Castigar ou não Castigar?
Um dos aspectos que, a nível pedagógico, maior angústia causa nos pais e educadores, são as dúvidas levantadas pelo ato de castigar.
Castigar ou não? Qual o castigo mais apropriado?
Esta ferramenta educativa, tão universal e utilizada ao longo da história nas mais diversas sociedades, continua a gerar diferentes opiniões, e a ser alvo de amplos debates.
"Asneiras de crescimento"
As crianças não nascem com a noção de certo e errado, e não sabem, à partida, qual o comportamento adequado para cada momento.
Ao seu ritmo, estas vão procurar descobrir o meio à sua volta, explorar as suas capacidades à medida que as vão adquirindo, bem como testar as reações dos outros para conhecer e desenvolver-se socialmente.
As crianças "pedem" aos adultos que lhes forneçam as ferramentas para uma socialização bem sucedida, num equilíbrio nem sempre facilmente atingível entre a liberdade dada às nossas crianças, e os limites que se pretende que interiorizem.
A importância dos limites
O tema castigos é indissociável de limites pois, à partida, os primeiros são utilizados como ferramenta para que a criança interiorize os segundos. E, atualmente, ser pai remete para um conflito cada vez mais frequente: não passar tempo suficiente com os filhos.
Após um dia de trabalho, longe dos filhos, é natural que os pais sintam não acompanhar o seu crescimento do modo desejado.
Este sentimento, aliado ao cansaço e à necessidade de realizar múltiplas tarefas domésticas leva, por vezes, à adoção duma estratégia de compensação da sua ausência, através duma maior permissividade ou, por outro lado, a uma intolerância excessiva face aos comportamentos da criança.
No entanto, tal pode conduzir à educação de crianças com dificuldades em reconhecer limites, que não sabem lidar com a frustração, e torna difícil a compreensão e interiorização das noções de certo e errado.
Os filhos precisam de limites para se sentirem seguros, para se socializarem, aprenderem a lidar com a agressividade, para crescer de forma saudável. E é, especialmente quando os pais têm menos tempo disponível, que as crianças mais os requerem, pois necessitam de receber essa segurança. Quanto menos a tiverem, mais veemente a vão reclamar, colocando os pais à prova, num processo de desgaste que pode ter consequências irreversíveis nas relações familiares.
Os limites
A imposição de limites ocorre sensivelmente no momento em que a criança adquire a capacidade motora para explorar o meio à sua volta. Por volta dos 8/9 meses, ela começará a gatinhar, e a adotar o comportamento saudável de experimentar e conhecer os espaços em que se encontra.
E é a partir deste preciso momento que os pais se confrontam com a necessidade de julgar o que é permitido a criança fazer, e o que não é.
Este fato é ilustrado pelo exemplo clássico da criança que procura descobrir o que são as tomadas elétricas, especialmente devido ao fato de comummente se situarem à altura do seu campo de visão.
Com o desenvolvimento da criança, entre os 18 meses e os 3, 3 ½ anos, no qual se verifica um aumento da linguagem e da destreza física, a necessidade de colocar limites firmes e inteligíveis para as crianças, passa a ser uma das imposições que se colocam a pais e educadores.
Esta é uma fase em que a criança procura organizar-se e explorar com grande avidez o que a circunda, e "reclama" dos adultos significativos a orientação e a organização que lhe permitam aprender o que pode ou não realizar.
À medida que a criança cresce, mantém-se sempre a necessidade desta suscitar a orientação organizativa por parte dos pais, o que se vai alterando é a possibilidade crescente dos pais explicarem as regras impostas, devido à progressiva capacidade de entendimento dos filhos. Se, nos primeiros tempos de vida os limites podem ser colocados através de estratégias mais simples, como a distração, o agarrar, a cara de mau, entre outras, com o desenvolvimento da criança, essa tarefa torna-se mais exigente e elaborada.
Os castigos ajudam?
Antes de abordar a questão dos castigos, torna-se fundamental salientar que, embora estes sejam importantes auxiliares no processo de interiorização de limites por parte das crianças, essa aprendizagem não pode passar apenas pela sua aplicação. Pelo contrário, o poder dos castigos deverá ser sempre reduzido, quando comparado com o do afeto, do exemplo e do diálogo, que deverão ser as principais ferramentas de socialização e educação.
Habitualmente, no processo educativo, as crianças procuram ser como os seus modelos de referência, cabendo-lhes a estes serem os melhores exemplos / modelos possíveis.
A interiorização e a aprendizagem de regras e limites faz-se, fundamentalmente, pela imitação e procura de identificação com os modelos de referência que as crianças possuem, da qual os pais, seguidos dos elementos de família mais próximos, educadores, professores, entre outros, assumem amplo destaque.
Surge então a pergunta- os castigos ajudam ou não? E essa é uma das questões que maior angústia causa a pais e educadores, bem como qual o castigo mais apropriado para a criança.
Os castigos ajudam, e podem ser uma importante ferramenta de educação e socialização. Mas, para tal, terão de ser aplicados com moderação, de forma correta e coerente. Existem modos de potenciar esta ferramenta, o que será tratado de seguida.
O propósito do castigo não é castigar
É difícil dizer qual o castigo certo, para dada situação. Além de pouco sensato, um "manual de instruções" apenas serviria para produzir mais incerteza e instabilidade na hora em que se pede aos pais segurança e firmeza.
Antes de mais, para que uma criança interiorize os limites, é necessário que se sinta afetivamente ligada à pessoa que a castiga. O castigo deve ser sempre dado com carinho, com amor, e transmitir a noção de que "eu estou a fazer isto por que gosto de ti, e preocupo-me contigo".
Importa ter em conta que, na hora de castigar, por mais aborrecido que se possa estar com a criança, o objetivo não pode ser o de "castigar", de lhe causar mal estar em retorno, mas sim ter o propósito de ajudar a criança a perceber que a sua ação foi incorreta, e que compreenda o que é esperado dela.
Quebrar o ciclo
O objetivo imediato passa inequivocamente pelo término do comportamento incorreto que a criança está a realizar. Tal poderá ser realizado de inúmeras formas, mas o olhar, a expressão facial (cara de mau), a imposição física (ex.: agarrar), o tom de voz, firme e seguro, sem gritar, poderão ser os melhores aliados. Nos primeiros anos, um castigo que resulta com sucesso é o isolamento, ou o ato de se sentar sem atividade na "cadeira do castigo" sem atividade. Esse castigo permite à criança acalmar, para de seguida ser possível conversar sobre o assunto.
Aspectos significativos dos castigos:
Existem pormenores relativos aos castigos que devem ser levados em consideração:
É essencial que o seu propósito seja o de sinalizar o comportamento incorreto, pelo que convém não existir uma grande distância temporal do comportamento alvo, senão incorre-se no perigo da criança abstrair-se e esquecer-se do motivo do mesmo;
De seguida e sempre tendo em conta a idade da criança, torna-se fundamental que lhe seja explicado o que realizou de incorreto e, explicitar de forma compreensiva, clara e curta, o que pretendemos dela. Se necessário e possível, exemplificando-o.
Deverá ser num sítio que os pais possam controlar, pois além das questões de segurança, é importante que se certifiquem que a criança, durante o tempo de castigo, não tem brinquedos à disposição ou outros fatores de distração, como por exemplo a televisão; do mesmo modo, o "mandar para o quarto" ou para outro espaço semelhante é um castigo que menores probabilidades terá de ser bem sucedido, pois o mais certo será a criança encontrar tantos fatores de distração nesses espaços que provavelmente rapidamente se esquecerá do comportamento que a levou ao castigo;
Qualquer castigo aplicado deve ter em conta a idade e o desenvolvimento da criança. Sempre que possível, o castigo deve contribuir para a reparação do comportamento alvo (ex.: se sujou algo, limpar). Também é importante não intimidar a criança com um castigo que se sabe que não será possível por em prática;
À medida que a criança se desenvolve a nível verbal, pode ter um papel ativo na forma de reparar o seu comportamento incorreto. Convém permitir-lhe que ela participe e opine sobre os castigos ou modos de reparar o comportamento incorreto;
Procurar explorar com a criança o que a levou a realizar o ato. Esta compreensão, além de demonstrar disponibilidade afetiva por parte dos pais, pode contribuir para que a criança se sinta aceite e amada, mesmo quando realiza algo menos correto;
No fim, e de extrema importância, é importante que a criança, após ter realizado o acordado no momento, possa ter a possibilidade de ser desculpada, o que lhe faculta o entendimento de que a reparação do mal efetuado é possível;
Na maioria das vezes, as suas "pequenas asneiras" funcionam apenas como forma dela chamar a atenção dos adultos. Sempre que possível, o melhor será ignorar esses pequenos comportamentos e, ao invés, quando a criança estiver a comportar-se do modo pretendido, dar-lhe a atenção que procura, reforçando e elogiando o bom comportamento. O que é notado e reforçado tende a repetir-se com maior frequência e, mais vale salientar e reforçar aspectos positivos da criança, do que negativos.
Atenção ao que se diz, e ao modo como se diz
As palavras contam, e muito. Daí que, no processo educativo, importa realizar um constante processo de auto-avaliação, no sentido de se procurar melhorar a função educativa. Nesse sentido, há que dar uma grande importância ao que se diz, ao que se transmite, e ao que se deseja que a criança interprete.
As palavras são importantes não só na hora de se castigar. Antes pelo contrário, são fundamentais no modo como a criança interioriza o que os adultos esperam nela. As expectativas da criança sobre as suas possibilidades de sucesso são fundamentais para o seu comportamento e, ela só se acreditará capaz de ser bem sucedida, se os pais lhe transmitirem. A capacidade das crianças realizarem uma correta avaliação de si e dos seus comportamentos é reduzida, e necessitam dos pais, como espelhos. É importante que esses espelhos lhes transmitam a possibilidade de sucesso, de serem bem sucedidos. Veja-se:
Uma criança que, depois do jantar e antes de deitar, costuma brincar com os bonecos - Os pais, ao prepararem a criança para comer, poderão dizer duas frases, por exemplo: A primeira- "Quando acabares de comer toda a sopa, vais poder brincar com os bonecos". Esta verbalização transmite o acreditar, por parte do adulto significativo, das possibilidades de sucesso da criança na tarefa, e nos bons resultados consequentes. Segunda- "Se não comeres a sopa, não brincas com os bonecos". Esta verbalização, além de funcionar como uma ameaça transmite a possibilidade e o acreditar que a criança não será bem sucedida na tarefa (comer), mostrando a possibilidade de insucesso como a mais previsível. É uma pequena diferença de palavras, mas é uma grande diferença pedagógica.
A hora de repreender
Quando se repreende uma criança e ela é castigada, geralmente é por ela ter realizado uma ação contrária ao que se considera correto (por exemplo, uma criança que bateu no irmão mais novo). Nesse sentido, mais do que castigar, o que se deseja é mudar esse comportamento, e utiliza-se o castigo como um auxílio para esse objetivo.
No entanto, o castigo só por si não contribui para que esse comportamento desapareça. Aí entra o poder das palavras. A partir do momento em que a criança adquire o desenvolvimento suficiente para se expressar e compreender verbalmente, as palavras utilizadas pelos pais poderão funcionar como aliados excepcionais a nível educativo ou, se mal utilizadas, contribuir para aumentar a confusão e a insegurança da criança.
Voltando ao exemplo da criança que bateu no irmão mais novo, naturalmente, os pais mostrar-se-ão desapontados com o seu comportamento, e terão o desejo de o modificar. É necessário que, ao falar com a criança, as verbalizações incidam diretamente sobre o ato incorreto. Misturar assuntos e/ou alargar muito as explicações apenas serve para desviar dos propósitos. O comportamento incorreto deverá ser bem sinalizado, de modo a que a criança tenha a perfeita consciência do comportamento indesejável. E, por mais fácil que esta tarefa possa parecer, existem algumas "ratoeiras" em por vezes se tropeça...
Convém evitar utilizar expressões como: "és sempre assim"; "tu nunca fazes nada bem"; "és feio, mau, mal comportado"; "não gosto mais de ti"; entre outras. O que se pretende é a mudança, substituir o comportamento incorreto pelo correto pelo que, expressões como as referidas, não transmitem essa possibilidade de mudança. Antes o inverso, transmitem às crianças o sentimento que os pais a vêem como aquela que atua incorretamente, sem a possibilidade de mudar, prejudicando a auto-imagem da criança. Assim, no exemplo referido, evitar expressões como: "estás sempre a bater ao teu irmão", utilizando outras que sinalizem diretamente o comportamento incorreto "os pais estão zangados porque bateste no teu irmão" e, muito importante, explicar alternativas de como os pais esperam que a criança resolva o assunto no futuro: "da próxima vez, quando estiveres chateado com o teu irmão, podes vir dizer aos pais".
Conclusões
Interromper o comportamento incorreto, quando possível, e sinalizar de modo a que a criança compreenda sem dúvidas o que originou a reação do adulto. Para que a criança consiga realizar uma correta associação entre o comportamento incorreto e a correspondente consequência, é necessária uma rápida reação dos pais. Ações como "no fim do dia falamos" ou "quando o pai chegar ele fala contigo" são menos eficazes;
Após adquirir consciência do comportamento reprovado pelos pais, a criança deverá conseguir compreender qual o comportamento desejado. É importante que os pais, ao explicarem o procedimento, transmitam à criança que sentem que ela será bem sucedida no futuro. Se a criança não acreditar em si, e na possibilidade de ser bem sucedida no futuro, provavelmente voltará fracassar;
Desculpar. Nenhuma criança faz alguma ação que não possa ser perdoada. A criança necessita compreender que, apesar dos erros, também os poderá resolver e ultrapassar, e voltar a obter a confiança dos pais. Só assim poderá voltar a tentar ser bem sucedida em novos desafios. Aqui os pais poderão também dar o exemplo, assumindo que também já fizeram "asneiras", tal como as crianças, e que conseguiram aprender com elas e melhorar, tal como os filhos conseguirão;
Importantíssimo, reforçar quando a criança tem o comportamento adequado! Um sorriso, um elogio no momento certo, são as melhores armas que se podem utilizar.
Apesar da importância dos castigos, importa realçar novamente que a nossa principal ferramenta educativa é a relação de amor estabelecida com a criança, esse é o principal argumento que possuímos. O principal modo duma criança aprender e respeitar limites é crescer num ambiente em que se sinta amada, e em que aprenda a amar em retribuição. A criança deseja, e quer crescer para ser "grande" como os seus modelos de referência (geralmente os pais), e será através do seu exemplo que melhor poderão moldar o seu comportamento, e influenciar positivamente a sua socialização.
Ressalva-se que todos os pais sentem dificuldades na educação dos seus filhos. É natural cometer erros, e aprender com eles, tal faz parte da tarefa educativa. Tal como os pais mudam as crianças também, conseguindo alterar os comportamentos. Não só a nível da disciplina, mas como em vários outros aspectos educativos, a aprendizagem dos limites é uma tarefa a longo prazo, que exige determinação, coerência, firmeza e, fundamentalmente, muita paciência e amor.
TEXTO ADAPTADO..
http://escolajoaoamaroeducandocomamor.blogspot.com.br/2013/07/castigarrigor-ou-afeto.html
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