História - Apostila de História do Brasil...
Transcorreram quase quinhentos anos, desde aquele momento em que Cabral resolveu desviar sua esquadra - que seguia ao largo da costa africana em direção à Índia – e encontrou terras virgens e desconhecidas, até os dias de hoje, quando um congresso constituinte apresentou ao povo e a nação a nova Constituição.
É uma longa história, embora seja curta se a compararmos com a história de outras nações, que registram acontecimentos em datas anteriores a Cristo. Nesta preparação para o vestibular, vamos apresentar a história do Brasil em quatro livros. No primeiro, começamos com alguns fatos da história de Portugal, a nossa antiga metrópole, para compreendermos melhor os trezentos anos de vida colonial. Naqueles primeiros tempos, Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda nomeavam sua política em função de lemas muito simples: mais ouro, mais comércio, mais colônias para explorar. É nesse contexto que o Brasil irá, a partir de 1530, ocupar lugar de destaque na política mercantilista portuguesa, inicialmente com a cana-de-açúcar e depois com a mineração. Embora a economia da colônia fosse totalmente noneada pelos interesses da metrópole, a vida no Brasil adquire feições próprias: com os criadores de gado do Norte e do Sul, com os bandeirantes que marcam fronteiras além do Tratado de Tordesilhas, com os negros, transformados em mercadoria-escrava e que criam o primeiro modelo de estado democrático – o Quilombo dos Palmares, e os índios que recuam cada vez mais para o interior diante do poderio do branco colonizador.
Em 1822 inicia-se oficialmente o Brasil império, ainda que a data mais precisa devesse ser 1808, com a chegada de D. João VI fugitivo de Napoleão. São mais 80 anos de história. Enquanto as outras nações americanas se libertam do domínio espanhol, nós coroamos um imperador, mas também veneramos aqueles que lutaram nesse período pela república como os mártires de Vila Rica, da Conjuração Baiana e da Revolta Pernambucana de 1817. Toda essa história você verá no segundo livro além das grandes revoltas que abalaram o período regencial e o mais longo período da história brasileira sob o governo de um só homem: a era de D. Pedro I. O ano de nossa república, 1889, é o marco inicial do terceiro livro desta série.
E assim chegamos ao quarto livro e ao período mais conturbado de nossa história, de 1930 até os dias atuais. São mais 50 anos que, grosso modo, podem ser divididos em quatro períodos: a era Vargas, os governos populistas, a ditadura militar e a chamada Nova República.
Como a proposta básica deste curso é compreender as peculiaridades do capitalismo num país de industrialização tardia, todos os grandes períodos serão analisados tendo em vista os aspectos econômicos, sociais e culturais, além dos políticos.
E ao final de cada capítulo incluímos alguns exemplos típicos de exercícios que costumam aparecer em vestibulares, com respectivas respostas e comentários.
Cada livro é acompanhado de um caderno com resumos, quadros de referência, cronologia e exercícios de vestibular. Entre os exercícios você encontrará tanto questões de múltipla escolha como outras analítico-expositivas.
Feudalismo - apogeu e queda Divisão do período feudal e suas características
Era crença comum na Idade Média que o mundo acabaria no ano 1000. Sabemos que isso não ocorreu. Na verdade, essa época assinalou o ressurgimento do comércio e o início das transformações gerais pelas quais a Europa passou ao longo do período que se iniciou no século XII e se estendeu até o século XVI (época do descobrimento do Brasil).
Para compreendermos mais adequadamente a Idade Média, lembremos que ela é dividida em Alta Idade Média e Baixa Idade Média. A Alta Idade Média - séculos V ao X - caracterizou-se pela formação da sociedade medieval, que marcou a transição do escravismo ao feudalismo. A Baixa Idade Média – séculos X ao XV - caracterizou-se pela consolidação do feudalismo. O sistema feudal conheceu seu apogeu entre os séculos XII e XIII, quando teve início uma crise geral e profundamente transformadora que conduziria ao seu declínio, nos séculos XIV e XV
Feudo era o local de produção dos bens necessários à sobrevivência da população.
Era constituído por castelos e vilas - as unidades de produção essencialmente agrícolas. A economia feudal baseava-se na agricultura de subsistência, isto é, todos os bens produzidos destinavam-se à manutenção dos habitantes dos feudos (senhores dos castelos e servos produtores agrários). Naturalmente, numa economia desse tipo, voltada para a terra, o poder econômico estava nas mãos dos grandes senhores feudais.
A propriedade da terra constituía a base do poder dos senhores feudais, que além disso detinham o poder militar, judicial e político, e se reservavam o direito exclusivo de cunhar moedas.
O grande proprietário de terras, chamado suserano, doava feudos a outro senhor de terras, que se tornava vassalo.
A vassalagem consistia num contrato de deveres e obrigações mútuas entre o suserano e o vassalo. Por esse contrato, o vassalo ligava-se ao suserano mediante os seguintes compromissos: a) auxílio militar obrigatório por um período aproximado de quarenta dias e durante as guerras; b) auxílio financeiro ao suserano, quando este participasse de cruzadas, e ao seu primogênito, a fim de armá-lo para as guerras.
Em troca, o suserano se comprometia a proteger os vassalos e seus dependentes e a não tirá-los das terras. Se o vassalo deixasse de cumprir as obrigações de vassalagem, poderia ser expulso da terra. Além disso, quando o vassalo morria, seu primogênito tornava-se também um vassalo, pagando ao suserano uma taxa de transmissão do poder sobre a terra.
Outra característica do feudalismo era o militarismo. O vassalo, depois de sagrado cavaleiro, defendia os domínios do seu senhor. A educação de um jovem vassalo consistia no fortalecimento físico, na habilidade do manejo das armas, na prática de cavalgar e caçar e no treinamento para os torneios. Essa preparação militar era a condição fundamental para se tornar um cavaleiro. As guerras constantes constituíam os meios concretos de se aumentar as riquezas, pela conquista de novos territórios. A sociedade feudal dividia-se em senhores e servos. Os primeiros administravam seus bens - castelos, armas, terras, cavalos - , adquiridos pelas guerras, pelos saques, pelas revoltas. Os segundos cuidavam da produção, lutavam nas guerras e protegiam os castelos senhoriais.
Mentalidade feudal: senhor de terras, Senhor Deus
Na Idade Média, o pensamento cristão, baseado na crença em um só Deus, senhor de todo o universo, orientava a vida humana. No entanto, para melhor conhecer os desejos de Deus, era necessário a mediação da Igreja Católica como intérprete "única e verdadeira" das vontades divinas, pois "só a Igreja salvaria".
A Igreja, considerada como a representante dos ensinamentos de Cristo – com poderes de expulsar demônios, curar doenças, e encarregada de espalhar a doutrina da salvação -, dirigia o comportamento humano. Na visão da Igreja medieval, o excedente daquilo que se produzia para a própria subsistência deveria ser "distribuído". E, embora condenasse a usura e a especulação, durante o período feudal foi dona de cerca de dois terços das terras européias.
A religiosidade norteava todas as atitudes dos homens daquela época. Assim, por exemplo, quando o servo entregava sua produção a seu senhor, estava doando seu esforço ao Senhor Deus; quando o senhor feudal doava terras ao Papa e à Igreja, também o fazia ao Senhor Deus. E ambos seriam recompensados por isso. Essa ligação dos homens com o poder divino, por intermédio da Igreja, caracterizou o teocentrismo. traço marcante do feudalismo.
As lutas entre povos cristãos e povos bárbaros (predominantemente germânicos) começaram no início da era cristã e só diminuíram por volta dos séculos IX e X (801 a 900). Durante esse período, iniciou-se uma interação econômica, política, social e cultural entre os dois povos, com o predomínio do cristianismo sobre os cultos bárbaros. O resultado dessa aproximação foi um aumento populacional que acabou por gerar a escassez de alimentos. A produção agrícola insuficiente levou ao desenvolvimento de um pequeno comércio de trocas entre os feudos. Mas isso não foi o bastante para suprir a população européia. As lutas entre servos e senhores tornaram-se, assim, constantes. Os servos reivindicavam aumento das terras para suas necessidades. Os senhores exigiam mais produção.
Como resolver os problemas que causaram a falta de alimentos? Como evitar a crise social, isto é, as revoltas servis provocadas pela precariedade da economia? Como impedir o enfraquecimento político dos senhores feudais e da própria Igreja, que também tinha servos nas suas terras?
O objetivo das Cruzadas
A solução foi conquistar novas regiões fora da Europa. Igreja e senhores feudais organizaram expedições cristãs ao Oriente Médio - as Cruzadas - sob o pretexto de conquistar a Terra Santa (lugar onde Cristo teria nascido e vivido), que caíra sob o controle dos turcos seldjúcidas, seguidores radicais da religião muçulmana.
Até o século XI, o mar Mediterrâneo foi controlado por árabes e bizantinos. Os árabes compreendiam vários povos que ocupavam a Arábia, uma região do Oriente Médio, predominantemente desértica, com poucas terras férteis. A principal atividade econômica desses povos era o comércio, controlado pelas elites dirigentes das cidades. As contínuas lutas internas prejudicavam em demasia o comércio. Será apenas no século VII, com Maomé, fundador de uma nova religião, o islamismo, que ocorrerá a unificação dos povos dispersos nos desertos e nas cidades árabes.
A expansão do islamismo pelas armas fez com que os árabes ampliassem seu domínio comercial sobre o Mediterrâneo, onde, segundo afirmava um historiador muçulmano, 'os cristãos não conseguem fazer flutuar sequer uma tábua'. Essa observação dá a exata medida da força muçulmana naquela região até o início das Cruzadas. Os árabes conquistaram todo o Império Persa, o Mediterrâneo, o Norte da África e a Península Ibérica.
O Império Bizantino era o outro objetivo dos movimentos cruzadistas. A origem de Bizâncio remonta a fins do século IV, quando ocorreu a divisão do Império Romano: o Oriental, com capital em Constantinopla (antiga Bizâncio), e o Ocidental, que logo chegaria ao fim. Bizâncio se transformou no centro de um poderoso Estado; suas origens romanas foram gradativamente abandonadas, vindo a predominar cultura grega e asiática. Economicamente, o Império se baseava nas atividades urbanas, como comércio e manufaturas. Constantinopla era a intermediária dos produtos comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Através de embarcações bizantinas, produtos como especiarias (cravo e canela), perfumes, açúcar, madeiras, pedras preciosas e ouro, vindos da Ásia pelo Mar Negro, chegavam ao Mediterrâneo e eram redistribuídos para a Europa Ocidental pelas cidades italianas, especialmente Veneza.
Tanto o Papa quanto o Patriarca (chefe da Igreja bizantina) desejavam controlar a arrecadação financeira do comércio nas regiões italianas. Essa disputa, entre outros fatores, levou à ruptura, em 1054, entre Roma (capital do cristianismo ocidental) e Constantinopla (capital do cristianismo oriental), que recebeu o nome de Cisma (separação) do Oriente, dando origem a duas igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica Apostólica Romana.
Conseqüências das Cruzadas
O movimento das Cruzadas, a intensificação da atividade mercantil e o renascimento das cidades tiveram as seguintes conseqüências:
a) a abertura do Mediterrâneo ao controle europeu, o que beneficiou principalmente as cidades italianas (Veneza, Gênova e Florença), que passaram a exercer o domínio comercial na Europa, com a eliminação de Constantinopla como intermediária das mercadorias do Oriente; b) o abastecimento de madeira, peles, couros, especiarias, açúcar, ouro, prata, perfumes, marfim - vindos do Oriente Médio e da Ásia, principalmente de uma região conhecida como Índia - passou a ser freqüente na Europa, impulsionando definitivamente o seu desenvolvimento comercial;
navegação, além dos algarismos arábicos (1, 2, 3, ), que passaram a ser utilizados em
c) o contato com outros povos introduziu no continente europeu novas técnicas de larga escala, facilitando os cálculos; d) o crescimento de vilas e cidades que se tornavam centros de comércio, atraindo servos do campo para a cidade; e) o desenvolvimento de uma nova classe social, que não era de proprietários de terras nem de trabalhadores servis, mas dedicava-se ao artesanato e ao comércio: a burguesia (os habitantes dos burgos).
Crise: terra ou dinheiro?
Se o século XIII representou para a Europa um lento mas seguro desenvolvimento mercantil, o século XIV foi um período de crises sucessivas. Os servos, atraídos pelas atividades mercantis, transferiram-se gradativamente para as cidades, gerando falta de mãode-obra nos campos. A agricultura estagnara devido às limitações das técnicas de produção. Mais do que isso, o uso contínuo e excessivo das terras provocava a diminuição da produtividade agrária. Os resultados não podiam ser outros: fome, desemprego, revoltas, epidemias.
Devido a todas essas dificuldades, o século XII marcou o início da desarticulação da forma de organização feudal. A sociedade passou por uma crise geral, de repercussões irreversíveis, cujas causas podemos assim resumir:
a) desequilíbrio entre produção agrária e consumo de mercadorias, gerado pela incapacidade de aumentar a produção; b) aumento da fome, ocasionando crescimento da mortalidade; c) diminuição populacional agravada pelas pestes e epidemias (na metade do século XIV, uma epidemia de peste bubônica, conhecida como a "peste negra", dizimou um terço da população européia); d) em conseqüência, diminuição do mercado consumidor e da mão-de-obra; e) freqüência de guerras entre as regiões européias, como a dos Cem Anos (1337-1453), entre França e Inglaterra, e revoltas camponesas (servos), como a de 1381, na Inglaterra, gerando a desorganização da produção e do comércio, o declínio populacional e o crescimento dos impostos para atender aos gastos militares.
Como conseqüências dessa crise geral do feudalismo, temos:
a) o enfraquecimento dos senhores que formavam as classes nobres, provocado por disputas econômicas; b) o crescimento da burguesia e o fortalecimento de uma organização política centralizadora para melhor explorar o comércio; c) a associação de interesses mercantis com a centralização do poder provocando o apoio da burguesia aos reis (nobres mais ricos e vencedores das guerras entre senhores); d) a nobreza enfraquecida pelas sucessivas lutas lentamente obrigada a aceitar sua integração ao Estado Nacional criado pelo apoio da burguesia mercantil aos reis.
Do século XI ao XIII, a riqueza de um nobre media-se pela quantidade de terras e servos em suas propriedades. Já no século XIV, a quantidade de terras ainda era importante, mas havia necessidade de dinheiro, que poderia ser obtido através de transações comerciais ou da arrecadação de impostos. Para aumentar sua riqueza, alguns senhores começaram a se associar com os burgueses que dominavam o comércio da região, desenvolvendo-se assim um território demarcado pelas atividades comerciais e produção agrícola. Nobreza enfraquecida, crescimento econômico da burguesia, desenvolvimento do reino e centralização do poder nas mãos dos reis foram as bases para o surgimento do Estado Nacional Moderno, dentre os quais o primeiro a se consolidar foi Portugal.
468 - A Península Ibérica O nascimento de Portugal
A formação do Estado Nacional de Portugal está intimamente ligada à história da formação da Espanha. Os pequenos reinos cristãos visigóticos formados na Península Ibérica (Espanha e Portugal) foram alvo, durante séculos, das invasões muçulmanas. A unificação desses reinos relaciona-se à reconquista dos territórios dominados pelos muçulmanos.
No século VIII os árabes, no seu processo de expansão, controlaram a Península Ibérica, que passou a fazer parte do grande Império Islâmico. Do século VIII ao século XV, o modelo da economia árabe estimulou o comércio, intensificando a vida urbana, e permitindo o desenvolvimento de uma ativa burguesia composta por judeus, árabes, muladis (cristãos convertidos à religião islâmica) e moçárabes (cristãos que se dedicavam à atividade mercantil, aceitando a dominação muçulmana).
A Guerra de Reconquista faz pane do amplo movimento das Cruzadas, que na Península Ibérica teve por objetivo retomar os territórios ocupados pelos mouros (árabes do Norte da África). A luta, que durou séculos, ajudou a criar um espírito de nacionalidade entre os cristãos ibéricos. No século XI, quando se inicia a guerra, unem-se para combater o inimigo comum os reinos de Leão, Castela, Navarra e Aragão. Ao reino de Leão ligavam-se os condados de Galiza e Portucalense. Este último, no bojo da luta contra os árabes, se tornaria um reino independente já no século XII.
Vários nobres europeus, como os fidalgos franceses da casa de Borgonha, - ajudaram o rei de Leão a expulsar os mouros de seus domínios. Como recompensa, Raimundo e Henrique de Borgonha receberam terras e a mão das filhas do rei. Raimundo casou-se com dona Urraca e ganhou a Galiza (nome da Espanha). Henrique casou-se com dona Teresa e herdou o Condado Portucalense. Ambos deviam fidelidade ao rei de Leão. Com a morte de dom Henrique (1112), dona Teresa assume o poder e procura manter a autonomia do condado.
No entanto, essa autonomia só foi consolidada por seu filho, Afonso Henriques que passou a lutar mais decisivamente pela separação do condado em relação a Leão.
Após várias batalhas, Afonso Henriques consolidou a independência de seus domínios, assumindo o título de rei de Portugal em 1139, título esse reconhecido pelo rei de Leão em 1143 e confirmado pelo Papa em 1179. Os reis que se seguiram a Afonso Henriques conseguiram manter a autonomia de Portugal em relação ao reino de Leão, ao mesmo tempo em que prosseguiam a luta contra os mouros. Na defesa da autonomia e consolidação do novo Estado soberano, a população portuguesa teve participação decisiva, pois, sem a presença das classes produtoras (camponeses), os reis não conseguiriam assegurar a independência.
Em meados do século XIII, com a expulsão dos muçulmanos (1249), e o fim das querelas fronteiriças com Leão e Castela (1267), Portugal estava de posse de seu território definitivo. Os outros reinos da Península Ibérica, no entanto, prosseguiriam na luta contra os mouros até o século XV, e o Estado espanhol unificado só se completaria em 1515, com a anexação do reino de Granada.
Ao longo dos séculos, o território português tinha sido ocupado por gregos, cartagineses (vindos da atual Tunísia,Norte da África), romanos, povos germânicos e árabes. No século XII, os descendentes desses povos estavam socialmente divididos em 'grandes ', ou 'imunes', e 'iniúdos ', ou "vilões ', e "semi-servos". Os grandes - clero e nobreza - eram imunes porque os rendimentos de seus bens estavam isentos de quaisquer pagamentos aos reis.
Os homens do clero (padres, bispos, arcebispos) eram os únicos da população cristã que tinham cultura literária. Eram também os mais bem organizados da sociedade portuguesa. Como a Igreja representava Deus, que estava acima de reis, nobres e camponeses, o clero tentava sobrepor-se ao poder real. Os reis fizeram então uma política de conciliação com a Igreja, reconhecendo suas propriedades, aceitando a cobrança do dízimo e concedendo-lhe o direito de cunhar moedas.
Os vilões compreendiam vários grupos sociais. O vilão do campo trabalhava em qualquer lugar e pelo preço que combinava. O vilão rico do campo tinha cavalos, armas e roupas adequadas para a guerra, enquanto o pobre fazia o serviço militar a pé. O vilão da cidade era o mercador Ao longo dos séculos XII e XIII, e, principalmente, a partir dos séculos XIV e XV, esses mercadores constituíram as classes burguesas.
Os servos eram homens ligados a terra. Embora não fossem escravos não podiam ser vendidos -, os servos faziam parte das terras conquistadas ou doadas pelo rei a algum nobre. Tinham a subsistência garantida pelo senhor, mas nada recebiam por seus serviços. No caso de Portugal, os servos, a partir do século XII, foram se transformando em colonos livres, ou semi-servos, pois passaram a receber dinheiro (moedas) pelo trabalho produzido.
Essa evolução foi conseqüência indireta dos constantes ataques árabes, que obrigavam as populações portuguesas a organizarem a economia de maneira centralizada.
Essa centralização precoce em relação aos outros reinos europeus colocou o rei como organizador da economia em Portugal.
Desde o século XII (1101-1200), a carência de mão-de-obra tornou-se o maior problema para a produção de alimentos. A solução encontrada pelo rei foi transformar o servo em semi-servo ou colono livre, pagando-lhe um salário de acordo com sua produtividade e assim evitando que ele se deslocasse para as regiões litorâneas, onde poderia se dedicar com vantagem à pesca. Nesse sentido, o feudalismo português foi diferente do das outras regiões da Europa, onde um servo não se confundia com um colono livre.
Nas terras de propriedade dos reis trabalhavam os rendeiros, isto é, homens que cultivavam a terra em troca de gêneros alimentícios e, principalmente, de dinheiro.
Os reis estimulavam ainda as feiras, isto é, a troca de mercadorias. Chegavam mesmo a obrigar novos produtores agrários a comparecerem às feiras, sob pena de pesadas multas, perseguições e confiscos dos gêneros agrícolas.
Além disso, os armazéns reais, sempre com abundância de mercadorias, regulavam os estoques para o consumo. Dessa forma, evitavam-se os problemas de desequilíbrio entre regiões mais e menos produtivas. A produção de arroz, azeite, vinho, trigo e algodão (matéria-prima para tecidos) estava integrada ao esquema de controle de produção/comercialização comandado pelos reis.
Morte de rei provocou revolução
Em 1383, com a morte de dom Fernando - último rei da família dos Borgonha -, teve início a crise monárquica em Portugal, que terminaria com a subida ao trono português de outra família lusitana através de uma revolução.
Dom Fernando não teve herdeiro varão. Do primeiro casamento com dona Leonor deles nascera dona Beatriz, que se casou com dom João, rei de Leão e Castela. O monarca castelhano ambicionava anexar Portugal aos seus domínios mas dom Fernando, antes de falecer, obrigou-o a assinar um contrato de casamento pelo qual ficava estabelecido que o primeiro filho do casal seria rei de Portugal, abrindo mão do trono de Castela. Enquanto isso, dona Leonor ficaria como regente.
No entanto, dona Leonor aproximou-se demais de nobres lusitanos favoráveis à anexação de Portugal a Castela. Com isso, a burguesia mercantil portuguesa sentiu-se ameaçada em seus interesses, enquanto o povo lusitano - semi-servos, vilões do campo e da cidade, marinheiros, pescadores – não aceitava as manobras da regente. O assassinato de um nobre galego ligado à dona Leonor deflagrou o conflito. A regente fugiu para Castela, onde pediu ajuda.
Em praça pública, o povo aclamou dom João, da família de nobres de Avis (região lusitana), como chefe militar para organizar a luta contra Castela. A guerra entre Portugal e Castela teve seu desfecho em 1385, com a batalha de Aljubarrota, na qual os portugueses derrotaram os invasores. Um pouco antes, no mesmo ano, dom João fora aclamado rei de Portugal, dando início à dinastia de Avis e ao primeiro Estado Nacional moderno da Europa.
Uma ampla associação de interesses foi a principal causa da consolidação de Portugal como país. A burguesia mercantil ficou temerosa de perder as conquistas comerciais para a burguesia castelhana. O nobre de Avis percebeu que poderia se tornar rei e construir o mais poderoso Estado da Europa no século XIV. Vilões e semi-servos estavam interessados em consolidar as condições de trabalho. A união da burguesia mercantil com o rei e sua vitória contra a aristocracia (senhores de terras) foi o traço marcante da Revolução de Avis.
A burguesia mercantil e parte da nobreza que apoiou dom João criaram as cortes, isto é, uma assembléia formada pelas duas classes vitoriosas para dar apoio político ao rei. Outro objetivo das cortes foi impedir o crescimento de organizações populares de vilões, semiservos, marinheiros e pescadores que pudessem reivindicar maior participação política e melhores condições econômicas e sociais.
Rumo ao mar: expansão ultramarina
Como foi dito, o feudalismo em Portugal teve características próprias em relação ao restante da Europa. Em primeiro lugar o rei centralizava as decisões econômicas estimulando as feiras para trocas comerciais e guardando, em seus armazéns, alimentos para as regiões carentes. Com isso, o rei arrecadava altos impostos, garantido dinheiro para estimular as atividades mercantis e impulsionar a tecnologia marítima.
Em segundo lugar a atividade pesqueira lançava os portugueses em direção ao oceano. Inicialmente, apenas com a pesca da sardinha e a extração do sal, depois com a construção de embarcações maiores, para a pesca de atum e bacalhau, até chegar, no século XV, ao desenvolvimento das caravelas, que possibilitaram a caça da baleia e a conquista de novas terras.
Essas peculiaridades feudais associadas à localização geográfica do país, 'à beira- mar', plantado, estimularam, a partir do século XIV (1301-1400), o desenvolvimento das ciências náuticas. A construção de caravelas, o aperfeiçoamento do astrolábio (instrumento de medição da altura das estrelas no horizonte para orientar a navegação e a elaboração de mapas) e da bússola propiciaram a Portugal a abertura do comércio com a Inglaterra, França e Países Baixos (Holanda).
No século XV (1401 - 1500), a Europa apresentava os seguinte quadro: crescimento populacional, deslocamento de servos do campo para a cidade, desenvolvimento urbano, escassez de produtos agrícolas e ampliação comercial. Essa ampliação exigia a expansão em busca de novos mercados produtores e consumidores.
O mar Mediterrâneo estava dominado econômica e comercialmente pelas cidades Italianas, em especial Veneza. no Século XV uma Europa necessitada de mercadorias impulsionou Portugal a enfrentar os desafios do oceano para muito além das costas Portuguesas, em direção ao sul do Atlântico. Essas viagens ficaram historicamente conhecidas como as Grandes navegações. Foi o momento da expansão ultramarina. A queda de Constantinopla nas mãos dos Turcos, em 1453, e o conseqüente fechamento da rota terrestre por onde passavam os produtos vindos do Oriente, estimularam ainda mais a busca de um caminho marítimo para as Índias.
Os passos foram lentos. A cada nova conquista ou avanço sobre o oceano, somavam-se novas experiências e conhecimentos: 1415 - conquista de Ceuta, na África, importante base dos mercadores muçulmanos; primeiro porto do Atlântico fora da Europa. 1416 e 1431- conquista de Madeira e Açores: dois arquipélagos do Atlântico entre Europa e África. 1434 - avanço sobre o cabo Bojador: passagem decisiva para a conquista definitiva da África. 1440 a 1480 - conquista de várias ilhas, entre elas as de Cabo Verde e Porto -Príncipe, e regiões do continente africano (Guiné e Angola). 1487 - o navegador Bartolomeu Dias dobra o cabo da Boa Esperança no sul da África: passagem do Atlântico para o oceano Índico. 1498 - Vasco da Gama chega às Índias. 1500 - descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
Com a conquista das regiões africanas e asiáticas e a instalação de postos comerciais para as atividades mercantis, Portugal tornava-se a nação mais rica e de comércio mais organizado e lucrativo de toda a Europa do século XV As Índias representaram conquista significativa aos cofres do rei português, pois de lá vinham especiarias, pedras preciosas, marfins, perfumes, açúcar, ouro, prata, -tecidos, madeira e porcelana, para suprir as necessidades econômicas européias.
A rota das Índias pelo Atlântico era muito mais lucrativa do que pelo Mediterrâneo, que incluía um longo trecho por terra. A primeira viagem de Vasco da Gama foi exemplar para a economia portuguesa: obteve-se um lucro de 6 0%. Veneza jogava no mercado europeu 420 mil libras de pimenta por ano. Vasco da Gama, com um navio apenas, jogou 200 mil libras no mesmo mercado. As viagens pelo Atlântico eram mais longas, mas os lucros compensavam à medida que as transações comerciais cresciam.
Na última década do século XV, Portugal e Espanha eram as duas maiores potências econômicas da Europa. A importância desses reinos pode ser medida pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 com a aprovação do Papa, em que ambos dividiram entre si o mundo conhecido ou o que viesse a ser descoberto: as terras encontradas a leste seriam de Portugal, as terras a oeste, da Espanha.
A escola de Sagres: "Navegar é preciso, viver não é preciso" :
Como Portugal conseguiu conquistar uma posição tão privilegiada? O que permitiu o desenvolvimento das grandes navegações? Que condições culturais e mentais impulsionaram os portugueses para mares tão desconhecidos?
A partir do século XII, a realização das Cruzadas abriu a possibilidade de os europeus entrarem em contato com povos diferentes. As viagens pelo Mediterrâneo, as lutas entre católicos, muçulmanos e bizantinos acarretaram grandes transformações na vida européia, como o aperfeiçoamento das técnicas de guerra, a mudança de hábitos alimentares, novas palavras no vocabulário e, principalmente, o aperfeiçoamento de técnicas marítimas.
Ao longo dos séculos XN, XV e XVI, os europeus perceberam que a ajuda divina e da Igreja não eram suficientes para suas vidas. Era necessário um esforço pessoal nos empreendimentos comerciais, na produção agrícola, no domínio da natureza, no conhecimento de técnicas marítimas. Os homens começavam a acreditar em si mesmos. Perceberam que de sua fraqueza diante da natureza nascia a força para dominá-la. O teocentrismo medieval dava lugar ao antropocentrismo renascentista: o homem era agora a medida de todas as coisas, isto é, pelas próprias forças ele poderia conquistar o mundo.
No século XV, a criação da Escola Naval de Sagres. pelo infante dom Henrique, foi um marco decisivo para as navegações portuguesas no Atlântico. A Escola de Sagres reuniu os maiores estudiosos do mundo europeu em técnicas de navegação e lançou ao mar pelo menos um navio por ano para estudar o oceano, fazer mapas e anotar as posições das estrelas para guiar os navegadores.
As viagens pelo Atlântico eram muito inseguras: todos os tripulantes dos navios, ao saírem de Portugal, assinavam o livro de óbitos. Mesmo assim, os portugueses colocavam em risco suas vidas, menos pela aventura do mar ou pela religião, e mais pelas possibilidades de riquezas comerciais.
A primeira expedição comercial às Índias, sob o comando de Pedro Álvares Cabral. em 1500 - encerrando espetacularmente o século XV -, foi o marco definitivo das conquistas portuguesas. Reuniu-se a maior e mais bem organizada frota para chegar às Índias. A magnitude do empreendimento ressalta da comparação: enquanto Vasco da Gama levara apenas quatro naus em sua viagem pioneira e Cristóvão Colombo chegara à América com apenas três -, Cabral saiu no dia 8 de março com treze embarcações e mil e quinhentos homens. E trazia apenas uma recomendação do rei português, dom Manuel: afastar-se o máximo possível das águas conhecidas para descobrir um caminho mais rápido para as Índias.
Desse afastamento resultou a vista de inequívocos sinais de terra, a 21 de abril. No dia seguinte pela manhã avistaram um monte; como era a semana da Páscoa, chamaram- no de Monte Pascoal. O porto era seguro. No dia 23 seguiram os primeiros contornos e descobriram: não estavam nas Índias, porque os tradutores que conheciam a língua do Oriente não entenderam o que os habitantes da terra falavam. Estava descoberta a Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil. Decidiram continuar viagem em 1° de maio para as Índias. Uma nau voltou a Portugal anunciando a nova terra descoberta.
Na poesia a verdade do "Mar Português"
Ó Mar Salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Se a alma não é pequena. Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!
Os versos do poeta português Fernando Pessoa revelam a força do Atlântico para a vida dos portugueses. O lema da Escola de Sagres e dos navegantes de mares tão desconhecidos e arriscados era: 'Navegar é preciso. viver não é preciso Navegar era preciso para o enriquecimento do rei e da burguesia mercantil. Viver não era preciso. Preciso era trazer ouro, prata, diamantes, canela, cravo, açúcar para o poder de Portugal, ainda que isso custasse a vida de muitos navegantes.
Ouro e comércio na riqueza da Europa
No século XVI, a Europa passava por grandes transformações. A atividade mercantil crescia, forçando os reis a organizarem os Estados Nacionais, através de princípios econômicos que aumentassem suas arrecadações financeiras. Esses princípios eram:
- a maior quantidade possível de ouro e prata constituiria a base da riqueza de um país;
- o aumento da exportação de mercadorias permitiria acúmulo dos metais preciosos, ou seja, levaria a uma balança comercial favorável;
- o protecionismo aos produtos nacionais deveria impedir a entrada de mercadorias iguais ou semelhantes àquelas que o país possuísse;
- a transformação das matérias-primas em manufaturas estimularia o industrialismo;
- o estabelecimento de colônias para a produção de matérias-primas baratas e a exploração de ouro e prata ajudariam a suprir as necessidades das metrópoles;
- O Pacto Colonial (as colônias só podiam comerciar com sua metrópole) e a criação de Companhias de Comércio garantiam o monopólio comercial do sistema colonial. A prática desses princípios ficou conhecida como política mercantilista ou mercantilismo.
ser: ouro, poder e glória, ou seja, riqueza, domínio e prestígio O sistema de governo
A burguesia comercial era economicamente responsável pelas transações mercantis, cujos lucros fortaleceram o poder dos Estados Nacionais. O lema do mercantilismo poderia baseado economicamente no mercantilismo era o Estado absolutista - o rei, apoiado pela burguesia comercial, centralizava o poder.
O comércio monopolista (exclusivista) promovido pelo rei e burguesia exigia que estes controlassem suas mercadorias não só em suas nações como também em outras. Essa prática gerou guerras na disputa de territórios comerciais entre os países europeus.
A conquista de colônias tornava-se essencial para o equilíbrio econômico-financeiro das nações européias, pois as colônias poderiam produzir as matérias- primas inexistentes nas metrópoles. Além disso, os territórios colonizados consumiriam as manufaturas produzidas nas metrópoles.
Colônias de exploração e de povoamento
Nas colônias de povoamento a economia era organizada para atender aos interesses dos colonos, que abandonaram seus países de origem por motivos de perseguição política ou religiosa, ou por condições subumanas de sobrevivência.
interesses dos colonizados Através das colônias de povoamento, o que se visava era a
Não se deve pensar, no entanto, que se tratava de colônias em que prevaleciam os ocupação territorial, ao mesmo tempo em que se tentava resolver os problemas sociais, políticos e econômicos das populações pobres da Europa, permitindo-lhe novas alternativas de sobrevivência.
Quanto às colônias de exploração, foram organizadas com a finalidade de suprir a falta de matérias-primas da metrópole. Aqui, a economia obedecia ao que se costumou denominar de Pacto Colonial, que subordinava integralmente à metrópole toda transação comercial (exportação e importação) das colônias. Ou seja, os colonizadores extraíam toda a matériaprima possível das colônias e as obrigavam a importar seus produtos manufaturados.
As colônias de exploração fundamentavam sua economia na extração de metais ou na produção de qualquer gênero agrário, de alto valor mercantil, para ser vendido nos mercados europeus. Produção em latifúndio, especialização em um único produto agrícola (monocultura), emprego de mão-de-obra escrava eram as características desse modelo colonial.
Entender o modelo de colônias de exploração é fundamental, pois ele caracteriza todo um conjunto de colônias, exploradas pelos europeus em várias regiões (África , Ásia e América), que permitiriam o crescimento da acumulação de capitais gerados pelas atividades mercantis monopolistas.
O monopólio da compra dos produtos coloniais permitia à burguesia mercantil adquiri-los a preços baixos. Os lucros eram enormes, pois essas mercadorias eram vendidas a preços vantajosos no continente europeu.
As práticas mercantilistas deram origem à economia pré-capitalista, que se desenvolveu principalmente nos séculos XVI, XVII até fins do século XVIII. A acumulação de capitais comerciais pelas práticas dos mercantilistas foi responsável pela transição do processo produtivo de manufaturas para o desenvolvimento industrial, característico da economia capitalista.
Açúcar: o ouro do Brasil Oriente lucrativo
Portugal era um exemplo desse modelo mercantilista. A partir da viagem lucrativa de Vasco da Gama, em 1498, os navegadores portugueses estabeleceram acordos com mercadores da Índia para obter a exclusividade no comércio das especiarias. Através de guerras colonialistas os portugueses conseguiram garantir o comércio dos produtos orientais. Ouro da África e do Oriente, escravos africanos para a produção açucareira das ilhas do Atlântico, artigos de luxo (perfumes, sedas, tapetes) do Oriente, socorro à escassez de cereais do reino português e da Europa eram alguns objetivos lusitanos no início do século XVI.
Nos primeiros trinta anos após a descoberta do Brasil, Portugal desinteressou-se pela Terra de Santa Cruz e quase a abandonou, pois as especiarias e as manufaturas de luxo do Oriente eram mais lucrativas.
Homens e dinheiro eram decisivos para o domínio militar e o combate aos árabes no controle comercial do Oriente. Isso fazia com que pouco sobrasse para investir na nova terra.
Além disso, os portugueses não haviam encontrado no Brasil nem ouro nem prata, ou outro produto que pudesse ser comercializado no mercado europeu. Mesmo assim, houve várias expedições de reconhecimento do litoral brasileiro. Numa delas, os navegadores descobriram grande quantidade de pau-brasil na Mata Atlântica.
Essa madeira já era conhecida pelos europeus, que a utilizavam como corante na indústria têxtil. Até então, o produto vinha do Oriente. O rei de Portugal firmou um contrato com mercadores para a exploração do pau-brasil nas novas terras.
O Estado português comprometeu-se com os mercadores a não importar mais pau-brasil do Oriente. Em troca, eles deveriam enviar navios ao Brasil, construir e manter aqui uma fortaleza e pagar impostos à Coroa. Assim nasceram os 'brasileiros" - nome dado aos comerciantes do pau-brasil.
Brasil: ocupação ou perda?
Depois que os espanhóis encontraram ouro e prata em suas possessões nas Américas, a França resolveu também enviar navios ao Brasil e aqui disputar com Portugal a procura de metais preciosos.
Mundo aos espanhóis e portugueses
As expedições francesas ao litoral brasileiro provocavam protestos dos portugueses, que reclamavam o acordo estabelecido no Tratado de Tordesilhas. O rei da França - Francisco I - respondeu ao rei português que a França deixaria o litoral do Brasil se Portugal apresentasse o "Testamento de Adão", em que constasse a doação das terras do Novo
Diante de tais ameaças, Portugal decidiu-se, a partir de 1530, a ocupar economicamente o Brasil, colonizando-o. Além das ameaças européias ao Brasil, o comércio das especiarias no Oriente estava enfraquecendo. A concorrência de outras nações da Europa, os altos custos militares e de transporte, a enorme distância entre a Índia e Portugal e principalmente a diminuição dos lucros mercantis foram os fatores decisivos para os lusitanos optarem pela exploração comercial da colônia brasileira. Por ordem de dom João I, a expedição de Martim Afonso de Sousa ao Brasil, em 1530, visava expulsar os franceses do litoral, observar e relatar cuidadosamente as características geográficas da nova terra e fundar povoamentos. São Vicente (no atual litoral paulista) foi a primeira vila brasileira, fundada em 1532. Após o relatório de Martim Afonso, que mostrava a viabilidade da colonização, e tendo em vista a falta de capital da Coroa, o rei decidiu entregar as despesas da colonização à iniciativa privada.
A divisão da terra em capitanias hereditárias foi o esquema encontrado pela Coroa portuguesa para a ocupação colonial. Eram quinze faixas lineares de terras, entregues a doze proprietários, incumbidos de montar engenhos de açúcar, de pagar ao rei um quinto dos metais preciosos encontrados, e, em troca, o donatário (proprietário da capitania) poderia vender pau-brasil e índios em Portugal. A posse da terra era garantida pela Carta de Doação e pelo Foral.
Os donatários eram capitães com poder de fazer leis, administrar a produção e a renda das capitanias. Esses poderes eram bastante amplos; no entanto, o sistema de capitanias não foi feudal, a mão-de-obra era escrava e a produção visava o mercado externo. A economia da colônia funcionava de acordo com o comércio internacional.
O sistema de capitanias hereditárias foi adotado no Brasil devido ao êxito obtido com um esquema semelhante na produção de gêneros agrários nas ilhas de Açores, Madeira, Cabo Verde, Porto Príncipe e em Angola (todos territórios portugueses no Atlântico). No Brasil, as capitanias tiveram pouco resultado. A falta de recursos financeiros foi a principal causa do fracasso; de resto, a maioria dos donatários nem veio ao Brasil para assumir a colonização.
O fracasso das capitanias determinou a necessidade de substituir a política descentralizada por um centro de unidade política e administrativa. Assim, em 1548, foi criado o Governo Geral. Tomé de Sousa foi o primeiro governador, com a função primordial de ajudar os capitães donatários na produção agrícola. Ao governador geral cabia também combater tribos indígenas rebeldes aos colonizadores, realizar buscas de jazidas de ouro e prata pelo interior e construir navios para a defesa territorial.
Os governadores gerais pouco puderam fazer para estimular a produção e defender as terras brasileiras, dada a enorme extensão territorial e os parcos recursos financeiros que a Coroa enviava.
O poder de fato estava nas mãos dos proprietários de terras - os chamados senhores coloniais -, donos das fazendas de açúcar, movidas a trabalho escravo.
Essa classe social detinha, na prática, o poder local através dos municípios, organizados em câmaras. Nestas, reuniam-se os 'homens bons', isto é, homens de propriedades, para as decisões políticas, administrativas e econômicas do município. Nelas ainda se decidia sobre a declaração de guerra e paz com índios, arrecadação de impostos, catequese, abastecimento de mão-de-obra escrava (negros e índios) para as fazendas.
Êxito açucareiro garante colonização
A decisão de colonizar a nossa terra estava intimamente associada à escolha do cultivo de um gênero agrário que trouxesse elevados lucros à Coroa. A ausência de metais preciosos, os baixos recursos obtidos com a extração do pau-brasil e o declínio do comércio de especiarias no Oriente exigiram uma opção agrícola lucrativa. O açúcar foi a escolha portuguesa para o projeto colonizador.
A produção açucareira oferecia várias vantagens:
a) as boas experiências produtivas dos portugueses com o açúcar cultivado nas ilhas de Açores e Madeira; b) o pequeno tempo gasto entre a produção e a comercialização do produto, em relação aos outros gêneros, permitia que o capital empregado, embora elevado, tivesse retorno rápido; c) o mercado europeu era garantido porque não haveria concorrentes; d) a grande quantidade de terras disponíveis no Brasil, com solo tipo massapê favorável a essa cultura.
A organização da produção açucareira obedeceu ao esquema de plantation: produção agrícola baseada no latifúndio (grande propriedade), monocultura (somente produção de açúcar), com mão-de-obra escrava, voltada exclusivamente para o mercado externo.
Negro: caçado como animal para o trabalho escravo
A mão-de-obra escrava constituiu outro fator de lucratividade para a burguesia mercantil metropolitana. O negro africano era vendido como mercadoria e as classes burguesas traficantes obtiveram com ele altos rendimentos.
Como o objetivo da colonização não era favorecer o desenvolvimento de um mercado interno, o uso da mão-de-obra escrava cumpria a finalidade mercantilista: produzir para o mercado externo, em benefício da metrópole.
O negro ou era caçado como animal pelos comerciantes portugueses com o uso da violência ou trocado com os chefes das tribos por produtos de pouco valor, como fumo, armas de fogo etc.
Nos porões dos navios negreiros (os chamados tumbeiros) a viagem era difícil, havia pouca comida (em geral, banana e água). Eram comuns as epidemias, que chegavam a matar metade dos prisioneiros.
A vida dos negros nas colônias era ainda mais cruel que as viagens. Submetidos, em média, a catorze horas de trabalho diário, poucos sobreviviam mais que cinco a doze anos. Plantio da cana, colheita, moagem eram as atividades cotidianas. "Os negros são as mãos e os pés dos senhores de engenho." Essa frase do jesuíta Antonio - que escreveu sobre as condições sociais, econômicas e políticas do período colonial - expressa a dependência total que os proprietários dos engenhos tinham em relação aos escravos africanos.
Açúcar, o negócio dos flamengos
A montagem do empreendimento açucareiro no Brasil contou com o financiamento dos holandeses, pois a burguesia mercantil lusitana estava em crise financeira em decorrência do declínio do comércio de especiarias, nas primeiras décadas do século XVI. Não havia disponibilidade de capitais para bancar a empresa agrícola açucareira. Então, maquinaria para os engenhos (moenda - conjunto de peças de ferro para triturar o açúcar), instrumentos como a enxada e a foice, bem como o tráfico de negros, eram financiados pelos flamengos (holandeses).
A Portugal ficava a tarefa de produzir o açúcar na colônia brasileira. O açúcar saía daqui na forma de rapadura ou melaço.
Comerciantes portugueses vendiam esse açúcar para os batavos (holandeses), que executavam o refino do melaço (transformação em pó, açúcar mascavo), comercializavam e distribuíam o produto na Europa.
Assim, as técnicas de produção do açúcar eram dominadas pelos portugueses, mas o refino e o domínio comercial dos mercados europeus pertenciam aos holandeses. Como, pelas leis mercantilistas, a atividade comercial era muito mais lucrativa que a atividade produtora, podemos afirmar que "o negócio do açúcar foi, em resumo, mais flamengo que português". (Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina)
Em 1578, dom Sebastião, o rei de Portugal, desapareceu numa batalha contra os muçulmanos, em Alcácer-Quibir, território africano, e deixou vago o trono lusitano. Filipe I, rei da Espanha e primo de dom Sebastião, reclamou a herança da Coroa portuguesa. No entanto, subiu ao trono de Portugal o cardeal dom Henrique, tio de dom Sebastião e de
Filipe I. Tropas espanholas invadiram Portugal e depuseram dom Henrique. Em 1580, Filipe I proclamou a União Ibérica.
A união de Portugal à Espanha durou sessenta anos (1580-1640). A União Ibérica, sob o reinado de Filipe I, proibiu a venda do açúcar brasileiro para os holandeses. Proibia-se também aos flamengos realizarem qualquer atividade mercantil em portos portugueses de todo o mundo. Tropas espanholas controlaram com a força das armas os portos de Portugal, para impedir as possíveis transações comerciais holandesas.
A burguesia flamenga reagiu: contratou piratas para realizar ataques-surpresa às tropas luso-espanholas, visando romper o bloqueio econômico da União Ibérica.
Além disso, os holandeses criaram duas companhias de comércio: a Companhia das Índias Orientais e a Companhia das Índias Ocidentais. A primeira se encarregava do comércio na Malásia e nas Ilhas Molucas (ambas na Ásia). As atividades da segunda você conhecerá a seguir.
Brasil holandês
Apesar da reação flamenga, o embargo espanhol conseguiu desmantelar o comércio açucareiro holandês na Europa. Por isso, a Holanda decidiu invadir o Brasil: tentava buscar o açúcar diretamente na fonte produtora, a fim de recuperar seu comércio.
A primeira invasão, realizada sob a responsabilidade da Companhia das Índias Ocidentais, ocorreu em Salvador, na Bahia, no ano de 1624.
O bispo dom Marcos Teixeira, no entanto, organizou a resistência: mobilizou a população de negros, índios e brancos pobres, convencendo-os a lutar contra o invasor "protestante, infiel e satânico".
Os holandeses perceberam que dominar a capital da colônia (Salvador) não garantiria a retomada do comércio açucareiro, pois o centro econômico da colônia não era a Bahia, mas Pernambuco. Por isso, a segunda invasão aconteceu em Pernambuco (Recife e Olinda), a maior região de produção açucareira, em 1630. É possível distinguir três fases nessa invasão:
1630 a 37 - fase da conquista 1637 a 4 - fase da acomodação 1644 a 54 - fase da expulsão
Na fase da conquista, os holandeses enfrentaram resistências dos colonos, mas obtiveram a ajuda do português Domingos Fernandes Calabar, que levou os flamengos a obter importantes vitórias.
Na fase da acomodação, a administração holandesa ficou a cargo do conde Mauricio de Nassau, que ofereceu aos proprietários de engenho empréstimos para recuperarem as plantações, maquinaria e escravos. Nassau soube conviver com os colonos católicos, autorizando construções de igrejas e respeitando seus dias sagrados. Promoveu também construções de palácios, pontes, além de trazer cientistas europeus com o objetivo de estudar a terra tropical para melhor dominar as diferenças geográficas e econômicas, tornando mais eficiente à exploração do Brasil. Nassau procurou uma convivência pacífica com os colonos, conforme convinha aos objetivos da Companhia das Índias Ocidentais, da qual era um dos investidores. A habilidade política de Nassau como governador teve como resultado a retomada da produção a níveis melhores que os da fase de conquista, conseguindo assim aumentar as áreas de plantação.
A partir de 1640, Portugal, auxiliado pela Inglaterra, recuperou a autonomia em relação à Espanha, após sucessivas guerras. Os ingleses estavam interessados em monopolizar o fornecimento de manufaturas aos portugueses.
O rei português assinou, então, um acordo com os holandeses, permitindo-lhes permanecerem no Brasil por mais dez anos (até 1650). Em troca, os holandeses continuaram a financiar a produção do açúcar.
Entretanto, começa a haver, nessa época, um declínio da economia holandesa, cuja causa principal foi a guerra entre católicos (sob a liderança da Espanha) e protestantes (liderados pela Holanda). Na verdade, essa luta, aparentemente motivada por razões religiosas, nasceu como disputa entre a nobreza feudal (catolicismo espanhol) e a burguesia (protestantismo holandês). O conflito durou de 1618 a 1648
Por isso recebeu o nome de "Guerra dos 30 anos". Nesse período intensificou-se a luta holandesa pela conquista definitiva da independência em relação à Espanha.
A Holanda buscou obter o máximo de recursos financeiros para enfrentar a crise: elevou a produção e os impostos açucareiros, não tolerou atraso no pagamento dos empréstimos e aumentou os juros dos empréstimos aos colonos brasileiros, governados por Nassau. O governador holandês sabia dos problemas de produção, equipamentos e capitais dos senhores de engenho. Havia muitas dificuldades na colônia , apesar da confiança e do crédito pessoal conquistados por Nassau ao longo dos sete anos de administração colonial no Brasil. Entretanto, as novas exigências da Holanda impossibilitavam a Nassau a manutenção de sua habilidosa política de convivência com os colonos. Alertou então os holandeses, mostrando que a nova orientação econômica provocaria lutas armadas dos colonos contra os flamengos.
Expulsão e crise
A fase de expulsão dos holandeses iniciou-se com a saída de Nassau do Brasil. Uma junta de três holandeses substituiu-o na administração da colônia. A junta seguiu as orientações recusadas por Nassau. O resultado deste procedimento foi a reação imediata dos colonos, organizando resistência armada e conseguindo a expulsão dos holandeses. Em 1654, a Holanda aceitou a perda da guerra, assinando a rendição da Campina da Taborda.
Mais tarde, em 1661, os holandeses assinaram o acordo da Paz de Haia, reconhecendo o domínio português sobre o Nordeste brasileiro e a região africana de Angola. Em troca, os portugueses aceitaram a dominação holandesa em suas possessões do Oriente e pagaram uma indenização de quatro milhões de cruzados (moeda portuguesa) à Holanda.
A Inglaterra, que já se impunha como nova potência marítima, serviu de intermediária nos acordos entre flamengos e lusitanos. Com isso, passou a influenciar Portugal, com quem estabeleceu uma aliança econômica e política. Através dessa aliança, a Inglaterra torna-se o principal fornecedor de manufaturas inglesas às colônias portuguesas. Quebra-se o domínio comercial holandês e os britânicos substituem os flamengos enquanto grande potência pré-capitalista.
Em troca do apoio a Portugal ; a Inglaterra ficou com os domínios portugueses de Tânger (África) e Bombaim (Ásia), e a permissão para o trânsito de mercadores ingleses no comércio português da Índia. Por esse acordo, que culmina com o casamento entre a princesa Catarina (portuguesa) e o rei Carlos I (inglês), Portugal recebeu da Grã-Bretanha dois milhões de cruzados, suficientes para quitar metade da indenização prometida à Holanda. Pela outra metade, os portugueses tiveram de pagar juros em libras aos britânicos.
A partir do século XVII, após a expulsão dos holandeses, o Brasil tornou-se a mais importante colônia portuguesa. Isso porque a Coroa lusitana perdera pontos comerciais importantes nos acordos com a Holanda e a Inglaterra, tendo que voltar- se integralmente à exploração econômica na colônia brasileira.
A partir da segunda metade do século XVII, os holandeses levaram a tecnologia da produção de açúcar, aprendida no Brasil, para seus domínios nas Antilhas (ilhas do Caribe), na América Central e na Guiana Holandesa (fronteira com o Amazonas). O açúcar brasileiro passou a ter como concorrente o açúcar flamengo. mais barato, porque os holandeses não dependiam de capital estrangeiro, o que ocorria com Portugal em relação ao capital inglês.
Além disso, os preços do açúcar sofreram uma queda geral no continente europeu, provocada pela diminuição da atividade das minas de ouro e prata na América espanhola. Como resultado, faltavam moedas no mercado, o que levou ao declínio da produção açucareira do Brasil.
Sertão: os caminhos do gado. O gado penetrava e ocupava o interior
A economia agro-açucareira foi a base da colonização na América portuguesa, nos séculos XVI e XVII, e o gado dava sustentação local ao açúcar. A criação bovina foi um dos fatores decisivos para a penetração e conquista do interior brasileiro - especialmente o Nordeste.
É possível distinguir três fases da pecuária colonial. A primeira iniciou-se logo após a Descoberta, em 1533, estendendo-se até o começo do século XVII. Engenho e curral faziam parte do latifúndio canavieiro. O gado alimentava a população das fazendas e era usado como força de tração na moagem da cana, além de transportar as caixas de açúcar aos locais de embarque no litoral.
A segunda fase inicia-se nas primeiras décadas do século XVII, com a necessidade de mais terras cultivadas para atender ao crescimento da produção açucareira. A criação de gado amplia-se rumo ao interior, além dos limites agrícolas. Isso ocorreu desde as primeiras décadas do século XVII até por volta de 1660. Nessa época diminui a produção canavieira, provocada pela concorrência do açúcar antilhano-holandês, e o gado começa a ser uma alternativa econômica para a crise.
A característica marcante dessa etapa é a separação, na mesma fazenda, entre as áreas de cultivo e as de pecuária. A terceira fase caracteriza-se por uma separação definitiva entre a pecuária e a agricultura. A atividade de criação de gado interiorizou-se pelo senão. Ampliam-se os rebanhos e as pastagens, marcando duas áreas bem distintas: enquanto o sertão era pastoril, o litoral era agrícola. Apareceram as feiras de gado localizadas entre as áreas pastoris e as áreas agrícolas.
Os sertanejos levavam sua produção às feiras que, com o tempo, foram se transformando em cidades. Esse período vai da segunda metade do século XVII até fins do século XVIII.
Enfrentando pastos escassos, curtos períodos de chuva, clima quente e seco, o gado penetrava o interior, ocupando as regiões dos futuros Estados brasileiros.
Duas correntes de penetração partiram dos principais centros de atividade açucareira: a baiana, formando os contornos dos cinco "sertões de dentro" uma área correspondente aos atuais Estados da Bahia, Ceará, Piauí e Maranhão. A corrente pernambucana acaba formando os "sertões de fora", a região que hoje corresponde aos limites dos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e parte do Ceara e Piauí. Essas correntes seguiam o curso dos rios, para provisão de água.
Em Alagoas, Ceará e, principalmente, no Rio Grande do Norte, desenvolveu-se o extrativismo do sal, criando uma outra opção econômica no século XVIII para os nordestinos, É desse período do século XVIII a criação da 'carne-do-ceará' isto é, da carneseca, ou carne-de-sol, charqueada no sal ou no sol.
O charqueamento da carne contribuiu para a penetração no interior da colônia pois possibilitava percorrer distâncias maiores. Os homens poderiam saciar a fome durante vários dias, porque as carnes charqueadas conservavam-se por longos períodos. Esse fato permitiu o surgimento de uma outra atividade comercial voltada para o mercado interno, no qual se integrava a economia da mineração.
A era do couro.
Estabelecer um curral de gado exigia o trabalho aproximado de oitenta vaqueiros. Era necessário amansar os bois para acostumá-los às pastagens. Depois disso, apenas dez peões chefiados por um vaqueiro davam conta do trabalho de ferrar os bezerros, tirar-lhes as bicheiras, realizar as queimadas dos campos na estação apropriada, matar onças, cobras, lagartos, morcegos, abrir bebedouros.
A necessidade de pequenos investimentos, pouca mão-de-obra, pequenos esforço na ocupação da terra por causa da vegetação típica pouco abundante explicam o grande desenvolvimento da pecuária no Brasil. Por essas razões, proprietários das fazendas açucareiras, falidos pela decadência do açúcar, tornaram-se fazendeiros de gado.
A atividade pastoril nordestina passou, de simples economia complementar à açucareira, a uma economia de exportação do couro de boi para a Europa. Era a época do couro, matériaprima com que o sertanejo nordestino do século XVIII confeccionava inúmeros utensílios: cama, roupas, cordas, cantis etc. Nesse período o Brasil chegou a ter 1300 0 cabeças de gado vacum (destinado ao corte, isto é à alimentação) com um abate anual de 5.0 cabeças. '
A pecuária sulista teve desenvolvimento semelhante à nordestina: poucos recursos financeiros e pequena necessidade de mão-de-obra. A diferença era a qualidade superior da vegetação sulina que permitia um gado de melhor qualidade e maior quantidade.
As fazendas sulinas de gado, chamadas estâncias, formaram-se com a domesticação dos bois dispersos e selvagens que haviam sido trazidos pelos portugueses e espanhóis.
Couro e sebo dos bois sulinos e nordestinos eram exportados para a Europa. Os pecuaristas do Sul vendiam também às Minas Gerais cavalos, muares (mulas) e gado bovino, para o transporte do ouro até o litoral fluminense (Rio de Janeiro) e para a alimentação.
As "drogas" do Amazonas
A integração da região Amazônica à colonização portuguesa no Brasil realizou-se durante a União Ibérica (anexação de Portugal à Espanha, de 1580 a 1640, período em que o Tratado de Tordesilhas era letra morta. Franceses), ingleses e holandeses subiam o rio Amazonas em direção às minas de ouro peruanas. Logo após a restauração portuguesa (separação de Portugal em relação à Espanha), os lusitanos organizaram expedições para dominar o Amazonas - instalando feitorias ao longo do rio.
Dois objetivos se completavam na penetração amazônica pelos portugueses: militar e econômico. Defendendo o rio Amazonas, tropas sulistas expulsaram franceses, holandeses e ingleses, ao mesmo tempo em que exploravam as drogas do sertão - cravo, canela, castanha-do-pará, fumo, salsaparrilha (tempero), essências de perfume, urucum (planta utilizada pelos indígenas para pintar o corpo e também para tempero) e guaraná -, vendidas a altos preços nos mercados europeus.
Com a ocupação da Amazônia, ultrapassava-se a "linha" norte de Tordesilhas os bandeirantes iriam anulá-la ao sul.
Bandeirantes: caça aos índios e busca do ouro Vicentinos: pobreza e produção de subsistência.
A capitania de São Vicente prosperou pouco desde sua fundação em 1532. Um ano mais tarde (1533) ali foi erguido o primeiro engenho de açúcar do Brasil (o Engenho do Bom Governador). A própria Coroa portuguesa financiou a instalação da produção açucareira na região. O objetivo do Estado português era a descoberta de caminhos que levassem às minas espanholas da Bolívia e do Peru pelos afluentes do rio da Prata. No entanto, o ouro não foi encontrado e a produção açucareira não progrediu dada a concorrência com a produção açucareira de Pernambuco e Bahia. Três motivos fundamentais impediram o Progresso de São Vicente. Primeiro, a longa distância da capitania vicentina até os mercados europeus. Em segundo lugar, a terra era imprópria para a agricultura. Além disso, São Vicente era alvo constante da pirataria marítima.
A pobreza vicentina forçou seus habitantes a novos empreendimentos. Assim, surgiram as bandeiras, isto é, grupos de homens organizados em expedições militares particulares, com objetivos de penetração pelos sertões à procura de metais preciosos, índios e negros foragidos dos engenhos. Os seguidores das bandeiras chamavam-se bandeirantes.
A busca de novas alternativas
Desde a segunda metade do século XVI, iniciou-se o ciclo do ouro de lavagem. Descobriuse ouro na própria capitania de São Vicente e depois em Iguape. Os bandeirantes seguiram pelo litoral, encontrando ouro no Paraná e Santa Catarina. Nessa busca ao metal, as bandeiras colonizaram a região paranaense, fundando as vilas de Paranaquá, Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis) e Laguna, na região catarinense, no século XVII. A exploração aurífera exigia uma regulamentação, e o governo lusitano decretou o Código Mineiro, no início do século XVIII. Por esse código ficou estabelecido que a quinta parte do ouro extraído era da Coroa portuguesa e, ainda, exigiu que o metal fosse fundido em barras em casas especiais, autorizadas pelo governo em Lisboa, para evitar o contrabando.
Elemento essencial à penetração dos bandeirantes pelo interior da colônia, o índio servia como guia na mata, em busca de pedras e metais preciosos. Além disso, senhores de engenho contratavam os bandeirantes para trazer-lhes braços indígenas usados no trabalho agrícola. A busca dos nativos era feita principalmente nas missões jesuíticas. isto é, em regiões controladas pelos padres que realizavam a catequese ensino da doutrina cristã -, pois lá os índios já estavam "docilmente domésticos" para a exploração escravocrata.
No segundo ciclo dos bandeirantes, de 1617 a 1641 (século XVII), o monopólio do comércio de escravos para o Brasil era feito pela Holanda, que se apossara de territórios coloniais portugueses na África e vendia os negros a altos preços. A essa questão financeira, associaram-se as invasões holandesas no Brasil, de 1624 e 1630, e desorganizou-se o tráfico negreiro. Daí a opção pela escravidão do indígena, que passou a ser uma mercadoria altamente valorizada.
Os conflitos entre os missionários indígenas e bandeirantes foram violentos. Outra prática dos vicentinos era estimular a guerra entre tribos indígenas inimigas. Os perdedores nos conflitos eram escravizados.
Com a restauração do trono português e a reconquista de domínios portugueses na África que estavam em mãos holandesas, reinicia-se o abastecimento da mão-de-obra negra nas lavouras brasileiras. Além disso, a crise da produção açucareira portuguesa, em decorrência da produção açucareira das Antilhas flamengas, levou à queda do preço do escravo índio. Todos esses fatores, aliados à escassez do ouro de lavagem, levaram os bandeirantes á se desinteressar pela caça ao índio, trocando-a pelo sertanismo de contrato, que ocorreu desde fins do século XVI até o século XVIII.
Nessa atividade, os bandeirantes eram contratados por senhores de engenho, proprietários, pecuaristas e governadores, para reprimirem as tribos indígenas resistentes à escravização e os negros foragidos das fazendas, os quais se organizavam em quilombos - aldeias negras de ex-escravos que se rebelavam contra a escravidão.
As tribos indígenas lutavam contra a expansão das plantações de açúcar e da pecuária em suas terras nativas. Em relação aos quilombos, os conflitos entre negros e brancos podem ser vistos como lutas da classe escravista pela libertação. Os conflitos foram violentos, o que provocou o extermínio de sociedades tribais indígenas e comunidades quilombolas.
Entradas: nenhum ouro nas explorações
Havia outra forma de penetração do interior brasileiro que "rompia" a linha de Tordesilhas, ou seja, desrespeitava o tratado de 1494, pelo qual as terras da América se dividiam entre os espanhóis e os portugueses.
Eram as entradas: expedições oficiais que, do século XVI ao XVIII, o governo português organizou. Com pequeno número de participantes, as entradas partiam da costa atlântica e penetravam na mata, com a finalidade de reconhecer o território e localizar pedras e metais preciosos.
As entradas serviram para ajudar o reconhecimento do sertão, especialmente na Amazônia; no entanto, todas elas fracassaram no seu principal objetivo: não encontraram ouro.
Foram expedições de bandeirantes, no final do século XVII, que localizaram as jazidas de ouro e prata na região das Minas Gerais. O bandeirante Antônio Rodrigues Arzão é mencionado no relatório do governador do Rio de Janeiro ao governo real lusitano (1695) como sendo o descobridor das minas auríferas na região de Ouro Preto e Mariana.
A febre do ouro Burocracia para o controle do ouro
As descobertas auríferas em Vila Rica (Ouro Preto), Ribeirão do Carmo (Mariana), Sabarabuçu (Sabará) provocaram profundas transformações na economia colonial.
Em primeiro lugar, o centro econômico da colônia deslocou-se do Nordeste para o Sudeste, isto é, para as Minas Gerais. A corrida ao ouro atraiu senhores dos engenhos nordestinos decadentes, homens e mulheres das cidades, vilas, sertões. Portugal também foi atingido pela febre brasileira do ouro.
Cerca de quatro mil pessoas chegavam anualmente às regiões auríferas, a partir de 1695. Falava-se na época que metade da população portuguesa viera ao Brasil atraída pelo metal amarelo. Talvez fosse exagero, mas em 1720, o governo português restringiu fortemente a emigração para a colônia lusitana na América. Para emigrar, era necessário passaporte fornecido pelo governo real.
A Intendência das Minas. o organismo administrativo criado pelo governo lusitano para controlar a produção aurífera, regulamentava a exploração da área, dividindo-a em datas. Essas datas eram propriedades de terras de até trinta braças. O descobridor do filão ficava com o direito de explorar as duas datas mais próximas do veio, ao rei cabia a data seguinte e ao guarda-mor (delegado militar nomeado pelo rei) pertencia a quarta data.
O restante das datas era soneado. Os participantes do soneio tinham de fazer um pedido ao superintendente (supervisor-executivo, também nomeado pelo rei) oferecendo seus lances no leilão aurífero. Os grandes proprietários de escravos obtinham maior número de datas. O Regulamento da Intendência impunha entre quarenta a cem dias para iniciar a exploração. Passado esse período sem que se iniciasse a produção, o explorador perdia o direito e a intendência fazia novos sorteios.
O ouro de aluvião é o tipo característico da região das minas. Aluviões são depósitos de areia e barro, encontrados nos rios e barrancos. As pepitas de ouro ficavam nos leitos dos rios, bastando apenas uma peneira para lavá-las e separá-las de outros minerais sem valor e do barro que as encobria.
Os depósitos de minérios preciosos eram extensos e, como ficavam a pequenas profundidades, sua extração não exigia grandes investimentos.
Para essa atividade, organizaram-se as faisqueiras, mineradores isolados ou grupos formados por um minerador e quatro ou cinco escravos. Algumas vezes, o minerador estabelecia uma quota de produção para o escravo, permitindo que o excedente ficasse com ele. Dessa maneira, alguns escravos conseguiram obter sua liberdade.
Para atingir as veias auríferas mais profundas, organizaram-se as lavras, isto é, empresas que utilizavam equipamentos e máquinas hidráulicas, chegando a desviar leitos dos rios para encontrar o ouro. Empregavam mão-de-obra escrava, alguns até cem indivíduos. Essa organização teve seu período áureo enquanto a produção era abundante. Com a decadência, aumentou o número de faiscadores, pois as lavras exigiam elevado capital e alta produção.
Todas essas unidades eram muito especializadas (as pessoas envolvidas com a mineração dedicavam-se exclusivamente à procura do metal precioso), exigindo a presença de outros setores que se dedicassem à produção de bens e serviços. Desenvolveu-se, assim, em pleno século XVIII, um incipiente mercado interno em torno das Minas Gerais.
O Brasil produz para as minas
Áreas tradicionalmente produtoras para o mercado externo, como Bahia e Pernambuco, passaram a fornecer mercadorias às regiões mineradoras. Até as capitanias de São Vicente e
São Paulo, que produziam para a subsistência, aumentaram as áreas de cultivo nos caminhos dos viajantes às Minas.
Os altos preços que os mineradores pagavam por qualquer mercadoria desequilibravam o mercado na colônia, provocando escassez de produtos. Escravos, carne charqueada, sal, açúcar, galinhas, porcos, vinho custavam dez, doze e até vinte vezes mais caro do que em qualquer outra região brasileira.
Duas rotas davam acesso às Minas Gerais, no final do século XVII: o caminho geral do sertão e o do rio São Francisco. O primeiro era mais curto, mas atravessava regiões montanhosas, que, em determinados trechos, só eram transitáveis a pé ou com o recurso de cavalos e mulas muito fortes. O segundo era mais longo, porém vantajoso, porque o terreno era menos acidentado, além da água e alimentos facilmente encontráveis nas fazendas de gado espalhadas ao longo das margens do rio São Francisco.
Por esses caminhos formaram-se cidades, vilas, locais para pouso e ranchos. Eram as chamadas '1eidades viajantes ', isto é, locais que ofereciam uma série de serviços aos viajantes rumo às minas. Pouso Alegre, Passo Fundo, Moji-Mirim, Moji-Guaçu, foram cidades fundadas a partir de prestações de serviços às Gerais.
A circulação por estas cidades criou a figura dos tropeiros, isto é, homens que conduziam mulas, jumentos, bois, cavalos, por trilhas e encostas difíceis da Serra da Mantiqueira e da Serra do Mar.
As regiões do ouro eram distantes do litoral. No início, os mineradores utilizaram os escravos para o transporte. No entanto, era antieconômico tirar o negro da produção. Os cavalos logo se mostraram inadequados para os caminhos acidentados das Gerais e foram substituídos pelos muares, criados no Rio Grande do Sul. O progresso parecia inevitável no interior do Brasil, graças às regiões auríferas. Palacetes e igrejas foram construídos e surgiu uma intensa vida comercial, integrando as várias regiões do Brasil. De 1741 a 1761, a produção aurífera do Brasil atingiu seu ponto mais alto.
A partir de 1761, a produção começou a diminuir, As causas da queda estão no esgotamento das jazidas e na inadequação tecnológica utilizada nas lavras.
O ouro da colônia equilibrou temporariamente a balança comercial de Portugal. Mas não tirou os lusitanos da dependência inglesa. O Tratado de Methuen, assinado em 1703 pela Inglaterra e Portugal, foi totalmente desvantajoso aos portugueses. Por esse tratado, a Inglaterra fornecia tecidos britânicos ao mercado metropolitano e colonial, e, em troca, Portugal vendia vinhos que os próprios ingleses fabricavam em Portugal para mercados ingleses.
Fazia parte ainda do tratado que o transporte de panos ingleses e vinhos "portugueses" fosse realizado por navios ingleses, até mesmo para os portos coloniais.
Dessa forma, a partir de 1730, a balança comercial portuguesa favoreceu os produtos ingleses. A principal conseqüência do Tratado de Methuem (diplomata inglês que negociou este acordo) foi o desinteresse de Portugal em criar uma indústria têxtil nacional, pois não havia condições de competir com os preços dos tecidos ingleses. Além disso, os britânicos condicionavam a concessão de empréstimos aos lusitanos à proibição de que estes montassem manufaturas de tecidos em Portugal ou nas colônias, principalmente a brasileira.
Por outro lado, o minerador era obrigado pelo Pacto Colonial (a colônia só podia comprar da metrópole) a adquirir as mercadorias da burguesia metropolitana portuguesa. Esta, como foi dito, era forçada a comprar dos ingleses os artigos posteriormente revendidos aos colonos brasileiros.
No entanto, os ingleses conseguiam burlar o pacto, subornando funcionários portugueses e vendendo diretamente seus produtos para a colônia.
Dessa forma, ou seja, comprando manufaturas inglesas, o ouro brasileiro teve importante papel no processo de acumulação de capital, necessário para que a Inglaterra realizasse a passagem do capitalismo comercial para o industrial.
Açúcar, gado e ouro: um só plano.
O açúcar constituiu desde o início da colonização uma atividade econômica de alta rentabilidade. A partir da segunda metade do século XVI (1550), a produção se expandiu rapidamente pelo litoral nordestino, em particular Bahia e Pernambuco.
O crescimento da produção açucareira exigia aumento de áreas cultiváveis e o emprego do gado para transportar os estoques de cana, à medida que as plantações se dirigiam para o interior. A criação de gado mostrava-se viável como outra forma de renda aos proprietários de terras. Com a queda dos preços do açúcar, principalmente devido à concorrência do açúcar antilhano, a atividade criatória permitiu por algum tempo a sustentação econômica de alguns senhores de engenho arruinados. Mas a tendência era a diminuição da produção pecuária, acompanhando a crise açucareira nas últimas quatro décadas do século XVII. Com o surto minerador refloresceu a atividade pecuária do Nordeste colonial, com suas exigências de gado para a alimentação e transporte.
Também a economia criatória do Sul cresceu com os altos preços decorrentes das necessidades das Minas. Cavalos, jumentos e, principalmente, muares (por sua elevada resistência às más condições dos territórios das Minas) tornaram a pecuária sulista uma opção rentável diante das escassas possibilidades econômicas do incipiente mercado interno.
A mineração, assim, desenvolveu várias regiões diferentes da colônia, possibilitando o aparecimento de um mercado interno em torno do crescimento e expansão da produção aurífera.
O açúcar nordestino e os metais das Gerais voltavam sua produção para o mercado externo, de acordo com o Pacto Colonial (a exclusividade econômica e comercial com a metrópole). Por outro lado, a produção pecuarista e as atividades de produção de alimentos para as cidades, vilas e povoamentos dinamizaram-se diante das necessidades da economia mineradora.
Sintetizando esses estudos sobre as condições econômicas do Brasil-colônia, podemos afirmar que nos primeiros dois séculos da colonização do Brasil, na falta de metais preciosos, Portugal criou outra opção econômica com grande êxito lucrativo: o açúcar.
Essa outra opção, no entanto, só ofereceu lucros até a segunda metade do século XVII. 'O que poderia Portugal esperar da extensa colônia sul-americana, que se empobrecia a cada dia' (com a competição do açúcar holandês), “crescendo ao mesmo tempo seus gastos de manutenção? Era mais ou menos evidente que da agricultura tropical não se podia esperar outro milagre similar ao do açúcar. Em Portugal compreendeu-se claramente que a única saída estava na descoberta de metais preciosos." (Celso Furtado, A Formação Econômica do Brasil).
buscando ouro para no final ficar tudo para a Inglaterra e suas indústrias... Colonizar teve
Os conhecimentos dos vicentinos sobre o interior do Brasil foram fundamentais para o descobrimento aurífero. Os dois interesses se conjugaram como uma luva, isto é, Portugal necessitava urgentemente de uma atividade econômica imediatamente lucrativa e os bandeirantes vicentinos precisavam curar sua pobreza: caçando índios, matando negros e um significado claro: produzir uma economia complementar às necessidades financeiras e comerciais do desenvolvimento mercantilista europeu. A colônia brasileira introduziu-se na economia mundial trazendo para a burguesia mercantil portuguesa, e principalmente a holandesa, os lucros do tráfico negreiro e do açúcar.
É importante lembrar que outros gêneros tropicais além do açúcar fizeram parte da economia colonial, como o cacau, algodão, fumo, caça à baleia.
O cacau era coletado como "droga" do sertão. A partir da administração do Marquês de Pombal (1750-1777), foi plantado originalmente na Bahia. e servia para a produção de licores, manteiga e chocolate.
As extensas plantações de algodão desenvolveram-se a partir da segunda metade do século XVIII, no Maranhão e Pará. Exportado para a Inglaterra, exatamente no período do processo industrializante inglês, o algodão era matéria-prima para as indústrias têxteis britânicas: Outras áreas coloniais (Ceará, Rio de Janeiro, São Vicente, Goiás) chegaram também a produzir algodoeiros, porém a maior produção era maranhense.
O fumo também era matéria-prima exportável, chegando a ocupar o segundo lugar na atividade produtiva colonial (depois do açúcar). As grandes plantações de fumo ocorreram na Bahia e em Alagoas.
Como a produção do tabaco desgastava rapidamente o solo, seu plantio realizava-se em lugares próximos aos currais de gado, pois o estrume fornecia a adubação necessária à fertilização da terra.
A caça à baleia tornou-se uma atividade produtiva nos séculos XVII e XVIII.
Desse animal marinho extraía-se a carne para o alimento, o óleo para iluminação, matériaprima para objetos artesanais e argamassa (misturada com cal) para construção. A Coroa monopolizou a caça à baleia até o início do século XIX, quando a diminuição desse animal em águas territoriais brasileiras desinteressou a metrópole, que aboliu o controle estatal.
Embora os gêneros tropicais complementares fossem lucrativos, não ofereceram sustentação comercial capaz de se tornarem os substitutivos agrícolas do açúcar, na pauta de exportação da colônia brasileira.
Deve-se perceber que a produção aurífera constituiu um plano excepcional na estratégia de colonização, mas, paralelamente a essa atividade comercial, foram-se criando opções econômicas, nas quais se engendravam atividades produtivas vinculadas ao processo europeu de acumulação capitalista.
Assim, o grosso das riquezas aqui produzidas não acabou servindo ao desenvolvimento do Brasil. Sequer Portugal foi grande beneficiário dessas riquezas. Elas acabaram mesmo impulsionando o enriquecimento das nações européias de grande organização comercial, como a Holanda e, principalmente, a Inglaterra.
O caso da Europa
A estrutura política da Europa, do século XV até fins do século XVIII, baseou-se, de maneira geral, numa organização em que o rei tinha plenos poderes para governar. Um reino continha vários interesses, desejos e aspirações de vida de seus diferentes habitantes. No entanto, esses diversos interesses passaram a ser representados por uma única pessoa: o rei. Para legitimar o poder absoluto, foi necessário apelar para a crença na origem divina desse poder: pela "graça de Deus", o rei recebia o direito de governar os outros homens de seu reino.
É importante lembrar que a crise econômica dos séculos XIV e XV ampliou o comércio, desenvolvendo a classe burguesa responsável pela atividade mercantil Isso gerou o crescimento urbano e a formação de um mercado nacional livre das barreiras impostas pela organização feudal. A burguesia, ainda sem condição de caminhar sozinha, aliou-se ao rei para alcançar seus objetivos: criação de moeda única, unificação do comércio interno e ampliação da atividade mercantil externa O rei, por sua vez, apoiou-se na burguesia para enfraquecer o poder da nobreza feudal.
Com o dinheiro da burguesia o rei pôde montar exércitos profissionais bem-armados para enfrentar os senhores feudais que porventura resistissem ao poder central,
Assim surgiu a monarquia absolutista. A centralização do poder permitiu a ampliação dos domínios do rei, consolidando o Estado Nacional, que compreendia uma superfície de território sob sua direção, com autoridade de direito e de fato, com exércitos permanentes, numerosos funcionários reais (burocratas) com impostos e moedas reais para custear as despesas do Estado. Nessa organização social (que os historiadores chamaram de Antigo Regime), coexistiam relações feudais (trabalho servil) e novas relações pré-capitalistas (trabalho assalariado).
Brasil: das capitanias ao Governo Geral
O absolutismo consolidou-se em Portugal já no século XVI. O Estado lusitano controlava as atividades econômicas do reino e nada fugia à vigilância do monarca: O rei era um delegado de Deus "para fazer valer a vontade divina e exprimir o desejo do Pai Todopoderoso a seus filhos". No entanto, o monarca português não tomava decisões sozinho. Havia o Conselho Real, composto por homens nomeados por ele e que o auxiliavam nas orientações políticas a serem adotadas.
A colônia brasileira também estava sujeita ao poder central do rei: dessa forma; as terras eram dele por direito e os habitantes, seus súditos. Para ocupar e colonizar a terra brasileira, o rei adotou o sistema de capitanias hereditárias, isto é, dividiu a colônia em lotes de terras que foram doados a fidalgos. Estes tinham o compromisso de realizar o investimento inicial, para povoar as terras (o que foi feito através da concessão de sesmarias a colonos) e produzir riquezas para o reino. O sistema de capitanias cumpriu, de forma geral, seu objetivo de estabelecer o domínio lusitano nas terras da América, ainda que a presença portuguesa ocorresse de forma dispersa pelo território e apenas a capitania de Pernambuco chegasse a dar os lucros desejados pela Coroa, graças às primeiras plantações de cana-deaçúcar.
A criação do Governo Geral em 1549 teve por objetivo fortalecer o combate às ameaças estrangeiras e, principalmente, centralizar a administração da colônia, para que ela se adequasse a sua verdadeira finalidade de fornecedora de matérias-primas. Para isso, o Governo Geral deveria dinamizar o processo de colonização, coordenar a defesa do litoral brasileiro e estimular a produção agrária de gêneros tropicais e a busca de metais preciosos.
O primeiro governador geral. Tomé de Sousa (1549-1553), fixou a primeira capital da colônia em Salvador (BA), por localizar-se, aproximadamente, a igual distância dos limites sul e norte, das terras portuguesas demarcadas pelo Tratado de Tordesilhas. Mil colonos vieram com o governador, que introduziu a pecuária e o cultivo da cana em regiões próximas de Salvador, procurou povoar a terra, garantiu a defesa contra ataques europeus, construiu edifícios públicos e criou o município de Salvador, no qual montou sua primeira Câmara de Vereadores de "homens bons" (proprietários de terras). Tomé de Sousa percorreu todo o litoral brasileiro, exceto a capitania de Pernambuco, cujo donatário - Duarte Coelho - não queria a intromissão do governador em seus negócios açucareiros.
O conflito entre Tomé de Sousa e Duarte Coelho levou ao afastamento do primeiro governador da colônia, pois o donatário de Pernambuco usou toda a sua influência na corte, inclusive os jesuítas, para impedir o controle da Coroa em sua capitania. O rei português aceitou as pressões de Duarte Coelho porque Pernambuco era a única capitania a cumprir seus objetivos mercantilistas, com a produção bem-sucedida de açúcar.
O governo de Duarte da Costa (1553-1558) assinalou-se pela deficiência administrativa. Ao permitir e incentivar a escravização de indígenas, descontentou os jesuítas, que se julgavam responsáveis pela "salvação da alma dos selvagens indígenas", nas palavras do primeiro bispo da colônia, dom Pero Fernandes Sardinha, que ironicamente acabaria sendo morto pelos índios caetés, em 1556. Essa escravização também não agradava à burguesia mercantilista lusitana, que auferia grandes lucros com o tráfico negreiro da África para o Brasil.
Foi ainda durante o governo de Duarte da Costa que os franceses tentaram estabelecer uma colônia na América do Sul. Em 1555, aportava, numa ilha do litoral do Rio de Janeiro, Nicolas Durand de Villegaignon com seus companheiros para fundar a França Antártica. Os objetivos dos franceses eram lançar as bases para iniciar a exploração mercantil, abrir caminho para a implantação da soberania francesa no Brasil e abrigar os protestantes calvinistas que estavam sofrendo duras perseguições na França.
O governador geral pediu ajuda à Metrópole para expulsar os franceses e, não recebendo apoio, desistiu de tomar qualquer providência. Os constantes conflitos com os jesuítas e a invasão francesa no litoral fluminense levaram ao afastamento de Duarte.
A resistência dos índios - Confederação dos Tamoios
Mem de Sá, terceiro governador geral (1558-1572), consolidou a administração da Coroa portuguesa na colônia, controlando as resistências à sua autonomia por parte de alguns donatários e solucionando o problema da mão-de-obra escrava para a agricultura através da importação regular de negros africanos para o Brasil. Mem de Sá conseguiu, ainda, expulsar os franceses do Rio de Janeiro, em 1567. No entanto, a ameaça principal à colonização do Brasil não era francesa, mas indígena. A primeira resistência ao modelo de povoamento e ocupação da terra foi a organização, entre 1554 e 1555, da Confederação dos Tamoios.
Várias tribos indígenas reuniram-se contra a dominação portuguesa, estabelecendo alianças eventuais com os franceses. Após a expulsão destes, a luta dos tamoios continuou na região de Cabo Frio. Com a morte de Mem de Sá (1572), a Coroa portuguesa dividiu o Brasil em duas regiões. entregando o governo da parte sul, com sede no Rio de Janeiro, a Antônio de Salema, cuja tarefa prioritária era acabar com a resistência indígena. Com soldados portugueses e aliados indígenas, Salema cercou os tamoios em Cabo Frio, submetendo-os à fome e à sede para que se rendessem.
Diante do cerco, os tamoios decidiram negociar. O governador não aceitou a negociação, impondo uma rendição completa à confederação e aos indígenas das regiões próximas a Cabo Frio que tinham ajudado os rebeldes na luta. 'Eram mais de quinhentos'. Os quais foram chacinados. quando não escravizados. Igual sorte teriam. aliás. os próprios habitantes. Em face de tamanhas atrocidades, precipitaram-se pelo sertão os habitantes indígenas de toda aquela redondeza, mas nem assim escaparam à fúria dos assaltantes. Consta que dois mil desses fugitivos foram mortos e quatro mil reduzidos ao cativeiro.
União Ibérica: arrocho colonial
Durante a anexação de Portugal à Espanha (1580-1640), os reis espanhóis passaram a designar os governadores no Brasil. A mudança mais importante na administração da colônia nesse período ocorreu nas funções do provedor-mor da fazenda do Brasil (espécie de ministro das Finanças). Ele passou a ter amplos poderes para impedir abusos fiscais, punir funcionários e controlar rigidamente a arrecadação de impostos. Durante os sessenta anos de dominação espanhola em Portugal, os governadores nomeados preocuparam-se com a corrupção administrativa e fiscal, com a defesa do território, sujeito a constantes ataques de ingleses e franceses, com a colonização do Norte, em direção à Amazônia, e do Sul, em direção ao rio da Prata.
Em 1642, após a restauração da soberania portuguesa (1640), com a ascensão de dom João IV ao trono português, criou-se o Conselho Ultramarino, que se tornou o organismo de controle da colonização brasileira. Os homens nomeados para o conselho eram da estrita confiança do rei e tinham por missão auxiliar a Coroa na política de colonização. Com a perda dos territórios na Ásia e África (pelos acordos com Inglaterra e Holanda), o Brasil passou a ser a principal colônia lusitana, a "tábua de salvação" da situação econômica crítica de Portugal. Em 1661, o Conselho Ultramarino decidiu que somente embarcações portuguesas estariam autorizadas a entrar e sair das colônias lusitanas. Essa decisão manteve-se em vigor até 1684. Dessa forma, a Coroa portuguesa controlava rigorosamente as relações mercantis externas da colônia brasileira, não só com a finalidade de evitar o contrabando, mas também de assegurar para si a exclusividade comercial das mercadorias brasileiras. Por outro lado, um novo modo de exploração econômica da colônia, através das companhias privilegiadas de comércio, permitiu a Portugal aumentar a sua arrecadação financeira no Brasil.
Movimentos de contestação: Irmãos Beckman contra o monopólio comercial
Em 1682 foi criada a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão para resolver o problema da falta de mão-de-obra escrava na região. Pernambuco e Bahia pagavam preços mais elevados pelos negros africanos, ocasionando uma diminuição da produção agrária no Maranhão. Os colonos voltaram-se então para a escravização indígena. No entanto, a vigilância severa dos jesuítas impedia os fazendeiros de escravizarem os índios e, em conseqüência, eram freqüentes as lutas entre colonos e missionários.
A Companhia de Comércio obteve a concessão do monopólio do comércio na região do Maranhão, comprometendo-se a fornecer por vinte anos quinhentos escravos africanos por ano, a abastecer a região com os gêneros importados da Europa, a comprar a produção local para vender no mercado europeu e a incentivar, além da produção açucareira, o plantio de cravo, cacau e baunilha. No entanto, a atuação da Companhia acabou com os sonhos de riqueza dos latifundiários maranhenses, porque os produtos importados eram de má qualidade e tinham preços altos. Apenas parte da produção local era comprada, e ainda assim a preços baixos, e, além disso, a Companhia falsificava pesos e medidas e não cumpria com regularidade o fornecimento de escravos negros.
Por todas essas dificuldades, os fazendeiros maranhenses, sob a liderança dos Irmãos Beckman (Tomás e Manuel) senhores de engenho -, rebelaram-se contra os abusos da Companhia, em 1684. O movimento ficou conhecido como a Revolta de Beckman e seus objetivos compreendiam o fim do monopólio comercial e a liberdade de escravizar índios. Os revoltosos decidiram ainda, em assembléia realizada na Câmara Municipal, a exoneração do capitão-mor, a organização de um novo governo (com os proprietários locais), a tomada dos depósitos da Companhia e o cerco do Colégio Jesuíta (com a prisão dos religiosos).
Tomás Beckman seguiu para Lisboa com os jesuítas a bordo, para explicar os motivos da revolta às autoridades lusitanas. Mas Gomes Freire de Andrada, nomeado governador do Maranhão em 1685, prendeu e enforcou os lideres Manuel Beckman e Jorge Sampaio, e deportou outros revoltosos, liquidando com o movimento. Mas um dos objetivos dos maranhenses foi alcançado: a Companhia de Comércio do Maranhão foi extinta por ordem real. Os jesuítas, por sua vez, voltaram à região para continuar a catequese.
Revolta dos mascates: senhores x comerciantes
Outros movimentos políticos de contestação ao severo controle metropolitano sobre a colônia surgiram das contradições entre os interesses portugueses e os de vários setores da sociedade brasileira: senhores de engenho, mineradores de lavras, bandeirantes, comerciantes.
À medida que a mineração de ouro crescia, a economia colonial se desequilibrava. Os altos preços pagos pelas mercadorias nas Minas Gerais provocaram uma alta geral no resto da colônia. Além disso, o deslocamento de artesãos, técnicos e comerciantes para as regiões do ouro em busca de melhores empregos e condições de vida levou a um aumento rápido da população nas Minas e gerou escassez de mercadorias e serviços em outras regiões coloniais.
A situação chegou a nível insuportável logo na primeira década do século XVIII. O governador do Rio queixou-se às autoridades metropolitanas de que a cidade estava sem o suprimento necessário de carne e farinha. pois as pessoas que costumavam supri-la de tais artigos tinham ido para Minas Gerais. (A Idade do Ouro no Brasil). Por sua vez, Bahia e Pernambuco passaram por uma crise de mão-de-obra, pois "exportadores de escravos de Angola preferiam embarcar seus escravos para o Rio de Janeiro, onde podiam ' alcançar preços mais altos, a fim de serem reexportados para as Minas".
O problema para os senhores de engenho do Nordeste era duplo. De um lado, o Rio de Janeiro tornava-se área de produção açucareira, abastecendo o mercado mineiro. Com isso, o Nordeste, além de sofrer a concorrência externa do açúcar das Antilhas Holandesas, sofria agora uma concorrência interna. De outro, a elevação do preço do escravo encarecia o açúcar nordestino. A conseqüência imediata foi o endividamento dos senhores de engenho com os comerciantes, que, além de manipular os preços das mercadorias, emprestavam dinheiro para a produção.
Devido ao monopólio mercantil lusitano na colônia, os comerciantes eram, em sua grande maioria, portugueses. Os conflitos entre senhores de engenho e mascates, como eram chamados depreciativamente os comerciantes, acabaram se configurando na rivalidade entre Olinda e Recife. A primeira, vila e sede da capitania e da Câmara Municipal, estava sob o controle dos senhores de engenho, que impunham o pagamento de altas taxas aos habitantes de Recife, lugar controlado pelos comerciantes e que, embora economicamente forte, não tinha recebido o direito de tornar-se vila.
Entretanto, um decreto da Coroa, em 1709, elevou Recife à condição de vila autônoma, cabendo às autoridades locais (governador e ouvidor da capitania) estabelecer os limites das fronteiras entre as duas municipalidades. No período da demarcação entre as vilas, os senhores de engenho tomaram Recife, prenderam o governador e os comerciantes mais ricos e elegeram o bispo Manuel Álvares para governador, com o compromisso de aceitar as suas reivindicações.
As lideranças latifundiárias, através de um documento, exigiram a anulação do decreto real que tornara Recife independente da administração olindense, o tabelamento do preço dos escravos africanos, a não-hipoteca das terras dos proprietários aos mascates por causa das dívidas e a permissão para o comércio direto com embarcações inglesas e holandesas.
Olindenses e recifenses travaram vários combates e os conflitos diminuíram com a nomeação de Félix Mendonça para governar a capitania. As principais lideranças foram punidas, inclusive Bernardo Vieira de Melo e seus filhos, líderes dos senhores de engenho de Olinda. Recife foi confirmada como vila, mas o governador assumiu o compromisso de alternar sua residência de seis em seis meses em cada uma das vilas.
Emboabas e paulistas: guerras de morte
Outro episódio envolvendo comerciantes e relacionado com o monopólio real foi a Guerra dos Emboabas ou Revolta dos Emboabas.
A corrida do ouro trouxera "enxame de aventureiros e desempregados de todos recantos da colônia" e também de Portugal: a cada ano vem nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas das cidades, vilas, recôncavos, e sertões do Brasil vão brancos, pardos, pretos e muitos índios de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoa: homens, mulheres, moças e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares, clérigos e religiosos de diversos instintos, muitos dos quais não tem no Brasil convento nem casa'.
Os vicentinos (paulistas) se opunham aos estrangeiros na corrida às Gerais. Achavam-se com maiores direitos sobre as ricas jazidas de minérios por dois motivos: primeiro, porque tinham sido eles os descobridores do ouro; segundo, porque naquela época - início do século XVIII -, a região das minas pertencia à capitania de São Vicente. Em 1700, chegaram a fazer petição ao rei, através do governador geral, exigindo que as terras da região das Minas Gerais fossem exclusivamente deles.
O modo de vida dos vicentinos era outro fator de ressentimento em relação a baianos, Pernambucanos e estrangeiros. Suas casas eram pobres, a alimentação modesta, as roupas simples e andavam descalços, aparentando ser incivilizados perante os recém-chegados, que vinham de regiões de produção voltada para o mercado externo e desfrutavam de condições econômicas mais semelhantes às dos portugueses.
É importante lembrar que, por emboabas, os paulistas compreendiam portugueses e todos os outros habitantes da colônia que não eram da capitania de São Vicente.
Os incidentes iniciaram-se em 1707, quando dois chefes dos grupos mais provocadores dos paulistas foram linchados por emboabas. Seguiram-se violências nos caminhos das minas. No final de 1708, os emboabas tinham o controle completo de duas das três áreas principais de mineração; e os paulistas estavam confinados na região do Rio das Mortes. Os emboabas aclamaram então o português Manuel Nunes Viana "governador" da região das Gerais, o qual encarregou Bento do Amaral Coutinho de expulsar os paulistas de onde se haviam aquartelado. Derrotados, os vicentinos recuaram até a vila de Parati (na fronteira do Rio de Janeiro com São Paulo).
A Coroa portuguesa, preocupada com o fato de que esses conflitos diminuíam a produção mineira, criou a Capitania Real de São Paulo e Minas de Ouro, distribuiu perdão geral e conseguiu a pacificação. Portugal também atendeu às reivindicações dos mineradores, com a elevação à condição de vila das localidades de Ribeirão do Carmo, Sabará e Vila Rica (Ouro Preto).
A guerra dos Emboabas durou aproximadamente um ano. Segundo depoimentos de pessoas da época, emboabas e paulistas arruinaram-se uns aos outros e foi "pelas graças de Deus" que se resolveu o conflito. Na verdade, foi mais "pelas graças do dinheiro" e pelas armas mais numerosas e melhores dos emboabas, que assim impuseram sua força política e econômica.
Revolta de Vila Rica: forca e esquartejamento
Apaziguados temporariamente os conflitos mais violentos nas Gerais, foi a própria Coroa portuguesa que passou a dar motivos para movimentos de rebeldia. A partir de 1710, Portugal aumentou os impostos, criando uma rede de novas tributações, taxas e dízimos, não só para as regiões auríferas, como também para toda a colônia.
Por um lado, a carga tributária sobre a população resultava em maior controle da produção colonial; por outro, estimulava a corrupção e o contrabando. Mineradores treinavam escravos, desde meninos, para engolirem pepitas de ouro (o exercício era feito com feijão e milho). Outra tática comum de contrabando foi o uso dos "santinhos do pau oco": dentro das imagens de santos católicos carregava-se ouro, prata e diamantes.
Cabia às Câmaras Municipais a cobrança do quinto, isto é, dos vinte por cento do ouro descoberto que deveriam ser encaminhados ao rei. No entanto, a vinculação dos mineradores às Câmaras provocava dúvidas sobre a quantidade de ouro enviada a Portugal. Para controlar melhor o pagamento dos impostos e evitar o contrabando, a Coroa passou a designar funcionários para fiscalizar a atividade das Câmaras.
Apesar dessas ações fiscais, o contrabando se acentuava. Por isso, a partir de 1719, a Intendência das Minas montou casas de fundição, local onde o Ouro deveria ser fundido. Lá se separava o quinto da Coroa e o ouro restante era reduzido a barras marcadas com o selo real.
Em 1720, um levante comandado por Filipe dos Santos e Pascoal Guimarães tomou Vila Rica e apresentou as seguintes reivindicações: fechamento das casas de fundição, extinção do monopólio da Coroa sobre o sal e perdão incondicional aos revoltosos. O conde de Assumar, governador da Capitania de São Paulo e de Minas de Ouro, pediu tempo, sob o pretexto de estudar as propostas, mas com o objetivo de reunir forças militares contra os rebeldes. Após vinte dias, o governador ordenou uma repressão violenta, com a queima das casas dos líderes. Filipe dos Santos conseguiu fugir, mas logo foi aprisionado. O conde de Assumar resolveu fazer de Filipe dos Santos um exemplo para a população: assumindo poderes que legalmente não detinha, conduziu-o a um julgamento que o condenou à forca e ao esquartejamento.
O assassinato de Filipe dos Santos evidenciou as contradições entre os interesses da colônia e os da metrópole. As classes abastadas da colônia desejavam diminuir a severa vigilância da Coroa para obterem mais autonomia nas suas atividades produtivas e aumentarem os lucros de seus negócios. Enquanto isso, a metrópole queria retirar o máximo lucro possível da colônia para resolver a precária situação econômica portuguesa. Em 1720, as Minas Gerais passavam a capitania e seu primeiro governador, dom Lourenço de Almeida, chegava com a incumbência de aumentar a arrecadação do quinto sobre a produção aurífera.
Os tratados de fronteiras
Ao mesmo tempo que Portugal consolidava sua rígida exploração da colônia brasileira, buscava também fixar as fronteiras de seu território na América. A linha de Tordesilhas já havia sido ultrapassada há muito tempo, tanto ao norte, com a ocupação do Maranhão, como ao sul, com os bandeirantes. Parte dessa ocupação ocorreu durante o período de dominação espanhola, quando não havia limites entre as duas colônias. Após a Restauração, os espanhóis entraram em conflito com os portugueses, em particular na região sul, por onde escoavam os metais preciosos vindos de Potosi. Em 1680, os portugueses fundam, às margens do rio da Prata, em frente a Buenos Aires, a colônia do Santíssimo Sacramento, ameaçando diretamente os interesses espanhóis. Esses revidam com o ataque e ocupação da Colônia do Sacramento, além da fundação, pelos jesuítas, dos Sete Povos das Missões, em 1687.
Em 1715, Portugal e Espanha assinam o Tratado de Utrecht, pelo qual os espanhóis devolviam aos portugueses a Colônia do Sacramento. Pelo acordo, definiu-se que Sacramento teria como limite, em relação ao território espanhol, a distância alcançada por uma bala de canhão. Portanto, a Colônia do Sacramento seria uma "ilha" portuguesa, com espanhóis de todos os lados.
Em 1750, portugueses e espanhóis discutiam novamente as fronteiras entre as duas colônias, assinando o Tratado de Madri. Nessas negociações se aceitou pela primeira vez o princípio do usucapião (nti possidetis), isto é, o princípio de que a terra pertence a quem de fato a ocupa. Esse princípio foi defendido pelo brasileiro Alexandre de Gusmão e garantiu a Portugal todo o território até então efetivamente ocupado, o que representou a demarcação de fronteiras muito semelhantes ao Brasil de hoje. Com relação ao sul, entretanto, as negociações não seguiram essa linha: a Colônia do Sacramento voltava para os espanhóis e os Sete Povos das Missões para os portugueses. Os índios e padres jesuítas deveriam se retirar da redução e seguir para além das fronteiras portuguesas.
Como sempre, assinar um tratado no papel foi mais fácil do que colocar em prática o cumprimento do acordo. De um lado, os jesuítas espanhóis se recusaram a mudar suas missões para o outro lado do rio Uruguai, entregando o território aos portugueses. Por outro, os comerciantes lusitanos e espanhóis, estabelecidos em Sacramento com operações lucrativas de contrabando, se indispuseram com as autoridades portuguesas e espanholas. Esses comerciantes incentivaram os índios guaranis a se rebelarem contra as demarcações em suas terras. Os jesuítas ficaram divididos entre "a cruz e a espada". Alguns se submeteram às ordens dos reis, outros ficaram com os guaranis e ajudaram a organizar a resistência armada contra as coroas ibéricas. Esses conflitos na região dos Sete Povos das Missões, que compunham a república dos índios guaranis, denominaram-se guerras guaraníticas e terminaram com a destruição das missões e o aniquilamento dos índios.
Mas as divergências entre espanhóis e portugueses não tinham terminado ainda. Em 1761, foi anulado o Tratado de Madrid. Um novo tratado teve que ser assinado em 1777, o de Santo Ildefonso, muito desvantajoso para os portugueses. Os espanhóis haviam ocupado todo o sul, chegando até a ilha de Santa Catarina. Por esse tratado Portugal recebia de volta as terras ocupadas, mas, em contrapartida, cedia para Espanha a Colônia do Sacramento e os Sete Povos das Missões. Como os limites firmados por esse tratado nunca foram demarcados, os gaúchos ocuparam novamente a região dos Sete Povos das Missões, o que levou ao último tratado sobre essa região, assinado em 1801, que definitivamente concedia a Portugal os Sete Povos das Missões.
As reformas de Pombal
O grande estadista português do século XVIII foi o marquês de Pombal, primeiro-ministro de 1750 a 1777. O objetivo de sua política era retirar Portugal do atraso econômico e da dependência da Inglaterra, através do desenvolvimento industrial e da intervenção do Estado na economia. Para isso, tratou de diminuir a influência dos nobres e dos jesuítas, que poderiam colocar resistências ao fomento industrial português, retirando o privilégio da isenção de impostos que diminuía a arrecadação do Estado.
Pombal desejava dinamizar a colônia, integrando-a ao mecanismo industrial português. Para isso, decretou a abolição das diferenças entre índios e portugueses, impedindo a escravização indígena. As missões jesuíticas deveriam se transformar em vilas, com um diretor leigo, até que os próprios indígenas fossem capazes de assumir a administração. Determinou ainda que os índios deveriam aprender a língua portuguesa e pagar o dízimo, como todos os cidadãos.
Ficava evidente que o primeiro-ministro lusitano queria transformar o indígena em trabalhador assalariado. Os jesuítas não aceitaram essas determinações e isso foi mais um motivo para que Pombal ordenasse a expulsão deles do Brasil e de Portugal. Assim, um dos inimigos mais fortes do projeto industrializante de Pombal foi eliminado. Tratava-se agora de reunificar o comércio colonial.
A reorganização das atividades mercantis na colônia tentou preservar o Brasil da influência comercial inglesa. Para isso, Pombal organizou duas companhias. A primeira, Companhia Geral do Comércio do estado do Grão-Pará e Maranhão (1755), teve exclusividade do comércio por vinte anos em troca da produção de algodão e arroz, com créditos facilitados nos transportes, fretes, compra de maquinaria e regularização de escravos negros para a região. A segunda, Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759), estimularia a plantação de cana, fumo e cacau, com capitais investidos diretamente na produção.
As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas as medidas de dinamização econômico-comercial executadas por Pombal, estenderam-se até a colônia, envolvendo os proprietários ricos nos organismos fiscais, militares e judiciais do governo local. Os administradores da colônia, segundo Pombal, deveriam colocar sua habilidade comercial a serviço dos negócios públicos.
As reformas pombalinas permitiram, a partir de 1770, o desenvolvimento da produção de artigos de luxo como sedas, chapéus, louças, tapeçarias, jóias, botões, fitas, tecidos, com matérias-primas brasileiras. Surgiu assim uma elite mercantil-manufatureira em Portugal. Por sua vez, houve o desenvolvimento de um mercado interno na colônia brasileira, que possibilitou a garantia do desenvolvimento manufatureiro. E, principalmente nas Minas Gerais, organizaram-se grupos que mesclavam interesses coloniais e metropolitanos.
Em 1777, com a morte de Dom José I, subiu ao trono lusitano dona Maria 1ª. Essa rainha representava os interesses daqueles que se sentiram prejudicados pela política pombalina: comerciantes que não tinham obtido privilégios, padres, nobres descomprometidos com o governo anterior e, principalmente, dos ingleses, cuja dominação econômica sobre Portugal havia sido ameaçada pela política pombalina. A queda de Pombal do posto de primeiroministro foi inevitável.
De um modo geral, pode-se dizer que a política portuguesa no Brasil obedeceu ao principio da centralização característico do regime absolutista. Embora houvesse várias instâncias de poder - capitães donatários, governadores gerais, Câmaras Municipais - tudo dependia, em última análise, do rei. Deve-se levar em conta, no entanto, que as decisões do monarca eram influenciadas por conselheiros palacianos da nobreza, do clero e da burguesia mercantil. A partir da criação do Conselho Ultramarino (1642), o número de conselheiros aumentou, permitindo mais interesses em jogo, o que dificultava as decisões da Coroa.
Por outro lado, nem sempre foi possível cumprir as ordens do rei na colônia. A grande distância da metrópole, as condições concretas de produção das mercadorias, as diferenças regionais entre o Nordeste agrário, que produzia para o mercado externo, e o Sudeste (São Vicente), que tentava sobreviver com enormes dificuldades, impediram o cumprimento das decisões portuguesas.
Nos séculos XVI e XVII, a administração metropolitana foi ineficiente para a produção açucareira, porque não fornecia escravos negros com regularidade e porque a anexação de Portugal à Espanha desorganizou o comércio do açúcar. No século XVIII, a administração portuguesa tornou-se caótica e confusa devido ao aumento da burocracia (intendentes, fiscais, cobradores, funcionários para vigiar funcionários), o que permitiu a corrupção e o contrabando e acabou provocando movimentos de rebeldia.
SENHORES DE ENGENHO E ESCRAVOS Sociedade européia
A sociedade do Estado Nacional Moderno europeu era caracterizada como estamental: as relações sociais baseavam-se em rígidas diferenças estabelecidas pelos privilégios de um estamento (= camada social) sobre outro. A mobilidade entre os estamentos era quase nula, de modo que era praticamente impossível a indivíduos de uma camada adquirirem os privilégios da outra e, assim, ascender socialmente. Era possível identificar três ordens ou estados na divisão social do Estado Moderno, excluindo o rei, que estava acima de todos. O primeiro estado era formado pelo clero, ou melhor, o alto clero, a alta hierarquia da Igreja Católica. O segundo compreendia a nobreza. E o terceiro era constituído pela burguesia dividida em: alta burguesia (grandes comerciantes), média burguesia (comerciantes, profissionais liberais - cientistas, médicos, professores...) e baixa burguesia (“pequenos” comerciantes, pequenos produtores, baixo clero, trabalhadores da cidade e trabalhadores do campo - compreendidos aqui os servos e camponeses livres).
Tanto o primeiro quanto o segundo estado eram os privilegiados: Possuíam grandes extensões de terras e muitos servos, não pagavam impostos e, autorizados pelo rei, tinham o direito de cobrar tributos dos camponeses do terceiro estado. O terceiro estado era formado por grupos sociais diferentes, desde banqueiros até servos.
Havia, no entanto, um ponto em comum entre os grupos do terceiro estado: sustentavam a nobreza, a Igreja e o rei através do seu trabalho e do pagamento de impostos.
Por outro lado, esse Estado Nacional absolutista precisava desenvolver o comércio para enriquecer-se. Isso gerava a fortuna da burguesia mercantil e financeira (banqueiros). Concentrando riquezas, a burguesia buscava o enobrecimento, ou seja, comprava títulos de nobreza, para usufruir de seus privilégios. Outra forma de enobrecimento da burguesia era o casamento entre burgueses enriquecidos e nobres arruinados.
O empréstimo de capitais ao rei pela burguesia lhe trazia uma série de concessões: monopólios comerciais, isenções de impostos e permissão para o exercício de várias atividades comerciais como o tráfico negreiro, transporte de açúcar, especiarias etc.
É importante assinalar que, apesar do desenvolvimento comercial, o processo de produção era ainda muito semelhante ao sistema feudal, principalmente no campo, onde continuavam vigentes as relações servis de produção. Ao mesmo tempo, havia o trabalho assalariado, especialmente nas cidades.
Sociedade indígena: solidariedade e cooperação
Enquanto a sociedade dos Estados Nacionais europeus era dividida em camadas sociais, os habitantes primitivos das terras do Brasil, quando chegaram os lusitanos, viviam numa sociedade sem classes. Na sociedade indígena, a divisão de trabalho era orgânica, com base no sexo e na idade.
Aos homens cabia a derrubada da mata e a queimada (essa prática chama-se coivara e é utilizada ainda hoje em muitos lugares do Brasil). Era também a população masculina que caçava, pescava, fabricava arcos e flechas, instrumentos musicais, canoas e adornos, obtinha o fogo e cortava lenha, além de preparar expedições guerreiras e capturar inimigos. Entre algumas tribos havia o hábito do pai manter o resguardo e a dieta após o parto da mulher. Esse costume se chama couvade e é explicado pela crença, segundo nos relata Anchieta, de que para os índios o ventre da mulher é um saco no qual o homem deposita o embrião, sendo, portanto, o pai o agente da reprodução.
Às mulheres cabia a carga mais pesada na distribuição do trabalho. Elas faziam os serviços domésticos, cuidavam das crianças pequenas, da cozinha e da alimentação, do suprimento de água e transporte de fardos. Também o artesanato era uma tarefa feminina: trançavam algodão, teciam redes, fabricavam cestos, coziam o barro e modelavam panelas e todos os utensílios de cozinha. No campo, eram as mulheres que aravam, plantavam e colhiam.
As crianças integravam a vida comunitária: os meninos aprendiam a caçar, pescar, lutar, acompanhavam os velhos para carregar-lhes as armas e aprender com suas experiências. As meninas aprendiam os trabalhos da casa, da lavoura, a tecelagem e cerâmica, além de tomarem conta dos menores.
Os mais velhos - homens e mulheres - gozavam de grande respeito da parte de todos. A experiência conseguida pelos anos de vida transformava-os em símbolos de tradições da tribo.
Os indígenas não conheciam a propriedade privada da terra. Assim, a terra abandonada por uma tribo podia ser ocupada por outra. A produção era coletiva, isto é, dividiam-se os alimentos, a caça, a pesca entre todos da tribo, sendo individuais só o arco, a flecha e o machado de pedra. Solidariedade e cooperação constituíam os traços marcantes do modo de vida indígena. Compartilhavam tanto a escassez como a fartura.
A distribuição de alimentos fazia-se de acordo com as necessidades individuais. Ninguém ficava observando se um comia mais que o outro, para depois cobrar o excesso de alimento ingerido. Na escassez, dava-se preferência à alimentação das crianças, dos velhos e doentes. As trocas de víveres entre as tribos eram pequenas, pois os indígenas não produziam excedentes. Além da pouco freqüente troca de mantimentos, ainda podiam ocorrer as trocas rituais, ou seja, aquelas que serviam para estreitar a amizade entre as tribos.
Alianças desfavoráveis dos índios A tribo compunha-se de aldeias ou grupos unidos por parentescos e interesses próximos.
Tais aldeias possuíam de quatro a sete malocas (habitações coletivas), cujo tamanho variava em função do número de pessoas que as habitariam. Abrigavam entre cinqüenta e duzentos indivíduos e não apresentavam divisões internas. Os chefes das malocas ocupavam a parte central.
A relação do índio com a natureza obrigava-o a situar sua aldeia em lugares próximos de rios, onde houvesse fartura de lenha, caça, pesca e segurança contra ataques de tribos inimigas e de animais. Para construir as malocas, o chefe tribal reunia homens e mulheres disponíveis em esquema de mutirão, prática também usada nos períodos de semeadura e colheita.
Através desses elementos, é possível perceber a relação de cooperatividade entre os membros da sociedade indígena. No entanto, havia lutas intertribais. Os conflitos podiam ser provocados por excedentes demográficos, por atitudes contrárias à solidariedade (acusações falsas entre as tribos, rapto de mulheres e crianças, vinganças de amigos, prisioneiros antigos a serem resgatados). Assim, a guerra existia para recompor a cooperação e a solidariedade entre as tribos.
Por causa das guerras, montavam-se sistemas de alianças que procuravam unir várias tribos frente a um inimigo poderoso. Essas alianças eram fortes mas momentâneas, ultrapassado o perigo comum, as tribos retomavam suas atividades diárias. A fragilidade dessas alianças, exatamente pela sua curta duração, foi muito utilizada pelos colonizadores europeus, para colocar uma tribo contra a outra e tirar vantagens do enfraquecimento de ambas.
Assim, no litoral do Rio de Janeiro, tribos inimigas uniram-se a povos europeus diferentes. Os tupiniquins aliavam-se aos portugueses (chamados de perós pelos índios) e os tupinambás aos franceses (chamados de mairs). Franceses e lusitanos usaram as intrigas entre essas tribos para obter mão-de-obra escrava nos trabalhos de exploração do pau-brasil e outros recursos naturais ("drogas" do sertão).
Sociedade açucareira: rigidez social Formação básica
Nos primeiros anos do século XVI, a mão-de-obra indígena era utilizada na extração do pau-brasil tanto pelos portugueses como pelos ingleses e franceses, que contrabandeavam o produto. Já entre 1510 e 1520, os portugueses capturavam os índios e os levavam como escravos para trabalhar nas lavouras das ilhas de Madeira, Açores, Cabo Verde, Porto Príncipe (todas de domínio lusitano).
A escravidão do índio, entretanto, mostrou-se inadequada ao plano de colonização lusa do Brasil. Em primeiro lugar, porque-as missões jesuíticas, encarregadas da catequese (pregação do cristianismo e dos valores da cultura européia), ofereceram resistências à transformação do indígena em escravo. A segunda razão decorre dos lucros muito superiores obtidos pelo comércio negreiro, realizado pela burguesia mercantil. A terceira razão relaciona-se ao fato de que os indígenas brasileiros não conheciam a lavoura sedentária, isto é, sua produção agrícola não era fixa: mudavam-se para novas áreas à medida que o solo se esgotava. Ao contrário dos indígenas brasileiros, os negros africanos, em sua maioria, dominavam este tipo de lavoura e conheciam a metalurgia. Portanto, estavam mais próximos do modelo produtivo europeu do que os índios, constituindo-se, desse modo, na base social da produção açucareira. No entanto, o índio, durante todo o período colonial, foi utilizado como mão-de-obra escrava alternativa nos momentos de desorganização do tráfico negreiro ou escassez de escravos negros.
Para compreendermos a sociedade colonial como um todo, após termos visto alguns de seus elementos econômicos e sociais, é necessário lembrar que: era uma sociedade de características periféricas, criada a partir das necessidades mercantis portuguesas. Surgiu, pois, dos interesses metropolitanos, a fim de concretizar as práticas mercantilistas. Metrópole e colônia formavam juntas, portanto, uma única ordem econômica.
No início da colonização, as metrópoles passaram por um período de transição do feudalismo para uma economia capitalista. Essa característica da sociedade européia impunha regras comerciais que determinavam as regras para a colonização do Brasil. Em decorrência disso, por exemplo, é que se optou pela monocultura da cana-de-açúcar. A estrutura econômica adequada a uma determinada atividade (no caso, a açucareira) acabou compondo a ordem social: senhores de engenho, trabalhadores assalariados e escravos. Embora na colônia brasileira houvesse pequena mobilidade social, e, portanto, características medievais, o senhor de engenho não era um senhor feudal. Ele compunha a aristocracia rural. distinguindo-se dos senhores feudais da Europa medieval porque as propriedades e produção coloniais estavam organizadas para atender ao mercado externo, através da produção de excedentes comerciais; diferentemente, a propriedade feudal visava apenas à auto-suficiência dos feudos. a organização social da colônia não sofreu modificações importantes nos três primeiros séculos da História do Brasil. Do século XVI até o final do século XVII, a sociedade colonial girava em torno dos engenhos açucareiros.
Casa-grande, engenho, capela e senzala
A estrutura dos engenhos compreendia quatro edificações centrais: as casas de engenho (moendas), a casa-grande (residência dos senhores), a senzala (morada dos escravos), e a capela (local de expressão da religiosidade). Além disso, havia a casa dos trabalhadores assalariados, os canaviais, os currais e as matas virgens.
O engenho era uma unidade agrícola praticamente auto-suficiente. Nele havia escolas para alfabetização administradas pelos padres. A alimentação diária dos moradores e hóspedes vinha das plantações, da criação de gado, da caça e da pesca.
Nas serrarias faziam-se as peças de mobiliário e se trabalhava a madeira para todas as construções do engenho.
A casa de engenho (ou moenda) abrigava a maquinaria e instrumentos para a transformação da cana em açúcar. Inicialmente, se extraía o caldo da cana na casa da moenda, em cilindros movidos a água ou a força animal. O caldo era colocado em tachos na casa da fornalha onde, com o cozimento, o caldo se transformava, por evaporação, em produto sólido. Na casa de purgar, o açúcar era purificado e depois acondicionado em caixas.
O mestre-de-açúcar é o técnico que supervisiona toda a atividade do preparo do açúcar, no engenho. Outros técnicos, em especializações particulares. ajudam o mestre-de-açúcar em funções específicas: o caldeireiro que baldeia o caldo para as tachas e vai também limpando, com a espanadeira, a espuma fervente nas caldeiras, ajudando o caldo: o tacheiro, que se incumbe de acompanhar o desenvolvimento do caldo nas tachas; e o purgador, que é o químico no preparo da cristalização do açúcar nas fôrmas.
Mestre-de-açúcar, purgador, tacheiro, moendeiro, caixeiro (aquele que colocava o açúcar em caixas) eram os técnicos da preparação do açúcar e formavam, junto com o feitor (responsável pela produção do açúcar desde a safra até o transporte e também pelo trabalho escravo), assalariados, responsáveis entre 20% a 30% pelas despesas do engenho.
Além disso, havia lavradores livres, cultivadores de terras próprias, que trabalhavam em roças de subsistência e por isso eram chamados de roceiros (não produziam para o mercado externo).
Com o declínio do açúcar, a partir da segunda metade do século XVII, surgiu a figura dos moradores. Em geral mestiços de mulatos, negros livres e índios. Constituíam a plebe dos campos paupérrimos, viviam de cultura de mandioca. Além dos moradores, os agregados. também mestiços (índios, negros, brancos pobres), prestavam serviços aos proprietários dos engenhos. Eram os guardas de propriedade, espécie de milícia particular. Embora esses agregados fossem livres, suas condições de vida pouco se distinguiam das dos escravos.
Os quilombos
Os escravos negros constituíam a sustentação da produção açucareira: plantavam, colhiam, transportavam cana para as moendas, participavam das várias etapas de produção do açúcar no engenho e do transporte das caixas de açúcar para os navios. Sua alimentação era à base de mandioca. As condições em que trabalhavam podem ser resumidas cruamente a três "pês": pau, pano e pão. "Pau" eram os castigos corporais pelas faltas cometidas; "pano" significava a roupa mínima para esconderem "as vergonhas", e "pão" o alimento para não morrerem de fome.
As reações do negro contra a exploração e a violência eram severamente reprimidas. Os rebeldes eram punidos com o viramundo (instrumento de ferro que servia para prender as mãos e os pés dos escravos) e surrados com o bacalhau (chicote de couro cru). As feridas eram curadas com sal. Faltas graves recebiam tratamentos mais duros, como a castração, a amputação dos seios, a quebra dos dentes com martelo.
À noite, após doze a quinze horas de trabalho, os negros recolhiam-se na senzala - habitação de compartimento único onde muitos dormiam com correntes prendendo pés e mãos. As mulheres cuidavam dos feridos nos castigos e dos doentes por excesso de trabalho
Existem poucos documentos que registram as formas de resistência adotadas pelos negros diante da brutalidade dos senhores brancos. Mas sabe-se que havia suicídios, assassinato de feitores e capitães-do-mato (homens encarregados de buscar os foragidos na mata). Muitas vezes entravam num estado de apatia total, o chamado banzo ou 'nostalgia da África ': em profunda depressão, não se alimentavam mais nem trabalhavam, acabando por morrer.
Além dessas formas de resistência, eram comuns as fugas e a formação dos quilombos. Os quilombos eram núcleos autônomos de aldeias de negros foragidos, que buscavam na mata reconstituir a vida africana.
Vários quilombos formaram-se no final do século XVI até o final do século XIX. Apesar de não termos o registro da maioria deles, sabe-se da existência dos quilombos de Rio Vermelho (1632), Itapicuru (1636), Mocambo (1646), Orobó (1796), Urubu (1826), todos na Bahia; Rio das Mortes (1751), em Minas Gerais; Malunguinho (1836), em Pernambuco.
O mais importante reduto da resistência negra foi o quilombo dos Palmares, que se instalou na Serra da Barriga, no atual.Estado de Alagoas. Liderados por Ganga Zumba e depois por Zumbi, os negros formaram um verdadeiro Estado livre, dentro do rígido e aristocrático sistema colonial. Durante a invasão holandesa, com a desorganização das tropas lusobrasileiras ocorreram fugas em massa de escravos, engrossando a população de Palmares, que já existia desde o começo do século XVII.
Em 1640, o quilombo abrigava cerca de 6 0 fugitivos e trinta anos depois havia 200 a 30 0 indivíduos.
Em Palmares, cultivou-se feijão, banana, mandioca, batata-doce, milho e cana-de-açúcar. Essa agricultura desenvolveu-se a ponto de os quilombos palmarinos realizarem até atividades comerciais com os vilarejos brancos próximos à serra.
A repressão a Palmares tornou-se uma necessidade aos senhores de engenho e à metrópole, pois, 'ó quilombo era um constante chamamento, um estimulo, uma bandeira para os escravos das vizinhanças - um apelo à rebelião, à fuga para o mato. à luta pela liberdade. As guerras na Serra da Barriga e as façanhas dos quilombos assumiram caráter de lenda, alguma coisa que ultrapassava os limites da força dos engenhos humanos. Os negros de fora dos quilombos consideravam "imortal" o chefe Zumbi - a flama da resistência contra a incursões dos brancos '.
Durante o século XVII, holandeses, senhores de engenhos e a Coroa lusitana uniram-se para destruir Palmares. Vários ataques foram realizados ao longo de muitos anos. Os latifundiários contratavam o bandeirante Domingos Jorge Velho para combater os quilombos. As tropas do bandeirante eram formadas por aproximadamente mil homens e, na maior parte, constituíam-se de índios.
A violência e a brutalidade dos homens comandados por Domingos Jorge Velho resumem a prática das lutas dos brancos contra índios e negros: “Certa vez, Domingos assassinou duzentos indígenas, cortando-lhes a cabeça, exclusivamente porque estes se recusaram a acompanha-lo na luta contra Palmares".
Todos os tipos de artimanhas foram usados pelos bandeirantes: realizaram-se desde ataques-surpresa até "um hediondo expediente para enfraquecer os palmarinos: vestiu alguns negros capturados com roupas de doentes e pestilentos, permitindo-lhes fugir para o reduto. espalhando ali moléstias contagiosas..." Até que, em 20 de novembro de 1695, Zumbi, após resistir com apenas vinte homens, foi morto e decapitado. Senhor de engenho: "ser servido, obedecido e respeitado..."
Do outro lado da escala social estava o senhor de engenho. 'É título a que muitos aspiram porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos.' Um mundo oposto ao da senzala - mas totalmente dependente dele – era o mundo da casa-grande, do proprietário do engenho, ao qual todos deviam obediência: o patriarca. Este impunha respeito e medo até em sua família, sendo comum ter várias comborças (amantes negras). Na casa-grande, havia também as mucamas (escravas domésticas), que ajudavam a sinhá-dona (mulher do patriarca) nas tarefas caseiras. A sinhá, submissa, obediente e temerosa do senhor de engenho, ensinava as suas filhas, as sinhazinhas, no aprendizado das prendas domésticas (bordado, preparação do enxoval para o casamento).
Essas meninas - sinhazinhas -, futuras sinhás, 'faziam orações e copiavam a receita da marmelada : segundo ditado popular da época. “Á menina negou-se a tudo que de leve parecesse independência. Até levantar a voz na presença dos mais velhos. Adoravam-se as acanhadas de ar humilde. Criadas em ambiente rigorosamente patriarcal, viveram sob a mais dura tirania dos pais – depois substituída pela tirania dos maridos."
Os meninos, quietos e respeitosos, seguiam o pai no aprendizado do ofício do mando. Respeitavam os mais idosos, tomavam-lhes a bênção. “Só depois de casado arriscava-se o filho a fumar na presença do pai, e fazer a barba era cerimônia para que o rapaz necessitava sempre de licença especial.” As capelas, erguidas ao lado da casa-grande, centralizavam a vida religiosa. As construções eram luxuosas e imponentes, já que os homens livres do engenho as freqüentavam nas missas, rezas e festas religiosas. As cerimônias religiosas constituíam o momento apropriado para os senhores exibirem suas riquezas.
Construir belas igrejas e associá-las ao nome do proprietário do engenho era sinônimo de poder e força econômica.
Em suma, praticava-se nas capelas “uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apelo ao concreto e em sua rancorosa incompreensão da verdadeira espiritualidade”.
Grandes e belas construções de igrejas, religiosidade superficial, "pompa exterior", ligavam padres e senhores proprietários. Na tradição da metrópole, a Igreja tinha pouca autonomia, pois o clero estava atrelado ao Estado e às ordens do rei.
Na colônia, o clero subordinava-se aos senhores, formando laços de família, propriedade e poder com o patriarca.
Sociedade pecuarista: Da capitania dos paulistas
Sociedade pecuarista: nordestina e sulista A sociedade pecuarista do Nordeste e Sul diferenciou-se da açucareira. A figura predominante dessa sociedade era a dos vaqueiros, isto é, homens livres não-proprietários de terras, que cuidavam das boiadas, e, na maioria das vezes, não estavam submetidos aos proprietários de terras. A própria característica de seminomadismo da pecuária tornava mais livre a vida dos vaqueiros e a sua melhor adaptação aos descendentes de indígenas.
Em geral, 'depois de quatro ou cinco anos de serviço’, começava o vaqueiro a ser pago, de quatro crias cabia-lhe uma; podia assim fundar uma fazenda por sua conta.
Os chefes dos vaqueiros recebiam dos proprietários das fazendas uma pequena propriedade de terras, onde produziam para sua própria sobrevivência, além de terem o direito a um certo número de crias e a um salário anual estabelecido com o dono da fazenda. ”Esses homens rudes e duros. muitas vezes escravos fugidos das fazendas do litoral, foram os verdadeiros conquistadores do sertão, abrindo caminhos. fundando povoados e ocupando áreas antes totalmente virgens da presença dos colonizadores."
No caso da atividade criatória do Nordeste, a penetração para o interior provocou choques com os índios, os quais se refugiavam sempre mais para dentro do território, procurando escapar do confronto com os brancos, ou integravam-se nas missões, ou, ainda, tornavamse vaqueiros. Muitos paulistas depois das lutas com escravos foragidos e apresamento de índios nas regiões da Bahia e Pernambuco preferiam a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos. Ainda antes do descobrimento das minas, sabemos que nas ribeiras do rio das Velhas e do São Francisco havia mais de cem famílias paulistas entregues à criação de gado.
O sul do país, que se estende além dos Campos Gerais, foi ocupado e colonizado de maneira bem diversa da do Nordeste e região das Minas. Zona de intensos conflitos entre portugueses e espanhóis, era habitada por homens guerreiros e aventureiros.
A partir da segunda metade do século XVII, os paulistas, em sua penetração para o interior, chegaram até o Rio Grande do Sul. Em 1680 os portugueses fundaram, às margens do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, a Colônia do Sacramento, que se instituiu como excelente base para o contrabando e aguçou ainda mais as rivalidades luso-espanholas.
A única forma de integrar essa região ao restante da colônia era povoá-la. Dessa maneira a Metrópole distribuiu em grande fartura sesmarias, constituindo-se as estâncias, voltadas para a criação de gado que vivia semi-selvagem, quase em abando no, sobrevivendo graças às férteis regiões do pampa. A pecuária exigia pouca mão-de-obra: um capataz e alguns peões, que geralmente eram índios ou mestiços. O trabalho era assalariado, a escravidão era rara. Além do gado, criavam-se nas estâncias cavalos e muares.
Será apenas no fim do século XVIII que se consolidará a pecuária sulina. Inicialmente houve apenas o aproveitamento do couro, sebo e ossos; a carne era desprezada. Mas logo descobriram-se formas de conservação (salgamento e secagem), surgindo as grandes charqueadas que iriam abastecer o mercado interno, particularmente a região das Minas.
Paulistas: uma sociedade pobre da época
Os paulistas rumaram em direção ao norte e ao sul da colônia por uma razão muito simples: as capitanias de São Vicente e de São Paulo de Piratininga não ofereciam condições de sobrevivência. Isoladas dos centros coloniais pela falta de investimentos da Coroa ou de particulares, São Vicente e São Paulo mantinham poucos contatos com a Metrópole (apenas um navio por ano passava por São Vicente). Por isso mesmo, tornaramse autônomas. Quando a Metrópole tentava intervir diretamente nas capitanias, seus moradores não obedeciam às ordens ou simplesmente as ignoravam.
De outro lado, e até por causa do isolamento, a sociedade paulista formou-se com características próprias e diferenciadas da sociedade açucareira. Á ausência de mulheres brancas (era comum os portugueses virem sozinhos, sem suas famílias, para o Brasil) provocou a mestiçagem entre brancos e índios, constituindo-se uma população mameluca. Gradativamente, a língua da Metrópole foi trocada pelo tupi, que serviu para dar denominação a cidades e acidentes topográficos.
O isolamento e a falta de recursos obrigaram os paulistas a construir seus próprios móveis, utensílios, armas, roupas e sapatos. Tiveram também que absorver as técnicas indígenas de sobrevivência na selva - o que facilitou aos bandeirantes sua penetração pelo interior. Sem as comodidades das famílias dos engenhos do Nordeste, habitando em casebres rústicos, 'o vicentino mostrou-se avesso às escolas, livros, 'coisas de padres', diziam, e que em nada os ajudavam em suas buscas. Índios, ouro, pedras preciosas, isso sim os tirava daquela vida miserável."
Sociedade mineradora
Durante a fase de mineração (século XVIII), a colônia brasileira sofreu algumas alterações em termos de modo de vida. Isso porque, enquanto as sociedades açucareira e pecuarista estavam fixadas nas áreas rurais e a sociedade paulista, marcada pela pobreza, conseguia no máximo formar vilas, a sociedade mineradora proporcionou o surgimento de centros urbanos.
Apesar dessas diferenças, havia traços em comum. Na sociedade de Minas também se privilegiava os proprietários de maior número de escravos, dando-lhes direito a maiores extensões de terra para a extração aurífera.
A produtividade mineradora decorria mais do número de escravos empregados do que do aperfeiçoamento técnico e aquisição de maquinaria.
No entanto, um conjunto de fatores acabou por prejudicar a rentabilidade das lavras. De um lado, a fiscalização, a tributação sobre a quantidade de escravos e a organização exclusivista de comércio, tudo em benefício da Metrópole. Por outro lado, os gastos com a compra e manutenção de escravos somados a inúmeras despesas menores nas operações das lavras resultavam num saldo bastante negativo. Dessa forma, o nível de renda era baixo daí a existência de um número muito pequeno de pessoas que conseguiam fazer fortuna nas Gerais.
Quando a produção do ouro entrou em crise, a partir de 1760, os senhores de lavras não tinham condições econômicas para suportar os custos com a mão-de-obra escrava, e promoveram, então, a alforria (libertação) de seus escravos. Assim os alforriados tornavamse homens livres, que se dedicavam à procura de faíscas e de filões de ouro. Em geral, mulatos, negros e mestiços viviam pobremente, não conseguindo sobreviver do trabalho livre. Muitos desses libertos voltaram à condição de escravos, ou por engano próprio, ou por má-fé das autoridades.
Por outro lado, nas Minas, existiam indivíduos que exerciam uma variada gama de profissões, mas que lhes permitiam, no máximo, sobreviver numa região rica em ouro, prata e diamantes. Esses indivíduos formavam as camadas médias ou intermediárias da sociedade mineira: eram os artistas, artesãos, pequenos comerciantes, militares de baixa patente e pequenos mineradores (os chamados faiscadores ou garimpeiros).
É possível, então, distinguir na formação social das Minas duas camadas básicas: a primeira, constituída de uma pequena parcela de homens ricos e poderosos - proprietários das lavras e grandes comerciantes. Alguns de seus descendentes estudavam na Metrópole e tornavam-se advogados, médicos, professores de línguas, participavam do alto clero ou obtinham cargos administrativos. A segunda era uma camada média e uma maioria formada basicamente por comerciantes e artesãos. E abaixo dela estavam os escravos que, segundo os documentos da época, chegavam a mais de cem mil indivíduos.
E importante lembrar que uma análise da vida social das regiões auríferas do século XVIII permitia considerar "uma economia de baixos níveis de renda, distribuídos de maneira menos desigual do que na região açucareira, originando pelo seu baixo poder de concentração, uma estrutura social mais aberta. Daí o número de pequenos empreendedores e o mercado maior constituído pelo avultado contingente de homens livres - homens esses, entretanto, de baixo poder aquisitivo e pequena dimensão econômica. A constituição democrática da formação social mineira poderia assim se reduzir numa expressão: um maior número de pessoas dividia a pobreza".
Novos valores na Europa moderna Renascimento e humanismo
Entre os séculos XIV e XVI, a Europa passou por grandes transformações. As alterações na economia (desenvolvimento comercial) e na política (surgimento do Estado Nacional, centralização do poder e ascensão da burguesia mercantil) foram acompanhadas por mudanças na mentalidade, no comportamento e na maneira de perceber a realidade e de interferir nela. Foi, é bom frisar, um processo que durou séculos, em que conviviam formas antigas, como as relações servis de produção e os privilégios da nobreza feudal, com novas formas de organização da sociedade.
A partir do século XIV, o teocentrismo medieval foi sendo substituído por uma nova visão do mundo, na qual o indivíduo passou a ser, de maneira geral, o centro das preocupações humanas.
Dessa forma, a relação Deus-Igreja-Homem, que organizava a mentalidade medieval, cedia lugar para a relação Homem-Natureza, que passava a ser a preocupação dos indivíduos interessados em acreditar nas capacidades humanas para resolver os desafios do meio ambiente. Tratava-se da 'crença de que o homem é fonte de energias criativas ilimitadas, possuindo uma disposição inata para ação, a virtude e a glória. (Nicolau Sevcenko, O Renascimento). Os indivíduos que desejavam a ruptura com os ideais medievais acreditavam nas potencialidades físicas e espirituais do homem.
Surgiu assim o humanismo - movimento intelectual que privilegiava a razão para compreender a natureza e o próprio homem e se inspirava nos valores greco-romanos para pensar criativamente nos novos desafios do comércio, das navegações, das conquistas de terras desconhecidas. A esse movimento filosófico e intelectual humanista, inspirado nos valores da Antiguidade clássica (Grécia e Roma), deu-se o nome de Renascimento.
A imitação dos valores “'não seria a mera repetição dos gregos e romanos, mas a busca de inspiração em seus atos, suas crenças, suas realizações, de forma a sugerir um novo comportamento do homem europeu. Um comportamento calcado na determinação da vontade, no desejo de conquistas e no anseio do novo" (Nicolau Sevcenko, O Renascimento). A glorificação do homem caracterizou o antropocentrismo (o homem como centro das indagações e preocupações).
O movimento renascentista e humanista desenvolveu concepções opostas ao modo de vida medieval: à fé opôs a razão, ao coletivismo feudal, o individualismo, ao teocentrismo, o antropocentrismo. Pintura, literatura, escultura e arquitetura refletiam essa nova maneira de pensar e foram estimuladas pelos reis, pois a manutenção de uma vida artística luxuosa fortalecia o prestígio das cortes absolutistas.
Reforma: novo movimento do cristianismo
Enquanto os movimentos de valorização do homem através das obras artísticas e literárias buscavam mudar a mentalidade européia, um outro movimento, no século XVI, procurou adequar a religião às alterações da sociedade do período moderno.
Economia comercial, Estado Nacional absolutista e desenvolvimento da burguesia mercantil representavam as novas forças que, gradativamente, substituíram a sociedade feudal e seu principal sustentáculo nos valores, comportamentos, idéias e crenças: a Igreja Católica. Ao mesmo tempo que condenava os lucros obtidos pelo comércio a Igreja concentrava riquezas através da cobrança de taxas e impostos que diminuíam o dinheiro investido no comércio e na produção manufatureira.
Portanto, em alguns países europeus, o catolicismo representava um obstáculo à consolidação do Estado Nacional. Além disso, o universalismo da Igreja procurava colocar o papado acima de todos os interesses locais e regionais, enquanto o nacionalismo do
Estado Moderno promovia a sustentação da monarquia, considerando o rei como autoridade suprema. Isso implicava rejeitar papa nos assuntos internos do reino.
A Igreja Católica também representava um obstáculo à nobreza feudal, pois suas enormes extensões de terras impediam o crescimento das propriedades e dos poderes dos nobres. Além disso, os camponeses engrossavam a camada dos descontentes com a Igreja, pois bispos, arcebispos e padres viviam à custa do trabalho servil nas propriedades eclesiais.
Por outro lado, a Igreja Católica passava por uma profunda crise de disciplina e organização. Vários membros do clero, que ocupavam cargos mediante o pagamento de enormes quantias, viviam de forma ostensivamente mundana, causando descrédito à instituição. Para manter todo esse luxo e essa riqueza, cobrava dízimos sobre qualquer propriedade ou renda financeira dos fiéis e traficava relíquias e as chamadas indulgências.
O conjunto desses abusos provocou protestos em toda a Europa, que culminaram na Reforma, movimento de contestação ao poder da Igreja Católica, apoiado por reis, nobres, burgueses e camponeses. Seu líder, Martinho Lutero, monge agostiniano alemão, condenava os abusos católicos como a venda de indulgências, a compra de cargos eclesiásticos e a falta de vocação religiosa. Sua doutrina baseava-se na idéia de que "só a fé salva", em oposição à pregação do catolicismo de que "só a Igreja salva".
Lutero encontrou ambiente favorável nas regiões alemãs, onde os bens da Igreja eram mais cobiçados pela nobreza feudal,. que resistia ao processo de centralização monárquica desenvolvido pelo imperador germânico Carlos V. Além disso, nas regiões alemãs realizavam-se estudos dos textos bíblicos de acordo com as aspirações do humanismo. Excomungado (expulso da comunidade cristã) pelo Papa, mas apoiado pela nobreza feudal, Lutero reafirmou suas idéias perante a Dieta de Worms , reunião parlamentar convocada pelo imperador em 1521.
Diante do crescente movimento protestante, em 1530 Carlos V convocou uma nova Dieta para Lutero apresentar sua doutrina - a chamada ' Confissão de Augsburgo". O imperador não aceitou a posição luterana, passando a perseguir os protestantes. Houve, então, sucessivas guerras entre católicos e protestantes, até a Paz de Augsburgo (1555), quando Carlos V reconheceu o direito de os príncipes alemães imporem a religião luterana aos habitantes de seus domínios, enfraquecendo, assim, o catolicismo e o próprio imperador. Reconhecia-se então a existência de uma nova religião cristã e ficava marcado o fracasso político de Carlos V ao perder sua autoridade para a nobreza feudal do Império.
O luteranismo cresceu em toda a Europa e permitiu o surgimento de novos movimentos protestantes, como o calvinismo. Francês de nascimento e de origem burguesa, Calvino deu maior consistência aos princípios colocados por Lutero ou, por exemplo, as atividades econômicas condenadas pela Igreja. Para o calvinismo, todo trabalho honesto e sóbrio agradava a Deus e somente os predestinados venceriam na vida. Sendo assim, banqueiros, comerciantes, industriais, armadores trabalhavam, segundo Calvino, para a glorificação de Deus...
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfAtUAE/historia-apostila-historia-brasil?
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