Em Outubro de 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um
relatório da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IACR, na sigla
em inglês) no qual as carnes vermelhas processadas passaram a ser
classificadas como carcinógenos do grupo 1 do IARC, o mesmo grupo ao
qual o cigarro, o asbesto e a radiação ionizante pertencem. Para quem
não está familiarizado com o termo, uma substância carcinógena é aquela
que é capaz de estimular o desenvolvimento de um câncer no organismo.
A
divulgação do relatório OMS foi feita de forma pouco clara para quem
não está acostumado com a linguagem dos estudos científicos, e,
rapidamente, a imprensa leiga e as redes sociais trataram de transformar
um fato já conhecido há pelos menos alguns anos em uma notícia
sensacionalista. E o pior, alguns veículos passaram a tratar as carnes
vermelhas como um carcinógeno semelhante ao tabaco.
Não é nenhuma
novidade o fato do consumo diário de carnes vermelhas, sejam elas
processadas ou não, ser considerado um fator de risco para o câncer de
cólon e reto. Aqui mesmo no MD.Saúde nós já havíamos falado sobre isso
em 2012, no artigo: DIETA PARA PREVENIR CÂNCER.
O que mudou foi que a OMS considerou que o nível de evidências
científicas acumulado nos últimos anos tornou-se suficiente para
autorizar a emissão de um relatório oficial sobre o assunto. O atual
relatório do IARC baseou-se na revisão de 800 estudos científicos sobre a
relação entre carne vermelha e câncer e foi preparado por 22
especialistas de 10 países diferentes.
Neste artigo vamos
esclarecer o relatório da OMS, explicando quais são os riscos do consumo
de carnes vermelhas e quais são as diferenças entre o risco de câncer
das carnes vermelhas e do cigarro.
Carnes vermelhas são tão perigosas quanto o cigarro?
Um
dos conceitos que mais causam confusão na população é o real
significado da expressão “fator de risco”. Quando dizemos que
determinado produto ou substância é um fator de risco para o
desenvolvimento de câncer, isso significa apenas que, estatisticamente,
quem consome o tal produto terá mais chance de desenvolver câncer ao
longo da vida. Isso de forma alguma significa que quem consome o produto
obrigatoriamente irá ter câncer ou quem não consome o produto está
livre do risco de ter câncer.
O fato de ser um fator de risco
também não indica obrigatoriamente que o risco é elevado. Se uma
substância aumenta o risco de câncer em apenas 5%, ela não deixa de ser
um fator de risco por causa disso.
LEIA TAMBÉM:
– DOENÇAS DO CIGARRO – Como parar de fumar
– MESOTELIOMA E ASBESTOSE – Doenças do amianto
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A
grande confusão que o relatório da OMS provocou foi o fato das carnes
vermelhas processadas terem sido alocadas no mesmo grupo de risco de
substâncias muito mais perigosas para a saúde, tais como o cigarro, a
radiação ionizante e o asbesto (amianto). A divisão de grupos do IARC é
feita pelo grau de evidências científicas acumuladas e não pelo tamanho
do risco. Ou seja, o que o novo relatório da OMS quis dizer é que
atualmente já há evidências científicas suficientes para afirmar que a
carne vermelha é um carcinógeno com tanta segurança quanto é possível
afirmar que o cigarro é um carcinógeno.
É importante destacar que
apenas as carnes vermelhas processadas (explico mais à frente quais são
elas) foram classificadas como carcinogênicas do grupo I do IACR. As
carnes vermelhas não processadas foram classificadas no grupo 2A, que
significa dizer que os estudos científicos sugerem fortemente que essas
carnes sejam um fator de risco para o câncer de intestino, mas ainda são
necessários mais estudos de qualidade para podermos afirmar isso com
100% de certeza.
O relatório em momento algum diz que as carnes
vermelhas processadas são tão danosas à saúde quanto o tabaco. Só para
se ter uma ideia da diferença de risco, estima-se que, anualmente, em
todo o mundo, cerca de 34.000 mortes por câncer podem estar associadas
ao consumo frequente de carne vermelha processada. Já o cigarro é
responsável por mais de 1 milhão de mortes anuais por câncer e o consumo
de bebidas alcoólicas por mais de 600.000.
Para reforçar ainda
mais a comparação, a Cancer Research UK, uma organização
não-governamental voltada para o estudo do câncer no Reino Unido,
publicou um relatório no qual afirma que se toda a população do Reino
Unido parasse de comer carne vermelha, o número de novos casos de câncer
iria cair em cerca de 8800 por ano. Por outra lado, se a população toda
parasse de fumar, eles teriam menos 64.500 casos de câncer todos os
anos. Ou seja, o cigarro provoca 7 vezes mais casos de câncer no Reino
Unido que o consumo de carne vermelhas. Além disso, cerca de 9 em cada
10 casos de câncer de pulmão são provocados pelo cigarro, enquanto que
apenas 2 em cada 10 casos de câncer de cólon podem ser atribuídos às
carnes vermelhas.
Portanto, apesar do cigarro e da carne vermelha
terem graus de evidências científicas semelhantes para serem
considerados carcinógenos, de forma algum o perigo que eles oferecem à
saúde pode ser equiparado. O cigarro é muito mais danoso à saúde que as
carnes vermelhas.
Qual é o risco de consumir carnes vermelhas em grande quantidade?
O
relatório do IACR apontou que para cada 50 gramas de carne vermelha
processada que um indivíduo consome por dia, ele aumenta o risco de
desenvolver câncer de cólon ou reto em até 18%. Já para carnes vermelhas
não processadas, o risco aumenta 17% para cada 100 gramas consumidas
diariamente. Esse número pode parecer grande, mas trata-se de risco
relativo e não risco absoluto. Vamos pôr em números para facilitar a
compreensão. Nos países ocidentais, a média de casos novos de câncer
entre os indivíduos que consomem baixa quantidade de carne vermelha é de
56 casos para cada 1000 pessoas. Já entre aqueles que consomem grandes
quantidades de carne vermelha, a incidência é de 66 casos para cada 1000
pessoas. Ou seja, para cada 1000 pessoas que deixam de comer carne
vermelha, teremos 10 casos a menos de câncer colorretal.
O
relatório mostra que o aumento do risco de câncer colorretal é pequeno,
mas eleva-se progressivamente conforme a quantidade de carne vermelha
consumida diariamente aumenta. O relatório, porém, não encontrou
evidências suficientes que permitam a estipulação de uma quantidade
segura de carne vermelha que possa ser consumida por dia. Atualmente, o
recomendado é um consumo diário de no máximo 70 gramas de de carne
vermelha (500 gramas por semana no total). Sendo assim, se você hoje
comeu aquele bifão de 200 gramas, o ideal é que nos próximos 3 dias, a
sua fonte de proteínas animal seja ovos, aves ou peixes. Alguns
nutricionistas são mais radicais e sugerem o consumo de apenas 300 mg de
carne vermelha por semana. Infelizmente, como já foi referido, as
evidências científicas nos mostram claramente que a redução do consumo
de carnes vermelhas pode evitar novos casos de câncer, mas os estudos
ainda não conseguiram demonstrar a quantidade exata de carne que pode
ser consumida diariamente ou semanalmente com segurança.
Dúvidas comuns sobre a relação entre carnes vermelhas e câncer
Quais são as carnes que são consideradas carnes vermelhas?
São consideradas carnes vermelhas as carnes de vaca, porco, carneiro, cavalo e cabra.
Quais são as carnes que são consideradas carnes vermelhas processadas?
Carne
processada é qualquer carne que tenha sido salgada, curada, defumada ou
fermentada com intuito de melhorar o sabor ou otimizar a sua
conservação. Neste processo estão incluídos alimentos como: salsichas,
linguiças, salame, presuntos, carne enlatada, bacon e molhos à base de
carne.
Carnes processadas de outros animais, como o peru, também são perigosas?
O
relatório da OMS só diz respeito às carnes vermelhas. Não há evidências
de que as carnes não processadas de peixe, frango e peru provoquem
câncer. Entretanto, quando falamos de carnes brancas processadas
(salgada, curada ou defumada), existem sim algumas evidências de que há
um maior risco de câncer. Estas evidências, porém, não tão fortes como
as da carne vermelha, a ponto de classificá-las no grupo 1.
É indicado parar de comer carne vermelha?
Não,
os estudos não apontam para uma necessidade de interromper
completamente o consumo de carne vermelha. O que os estudos mostram é
que a carne vermelha não é a melhor opção de proteína animal, e que o
seu consumo excessivo está claramente ligado a um maior risco de câncer
do intestino. A carne vermelha pode continuar sendo consumida, mas ela
não deve ser a principal fonte de proteína animal da sua dieta ao longo
da semana.
Se eu parar de comer carne vermelha não posso ter algum carência de vitamina ou nutrientes?
Não,
contanto que a sua dieta seja balanceada, não há nenhuma substância
essencial à nossa saúde que seja exclusiva das carnes vermelhas.
Os
cientistas vivem mudando de ideia sobre as orientações dietéticas, quem
garante que daqui a alguns anos a carne vermelha não deixará de
considerada danosa?
Essa ideia de que a ciência vive
mudando de ideia é, na verdade, consequência da falta de entendimento de
uma parcela relevante da população sobre como a ciência funciona.
Existe uma diferença grande entre consenso científico e aquilo que a
imprensa leiga vive divulgado para a sociedade. Toda e qualquer
recomendação científica deve ser graduada de acordo com o seu grau de
evidência. Quando dizemos que a associação da carne vermelha processada
com o câncer tem nível 1 de evidência, isso significa que a recomendação
é baseada em evidências muito convincentes, o que significa que é muito
pouco provável que no futuro essa orientação possa mudar.
Muitas
vezes vemos estudos de pouca qualidade ganharam destaque na imprensa
leiga simplesmente porque os seus resultados são curiosos ou
inesperados. A ciência não é feita apenas com um ou dois estudos. Um
exemplo simples é o risco de câncer associado ao uso de telefone
celular. Todo mundo já ouviu falar de estudos que apontam para um risco
maior de câncer de cérebro associado ao uso de telefones celulares.
Porém, o que ninguém diz é que nenhum dos estudos foi considerado de
grande qualidade, motivo pelo qual as ondas de radiofrequência dos
celulares são classificadas pelo IACR apenas com grupo 2B, que é o grupo
mais baixo em termos de evidências científicas desta classificação.
Portanto, apesar de existirem alguns estudos sugerindo uma associação
entre câncer e telefones celulares, do ponto de vista científico ninguém
pode afirmar que essa relação esteja comprovada.
Que tipos de cânceres estão associados ao consumo de carne vermelha processada?
O
Grupo de Trabalho da IACR concluiu que a ingestão de carne processada
provoca câncer colorretal. Uma associação com o câncer de estômago
também foi observada, mas, neste caso, as evidências não são conclusivas
até o presente momento. São necessários mais estudos para que possamos
confirmar ou descartar essa associação.
Que tipos de cânceres estão associados ao consumo de carne vermelha não processada?
As
evidências, ainda que não tão fortes quanto as das carnes processadas,
apontam para uma associação da ingestão de carne vermelha não processada
com maior um risco para o câncer colorretal. Há também evidências, bem
mais fracas porém, de que as carnes vermelhas possam também aumentar o
risco de câncer de pâncreas e câncer de próstata (leia: CÂNCER DE PRÓSTATA – Sintomas, Diagnóstico e Tratamento).
https://www.mdsaude.com/2015/11/carne-vermelha.html
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