Talvez seja por isso que votemos em políticos corruptos
Políticos mentem o tempo todo. Mas, mesmo quando uma
mentira facilmente desmascarada é revelada, vemos que os simpatizantes
dificilmente passam a perceber o mentiroso como desonesto.
Por exemplo, ano passado, Donald Trump alegou
falsamente que sua cerimônia de inauguração foi “a maior de todos os tempos”,
apesar das evidências fotográficas em contrário – apenas uma de suas várias
mentiras demonstráveis.
É claro que nenhum dos candidatos das eleições
presidenciais americanas era visto como um modelo de honestidade. No entanto,
isso pareceu prejudicar Hillary Clinton mais do que Trump. Por quê?
O maior perigo de contar mentiras
Uma nova pesquisa americana sugere que, às vezes,
mentir pode realmente fazer um político parecer mais autêntico: seus seguidores
veem mentiras descaradas como protestos simbólicos da oposição contra uma
situação corrupta.
O método
Em um estudo online, 424 participantes leram sobre
uma hipotética eleição para presidente de um corpo de estudantes
universitários.
O candidato fictício concorrendo contra o titular
não tinha experiência em governo estudantil. Durante um debate, ele mencionou
pesquisas que apoiavam a proibição do álcool no campus.
Metade dos participantes do estudo leram que a
pesquisa não estava em um periódico sério revisado por cientistas e que o
candidato da oposição havia notado isso corretamente. A outra metade leu que a
pesquisa havia sido publicada em um período científico revisado por cientistas,
mas o candidato da oposição mentiu sobre isso e disse que não era – uma
afirmação facilmente verificável. Além disso, o concorrente também fez uma
observação sexista sobre os pesquisadores, violando outra norma social.
Dentro de cada um desses dois grupos, metade também
leu que a legitimidade do titular estava em questão. A outra metade leu que ele
era um bom representante de estudantes. Os participantes do estudo também
completaram um teste de personalidade e foram informados aleatoriamente se o resultado
correspondia ao do titular ou do concorrente. Finalmente, eles avaliaram a
autenticidade do concorrente.
Como fazer uma mentira “se tornar” verdade
Resultados
Quando os participantes do estudo foram informados
de que compartilhavam o tipo de personalidade do concorrente e a legitimidade
do titular estava em questão, tanto homens quanto mulheres classificaram o
concorrente descrito como mentiroso e sexista como mais autêntico do que o
concorrente descrito como honesto.
Parece absurdo, mas é um bom ponto de partida para
tentarmos entender por que políticos que mentem ainda podem fazer sucesso.
Aparentemente, os seguidores de um candidato da oposição, quando se identificam
com ele, não se importam que ele minta, inclusive percebendo-o como mais autêntico.
Isso pode explicar a popularidade de um candidato
mesmo quando este é pego em flagrante em uma mentira, como ocorreu com Trump
nos Estados Unidos. No contexto brasileiro, um candidato à presidência também
fez uma alegação falsa facilmente verificável durante um debate no programa
Roda Viva, na TV Cultura, quando afirmou que havia apresentado mais de 500
projetos em 27 anos (quando um dos entrevistadores o corrigiu dizendo que
haviam sido 176, ele respondeu “Que seja”), mas isso não pareceu afetar sua confiabilidade
como futuro presidente da nação.
Como os políticos respondem a questões sem
verdadeiramente respondê-las
Ressalvas
Segundo Diana Mutz, cientista política da
Universidade da Pensilvânia (EUA) que estudou os seguidores de Donald Trump e
não esteve envolvida neste estudo, alerta que, embora ele seja interessante,
governos estudantis hipotéticos estão muito longe de examinar o público
americano e questões políticas reais, então é melhor não generalizar.
Os pesquisadores, no entanto, também pediram a
participantes para avaliar a autenticidade de candidatos reais das eleições de
2016. Por exemplo, 402 indivíduos foram informados de que um dos tweets de
Trump sobre o aquecimento global ser uma farsa havia sido definitivamente
desmascarado. Os defensores de Trump eram mais propensos do que os defensores
de Clinton a ver o tweet como não literal, e sim como um desafio para a elite.
Eles também eram duas vezes mais propensos a classificar seu candidato
preferido como altamente “autêntico”.
Oliver Hahl, pesquisador da Universidade Carnegie
Mellon (EUA) e principal autor do estudo, argumenta que seus experimentos podem
ajudar os cientistas a entender os defensores de Trump: “Isso me dá a sensação
de que o mundo ainda é racional em algum grau”.
Nós preferimos políticos mais altos
Os resultados da pesquisa foram publicados na
revista científica American Sociological Review.
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