Para Alexandre Kalache, países desenvolvidos enriqueceram para depois envelhecer; Brasil, que terá 65 milhões de idosos em 2050, deve priorizar investimentos em saúde e previdência.
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Para Alexandre Kalanche, os idosos de hoje devem viver a gerontolescência
Alexandre Kalache adora falar de velhos. Ele é o presidente do Centro Internacional de Longevidade e um dos mais respeitados especialistas no assunto. Os números espantam. Em pouco tempo a população brasileira vai envelhecer rapidamente e, diferente do que aconteceu no Japão e em países da Europa, a mudança ocorrerá na pobreza. E, ainda por cima, em uma sociedade muito voltada para os valores ligados à juventude.
O médico considera que é preciso pensar sobre o que as pessoas de 40 anos hoje querem fazer com os anos que lhes foram dados de presente. Se vão viver 80 ou 90 anos, que seja com saúde. Mas isso não tem sido prioridade no Brasil. Achou que o cenário é de caos à vista? A boa notícia é que você vai viver bastante.
iG: Quais serão as transformações no País com esta mudança populacional?Alexandre Kalache: O Brasil é entre os países com mais de 10 milhões de habitantes o que vai mais rapidamente envelhecer. E eu sempre afirmo isso, os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecer, nós estamos envelhecendo muito mais rápido que eles e com pobreza. Daqui há 35 anos, o Brasil vai ter 65 milhões de idosos. É muita gente! Com exceção do México, é uma população maior que a de qualquer país latino americano. É um país tão grande quanto a Alemanha. É um contingente imenso que precisa de investimentos.
iG: Como devem ser feitos estes investimentos?
Kalache: Não só de política para os idosos, mas também de política para que os adultos de hoje possam chegar bem na velhice. Basta você ter 30 anos hoje para que daqui a 35 você tenha 65. A gente não está falando de um grupo que saiu do vácuo. Estamos falando dos adultos de hoje. São duas linhas que não competem, mas que se somam. A forma como as pessoas vão envelhecer vai depender de oportunidades para ter quatro capitais fundamentais: saúde (acesso e prevenção), finanças (previdência privada e público), social (caprichar para ter amigo), e educação. Isso depende de políticas. Não se faz do nada. Infelizmente, o governo federal está desleixado. Faz lei, mas não tem orçamento.
iG: Como essas políticas poderiam ser complementares?
Kalache: A lógica é que, se houver boa política de saúde e previdência, o idoso sai mais barato pra País. Um idoso que recebe uma pensão não contributiva [sem ter contribuído para o INSS] e que vai comprar comida e remédio para a família, está sendo um agente de desenvolvimento. Das grandes políticas do Brasil de redistribuição de renda, a de pensão não contributiva a que mais favorece para a construção de uma classe C. É apontada como a mais eficaz. Em relação à saúde, vemos isto nas medidas de prevenção. O que é caro? Caras são as complicações em decorrência de doenças como hipertensão, por exemplo. Não é melhor investir em prevenção?
iG: O Brasil está envelhecendo rapidamente. A seu ver, o que está sendo feito em termos de políticas públicas sobre o envelhecimento da população?
Kalache: Já foi muito pior do que é hoje. Está bom hoje? Não. De qualquer forma, houve um avanço. Nestes últimos 20, 25 anos, mudou muito a perspectiva. A criação do Estatuto do Idoso, em 2003, fez com que o idoso passasse a ser um cidadão com direito, não mais um alvo de ações filantrópicas ou de caridade. Então, quando uma velhinha entra numa fila de prioridades, ou que tem direito de não pagar o ônibus, não é caridade, é direito. Outro grande avanço, como eu já disse, são as pensões não contributivas. Aquela velhinha do interior que trabalhou na roça a vida inteira nunca contribuiu para o INSS não porque não quisesse, mas porque não tinha emprego formal. Ao receber sua aposentadoria, ela vai ser respeitada na família em vez de ser visto como um fardo. Ela pode decidir onde vai gastar o dinheiro. Vai comprar comida para o neto, remédio para o filho doente.
iG : Mas ainda é preciso melhorar muito...
Kalache: Ah, sim. Está muito ruim. Se você comparar o Programa Nacional do Idoso com os programas que cuidam de política para mulheres e crianças, por exemplo, vai ver que a estrutura do primeiro é muito menor, com equipe e recursos muito menores. E o pior: mesmo com um orçamento pequeno de R$ 12 milhões no biênio, que não é nada, somente 20% do montante foi gasto. Então é muito ruim. A gente ainda precisa fazer muito esforço para dizer que as políticas estão respondendo a este envelhecimento rápido e sem precedentes.
iG: Há 40 anos, uma pessoa de 40 anos era considerada velha. Hoje, uma de 60 não é. O que explica esta mudança?
Kalache: A gente vive numa sociedade muito voltada para aos valores da juventude, para a aparência. O que é bonito é o jovem, a força, a potência, o poder. Nos fixamos muito à beleza externa, física, sem perceber e valorizar uma beleza que você só acumula quando tem experiência, na sabedoria. Você não consegue ser um sábio aos 32 anos. Se for para ser um dia, vai ser mais velho, lá pelos 70.
iG: Quando você acha que este estigma de velho pode mudar?
Kalache: Acho que já está havendo uma revolução de valores aqui. Temos esta geração de babyboomers muito grande que nasceu depois da Segunda Guerra e que teve mais acesso a saúde, educação e dinheiro no bolso. Foi a primeira geração a ter a adolescência, um conceito novo - antes ou a pessoa saía abruptamente da infância com 14 anos para trabalhar ou morreria de fome. Em todas as fases da vida, os baby boomers contestaram. Isto tudo está no nosso DNA. Os velhos de hoje vivem a gerontolescência.
iG: O que é isso?
Kalache: Os adultos estão passando a velhice como uma transição gradual. Só que, diferente da adolescência, a velhice vai durar 20, 25 anos. Você vai com 50 e poucos anos até os 80 fazendo barulho, com muito mais percepção dos seus direitos e coerente com o que sempre pensou. Se sempre foi um ativista, sempre lutou pelos direitos humanos, vai cada vez mais lutar para dizer: 'é possível ser um velho bonito, com recursos para a sociedade'. Vai ser uma batalha do ativismo de exigir os direitos. Existe um estatuto, mas a gente vai lutar para que ele seja posto em prática, que empodere a pessoa para que ela seja um cidadão pleno, atuante, ativo da sua sociedade.
iG: Houve um aumento grande na expectativa de vida. Hoje, uma pessoa com 40 está ainda na metade da vida. Antes, ela estava se preparando para o fim da vida. As referências são outras. Que conselho você daria para essas pessoas? Kalache: Meu conselho é que elas parem e pensem se querem que a o outra metade da sua vida seja da mesma forma que estão vivendo hoje. Será que não é preciso se reinventar? Fazer um ano sabático, um mestrado, mudar de carreira. Antigamente, se você fizesse uma escolha aos 18, ela te seguiria até os 50, 55 anos. Hoje, não. Então é preciso pensar muito na qualidade da sua vida para que estas décadas que foram dadas de presente sejam usufruídas com qualidade. Não é uma crise dos 40, é uma oportunidade de repensar. Quer ver só um exemplo?
iG: Quero.
Kalache: É o caso do Jorginho Guinle. Ele era um playboy de uma das famílias mais ricas do Brasil. Quando chegou ao final da vida [morreu aos 88], ele disse: 'se eu soubesse que ia durar tanto, teria feito coisas diferentes'. Jorginho morreu pobre, queimou o dinheiro todo da família. Aproveitou bem até os 50, mas terminou doente e morando em apartamento emprestado. Isso porque não previu que viveria tanto. Por isso, meu conselho para as pessoas de 40 anos é que prevejam que vão viver muito, que vão chegar aos 80 ou 90 anos. A forma que elas vão viver vai depender das escolha que fizerem hoje.
I G
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