Como em muitos aspectos da vida, a moda também existe na língua. E, como qualquer moda, depois de algum tempo fica “cafona” e, de tanto ser usada, perde a beleza e a expressividade.
Começamos hoje uma campanha contra os modismos que empobrecem o nosso vocabulário, que tornam nossa linguagem chata e sem graça.
1ª) “A situação do engenheiro já está resolvida a nível de empresa.” Só poderíamos começar pelo modismo campeão. Confesso que julgava o posudo “a nível de” morto e enterrado. Engano meu. Volta e meia ele reaparece, principalmente entre executivos que o utilizam com pose e ar de superioridade, como se estivessem usando alguma expressão que comprovaria o quanto estão atualizados e a sua enorme capacidade intelectual.
2ª) “Vamos estar resolvendo seu problema hoje à tarde”. Que o brasileiro gosta do gerúndio, todos nós sabemos, mas há visíveis exageros. Esse “gerundismo futuro”, provavelmente de influência inglesa, está chato: “vamos estar retornando”, “vamos estar enviando”, “vamos estar depositando”... Vamos simplificar: “retornaremos ou vamos retornar”, “enviaremos”, “depositaremos” e, graças a Deus, “resolveremos seu problema hoje à tarde”.
3ª) “O governo argentino pretende obter novo empréstimo junto ao FMI”; “Este problema só pode ser resolvido junto à gerência”; “O atacante foi contratado junto ao Benfica”. Na minha infância, “junto a” ficava ao lado. Ao que parece mudou. Seria tão mais simples “obter o empréstimo no FMI”, “resolver o problemacom o gerente” e “contratar o atacante do Benfica”. Fora a chatice da repetição, ainda há o perigo da ambiguidade. Que você faria diante da placa “Identifique-se junto à portaria”? Você se dirigiria para a portaria ou para a porta que fica ao lado?
Vejamos mais alguns modismos que infestam nossos textos: “O acidente deixou o saldo de duas vítimas” (os dois coitados morrem e ainda viram “saldo”); “A polícia ainda contabiliza os mortos” (pelo visto contabilidade e morte andam juntas); “A inflação de maio sinaliza novo aumento dos juros”, “O governo ainda não sinalizouuma nova proposta” (a nossa política anda cheia de guardas de trânsito). Não seria mais simples “indicar ou apontar novo aumento dos juros” e “apresentar uma nova proposta”?
Para encerrar, três pérolas: “O problema ficou maior ainda com a desalavancagem das vendas”; “Este novo projeto deve impactar a nossa empresa”; “Amanhã vamos restartar os nossos trabalhos”. Sem comentários.
Uso do gerúndio
Devemos evitar o modismo de usar o gerúndio para indicar ações futuras: “Vou estar depositando o seu salário hoje à tarde”; “O Instituto vai estar realizando um seminário sobre Gestão pela Qualidade no próximo mês”; “Na próxima quarta-feira, ele vai estar fazendo três anos de empresa”.
São frases mal construídas. Não é caso para gerúndio (depositando, realizando, fazendo). A ação verbal está no futuro. Deveríamos dizer: “Vou depositar (ou depositarei)...”; “O Instituto vai realizar (ou realizará)...”; “...ele vai fazer (ou fará)...”
Alguns empregos do gerúndio devem ser evitados:
1ª) Quando as ações expressas pelos dois verbos – gerúndio e verbo principal – não puderem ser simultâneas: Chegou sentando-se. Ou Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, estudando com um amigo padre na infância.
2ª) Quando o gerúndio expressa qualidades e não comporta a ideia de contemporaneidade: Vi um jardim florescendo.
3ª) Quando a ação expressa pelo gerúndio é posterior à do verbo principal: O assaltante fugiu, sendo detido duas horas depois. Seria melhor dizer: O assaltante fugiu e foi detido duas horas depois.
4ª)Quando o gerúndio, copiando construção francesa (galicismo), passa a ter valor puramente adjetivo: Viu uma caixa contendo...A construção mais adequada seria: Viu uma caixa que continha...”
O uso do gerúndio será tão mais impróprioquanto mais se aproxime da função adjetiva, ou da expressão de qualidades ou estados, ou quanto maior a distância entre o tempo da ação expressa por ele e o tempo da ação do verbo principal.
É interessante lembrar que o pior uso do gerúndio é aquele que gera ambiguidade:
“A mãe encontrou o filho chorando.”
(Quem estava chorando? A mãe ou o filho?)
“Ônibus atropela criança subindo a calçada.”
(O ônibus subiu a calçada e atropelou a criança ou o ônibus atropelou a criança no momento em que ela subia a calçada?)
O bom uso do gerúndio:
Gerúndio modal: Chegou cantando.
Gerúndio temporal. Indica contemporaneidade entre a ação expressa pelo verbo principal e o gerúndio: Vi João passeando.
Gerúndio durativo: Ficou escrevendo sua redação.
Gerúndio cuja ação é imediatamente anterior à do verbo principal: Levantando o peso, deixou-o cair sobre o pé.
Gerúndio condicional: Tendo sido publicada a lei, obedeça-se!
Gerúndio causal: Conhecendo sua maneira de agir, não acreditei no que me disseram.
Gerúndio concessivo: Mesmo nevando muito, iria à festa.
Gerúndio explicativo: Vendo que o leme não funcionava, o comandante chamou o mecânico.
Como regra geral, pode-se dizer que o gerúndio está bem empregado quando:
a) há predominância do caráter verbal ou adverbial;
b) o caráter durativo da ação está claro;
c) a ação expressa é coexistente ou imediatamente anterior à ação do verbo principal.
http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/modismos-linguisticos.html
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