sábado, 8 de novembro de 2014

Em tempos de escassez, é papel de todos economizar água – inclusive da indústria

Enquanto lia, deixei cozinhando um macarrão no fogo. Distraída, não senti o cheiro e, quando vi, a panela já estava bem queimada. Para tirar o cheiro e o queimado é preciso que a panela fique de molho e tem que trocar a água várias vezes. Dei meu jeito para evitar o desperdício: estoquei num balde a água que eu ia trocando. Com algum detergente, há de servir para lavar o chão da varanda quando for preciso.

Ligo a máquina de lavar de 15 em 15 dias, ampliei o espaço de tempo também do banho dos cachorros e não gasto mais do que cinco minutos no meu banho, fechando a torneira para ensaboar. A mesma coisa na hora de escovar os dentes, lavar louça etc. Mesmo gostando muito de plantas, hoje só tenho dois vasos pequenos de espécies que não precisam ser aguadas diariamente.

Tudo isso faço há muito tempo, há mais de dez anos, desde quando os jornalistas que estudam o tema da sustentabilidade, como eu, ainda eram chamados de alarmistas ao anunciarem que a água ia começar a faltar em breve.
Leio agora que o Ministério Público Federal está lançando uma campanha nacional chamada “No Fluxo da Vida Cada Gota Conta” para tentar promover uma mudança de hábito dos cidadãos com relação aos recursos hídricos. Já era tempo. As chuvas estão perdendo a força que tinham de promover estoque de água e não foram poucos os desperdícios, o uso irresponsável, a perversa medida de cimentar nascentes de rios para construir empreendimentos. Ver a foto da salinização do Rio Paraíba do Sul, para mim, foi um choque. Fiquei imaginando como deve ser para as populações dos pequenos países-ilha do Oceano Pacífico que estão ameaçados de desaparecerem por inteiro e já têm um território agrícola cada vez menor justamente porque as terras estão ficando salgadas.

Apesar de ser extremamente útil a campanha para conscientização da população no sentido de poupar água, não depende só dos cidadãos comuns. Nem de governos exclusivamente. É preciso também trazer para o centro da mesa de discussões a indústria. As grandes empresas de alimentos e bebidas, setor que, juntamente com a pecuária e a mineração, mais depende da água, já têm se posicionado a respeito há algum tempo. Anunciam publicamente seus incentivos para reuso da água como boas políticas, mas até agora fizeram isso quase como propaganda, para mostrar que trabalham em prol de um futuro sustentável. 

Infelizmente, nesse caso, o futuro é agora. Já não é mais uma questão de opção. Se não fizerem isso, seu negócio vai sofrer um baque.

E também já não adianta muito apontar culpados, mas avaliar se as medidas tomadas, falo dos cidadãos comuns, dos governos e das empresas, vão ter bons resultados para enfrentar a seca que não parece estar muito perto de acabar. Li ontem, numa das inúmeras reportagens a respeito, que mesmo com uma boa quantidade de chuva que está sendo aguardada para novembro e janeiro, vai ser preciso que a água encharque a reserva da Cantareira antes de começar a encher.

Fui ao site da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde há a notícia de que os empresários enviaram um documento à Agência Nacional das Águas (ANA) pedindo regras mais operacionais para o uso da água das bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí, as três afetadas pelo Sistema Cantareira. No meio do texto dessa nota está explícito o dilema: “O setor reconhece que o regime de racionamento é uma decisão técnica necessária, mas que precisa garantir as questões de segurança operacional das plantas industriais”.

Ainda de acordo com o comunicado, 95% das indústrias de São Paulo são de micro e pequeno porte e utilizam a rede pública de água. Nas bacias citadas, mais o Alto Tietê, há 56 mil estabelecimentos, sendo 326 indústrias de grande porte. Muitas captam água diretamente dos rios e, por causa disso, estão sendo diretamente afetadas pela seca, que o texto prefere chamar de “atual crise de abastecimento”. A maioria delas adota práticas de reuso há mais de dez anos, justamente quando se começou a falar em mudanças climáticas.

Fato é que um conjunto de situações perversas – pouca chuva, consequência de mudanças climáticas tão anunciadas pelos cientistas e tão pouco levadas em consideração, com uso irresponsável de água – nos deixou na situação que estamos hoje. Os moradores de Itu, no interior paulista, há oito meses experimentam a mesma sensação que as populações nordestinas no passado, quando não havia um governo com olhar cuidadoso para a região. Entre outras coisas, lá foram criadas as cisternas rurais. Não custa pensar numa espécie de cisterna urbana, não só particular, de casa em casa, mas também nas cidades, criadas pela Prefeitura. Planejar plantio de árvores em praças também ajuda a segurar um pouco mais a chuva, como todos sabemos.

Para ir além da atitude solitária de reusar a água de uma panela queimada é isso mesmo que se precisa: inventar soluções. Com o intuito de colaborar para os cidadãos tomarem decisões, sobretudo na hora de consumir, a organização internacional Water Footprint elaborou uma série de mapas sobre a pegada hídrica – um indicador do uso da água – no período de 1996 a 2005 e concluiu que a agricultura ficou com 92%. E que um quinto da pegada hídrica global são para produtos para exportação. 

Visualizar o uso oculto da água em produtos pode ajudar a criar outras formas de economizar. Para produzir um quilo de carne, por exemplo, segundo um dos relatórios da Rede Water Footprint, são necessários 15 mil litros de água. A pegada hídrica de um hambúrguer de carne é de mil litros, enquanto para o hambúrguer de soja são necessários 160 litros.

Não é um conceito novo, mas talvez possa ser revisitado em tempos de escassez de água. Assim como acredito que sim, as empresas estão fazendo a sua parte. Mas será que não cabem mais iniciativas? Considerando que a agricultura usa tanta água, as grandes empresas de alimento e bebida, sobretudo aquelas que ostentam o título de “mais” isso e aquilo do mundo, deveriam estar agora reunindo todos os seus cérebros (os considerados espertos e aqueles que nem tanto) para criar outras tecnologias.

São tempos mais difíceis mesmo, que vão exigir de todos uma concentração na causa.

*Foto: Seca na represa Jaguari, em São Paulo (Luis Moura/Estadão Conteúdo)

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/em-tempos-de-escassez-e-papel-de-todos-economizar-agua-inclusive-da-industria.html

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