção”, contrapõe Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista.
“FULANO ESTÁ ILUMINADO!”
Todo mundo já ouviu a expressão acima. E estar iluminado realmente dá um empurrão aos afazeres que envolvem o intelecto. Por mais incrível que pareça, estudos ao redor do mundo vêm provando que a luz é capaz de nos manter alertas. “Ela ativa o sistema nervoso como um todo”, esclarece o neurocientista Fernando Louzada, da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Esse efeito, no entanto, é transitório. Não vale se expor ao sol e, após algumas horas, achar que vai resolver rapidamente um complexo enigma em qualquer ambiente. Aqui, ainda devemos abrir espaço para outra ressalva: algumas pessoas lançam mão da claridade para driblar o sono. Aí, o tiro sai pela culatra. Afinal, uma das coisas mais importantes para manter o cérebro funcionando a todo vapor é passar tempo suficiente debaixo dos lençóis. “Quem dorme pouco tem dificuldade para guardar recordações e resolver problemas lógicos”, atesta Louzada.
E já que estamos falando de lógica, uma boa maneira de financiá-la é por meio das palavras que não pertencem ao vocabulário português. Pode soar estranho, mas alguns dos neurônios responsáveis pelo aprendizado de uma língua estrangeira também atuam quando buscamos solucionar uma equação. “A matemática e as linguagens são baseadas em preceitos básicos similares”, arremata Sabbatini, da Unicamp.
Só que não adianta achar que, ao falar francês, alemão ou japonês, qualquer um, como num passe de mágica, se tornaria um novo Albert Einstein (1879- 1955). “É preciso treinar matemática para saber fazer contas”, diz, botando os pingos nos “is”, Ricardo Mario Arida, neurofisiologista da Unifesp.
Para funcionar direito, o cérebro precisa ser abastecido. Até pouco tempo atrás, um dos combustíveis mais venerados pela ciência era o ômega-3, um tipo de gordura que forma grande parte das estruturas localizadas dentro da cuca. Acontece que pesquisas recentes sugerem que o tal ácido graxo, presente em peixes de água salgada, promove benesses predominantemente durante os estágios iniciais de formação do cérebro. Para ficar bem claro: uma gestante teria que comer salmão ou bacalhau para que seu filho fosse realmente beneficiado. Agora a esperança recai sobre os fl avonoides da uva, do vinho, do chocolate amargo, do morango e do mirtilo. Esse último fruto, aliás, foi tema de um experimento de Jeremy Spencer, da Universidade de Reading, na Inglaterra. O neurocientista incluiu o pequeno alimento azul no cardápio de voluntários e descobriu que eles apresentavam uma melhora na atenção. “Uma dieta rica em flavonoides ainda aumenta a capacidade da memória e pode ajudar quem sofre com transtornos cognitivos leves”, avalia Spencer para a SAÚDE!.
Os motivos por trás desse efeito não estão completamente elucidados. Uma das teorias é que o nutriente em questão catapulta os níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro. Essa substância de nome complicado tem o poder de estimular a ramificação dos axônios, os braços dos neurônios. E isso ajuda na comunicação entre essas células. Resultado: mais rapidez e eficiência para incorporar lições e histórias. De qualquer jeito, está mais do que comprovado que os flavonoides baixam a pressão arterial e deixam os vasos elásticos. Dessa forma, o sangue fl ui sem nenhum obstáculo na extremidade superior do corpo. Daí, abastece toda a região adequadamente, elevando a performance mental. Aliás, outra prática que potencializa a vascularização é a atividade física. Entretanto, ela não para por aí. “Os exercícios aeróbicos, se praticados com regularidade, podem inclusive gerar novas células nervosas no hipocampo, contribuindo para a memória e a atenção”, garante Arida. Existem até levantamentos preliminares indicando que uma simples caminhada diária ajuda em funções como planejar e pensar de forma abstrata. Apesar de ser ainda incerto, está fundamentado pela ciência que correr, nadar ou andar de bicicleta torna o aprendizado mais natural, especialmente durante a infância e a adolescência.
A MEDITAÇÃO
Essa prática milenar já foi tida como uma das estratégias mais certeiras para manter o encéfalo funcionando a contento. Hoje, ela é vista como uma auxiliar nesse processo. “A meditação prepara o cérebro para o aprendizado por ser relaxante”, relata Sabbatini, da Unicamp. Na verdade, seu efeito é temporário — pesquisas apontam resultados superiores apenas em tarefas cognitivas feitas logo após a sessão zen. Aventurarse em partituras, numa língua nova ou mesmo na prática de uma atividade física depende muito da força de vontade do indivíduo. Bastar querer e, claro, suar os neurônios para ter, por que não?, uma mente brilhante.
O QUE NÃO DÁ CERTO
Cientistas já desenvolveram programas de computador que potencializariam nossos neurônios. Ao solucionar problemas apresentados pelo software, a pessoa ficaria com a cabeça em forma. Infelizmente, pesquisas provaram que essa atitude não traz resultados. “O indivíduo incrementa sua performance só naquilo. E em nada mais”, explica Sonia Brucki, neurologista da Academia Brasileira de Neurologia, em São Paulo. O simples ato de decorar números de telefone e nomes tem o mesmo efeito. Ou seja, a pessoa passa a memorizar com mais facilidade, contudo não explora seu raciocínio ou qualquer outra coisa.
UM É POUCO, DOIS É BOM
Revezar-se entre livros distintos pode auxiliar, e muito, a memória. “Recordar-se de dois enredos exige bastante do hipocampo”, constata o neurocientista Renato Sabbatini. E esse pedaço da massa cinzenta está encarregado exatamente do processamento das lembranças. Ao dar trabalho a ele, o espaço para estocar fatos se amplia. O único senão é que alguns indivíduos simplesmente não conseguem dar conta de Machado de Assis e Guimarães Rosa ao mesmo tempo. “É essencial armazenar as informações. Se essa simultaneidade está gerando confusão excessiva, talvez seja mais produtivo ler apenas um romance”, adverte Mauro Muszkat, neurologista da Unifesp.
O LADO POSITIVO DA MENTIRA
Para inventar uma história — e não ser pego com a boca na botija —, é necessário montar uma verdadeira estratégia de guerra. Uma pessoa não pode saber determinada versão, outra precisa conhecer somente um pedaço da narrativa... E para se lembrar de tudo então?! Todo esse exercício intelectual explica por que ludibriar os outros serve como treino para o sistema nervoso. “Alguns artigos apontam que a mentira pode, sim, aumentar a plasticidade neuronal”, revela o neurofisiologista Ricardo Mario Arida. Longe de nós querer incentivar atos desonestos. Para conquistar essa benesse sem prejudicar terceiros, invista em jogos que envolvem enganação, como detetive, truco e pôquer.
UM CHOQUE DO BEM
Por meio de eletrodos na cabeça, impulsos elétricos atingem áreas específicas da massa cinzenta. A técnica descrita atende pela alcunha de estimulação transcraniana e, de acordo com um artigo da Universidade de Oxford, na Inglaterra, consegue incrementar nossas habilidades intelectuais. “Sua aplicação é só para fins terapêuticos. Pacientes com alguns tipos de demência talvez possam ser beneficiados com o procedimento”, afirma Sonia Brucki, da Academia Brasileira de Neurologia.
SÓ COM PRESCRIÇÃO
Recomendado inicialmente para indivíduos com déficit de atenção e hiperatividade, o metilfenidato acabou caindo na boca de estudantes que iam atrás de uma forcinha artificial para memorizar fórmulas, eventos históricos e tabelas químicas. Acontece que esse medicamento traz efeitos colaterais, inclusive para os neurônios. Além de viciante, ele pode provocar surtos psicóticos.
Fonte: Revista Saúde - por THEO RUPRECHT
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