Porte de droga pode ter nova interpretação da Justiça --
Julgamento no Supremo Tribunal Federal, nesta quinta, pode alterar entendimento sobre o porte de drogas para consumo próprio
A atual legislação, de 2006, prevê penalidades para quem carrega drogas para seu próprio uso.
Uma nova era na política brasileira em relação às drogas pode ter início nesta quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir se o porte de substâncias para consumo próprio é crime ou não. A atual legislação, de 2006, prevê penalidades para quem carrega drogas para seu próprio uso. Atuando no caso de um homem condenado por ter sido apanhado com três gramas de maconha, a Defensoria Pública de São Paulo pediu ao STF que considere esse regramento inconstitucional.
O recurso, que tramita no Tribunal desde 2011, está na pauta desta quinta-feira. Caso os ministros votem pela inconstitucionalidade, o Brasil teria, na prática, uma política em que o tráfico é proibido, mas o consumo fica liberado. Defensores do recurso esperam que o acórdão, que teria peso de jurisprudência, traga uma manifestação taxativa sobre a mudança de abordagem:
– O Supremo vai se pronunciar sobre o porte para uso próprio, mas seria importante uma afirmação clara de que consumir drogas psicotrópicas, assim como consumir álcool e cigarro, não é crime. Pode ser uma besteira, pode ser um erro, mas não é crime – afirma Rubem César Fernandes, secretário-executivo da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD).
Para sustentar sua tese, partidários do recurso da Defensoria Pública afirmam que a lei de 2006 fere o artigo 5º da Constituição, que garante o direito à privacidade e à intimidade.
– A lei penal existe para coibir a ação que causa dano a terceiros. O uso de droga não causa nenhum dano a terceiros. Causa danos apenas à própria pessoa que usa a substância. O direito penal não deve ser usado para coibir algo que a pessoa faz em sua esfera íntima – afirma Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
A possibilidade de que o STF reconheça a inconstitucionalidade preocupa entidades como a Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (Abead), que defende a adoção de uma política baseada em prevenção, tratamento e controle da oferta. Há um mês, Ana Cecília Marques, presidente da entidade, encontrou-
se com o ministro do STF Gilmar Mendes, relator do processo, e defendeu esse ponto de vista. Apresentou dados que apontam para um risco de aumento do consumo e reivindicou maior discussão:
– O ministro nos recebeu, nos ouviu e colocou alguns argumentos, mas era como se a decisão já estivesse tomada. Infelizmente, a sensação é de que vão aprovar isso.
Deputado rejeita argumento da liberdade individual
O deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), presidente da Subcomissão de Políticas Públicas sobre Drogas da Câmara, rebate o argumento de que o consumo é uma questão de liberdade individual, afirmando que ele sobrecarrega outras pessoas, e afirma que descriminalizar o porte seria um primeiro passo para a legalização. O parlamentar entende que descriminalizar a droga significaria, na prática, legalizá-la, devido ao paradoxo que existiria entre a compra não ser crime e a venda ser criminalizada.
Para os defensores da mudança, a legislação atual já é ambígua e deixa margem para decisões baseadas na subjetividade. Ela não estabelece critérios claros para definir o que é tráfico e o que é porte para uso pessoal – o que, dependendo do caso, levaria à prisão de usuários, como se fossem traficantes.
– A lei atual é muito ambígua na diferenciação entre o que é para consumo e o que é para a venda, entre o usuário e o traficante. Estabelece uma pretensa liberalidade com o consumo, um extremo rigor com o comércio e uma zona cinzenta em que não sabe se está lidando com comércio ou com consumo. O agente acaba indo pelas circunstâncias, pela cara das pessoas, o que reforça preconceitos sociais graves – diz Rubem César Fernandes.
Caso o STF se pronuncie pela inconstitucionalidade da lei atual, espera-se que haja definição sobre quais as quantidades máximas que configurariam apenas o porte. Dias atrás, o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reconheceu que as “lacunas legais” para diferenciar traficantes e usuários geram violência e lotação de presídios.
DIÁRIO GAÚCHO COM AGÊNCIAS
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