ÉDOUARD CLAPARÈDE, UM PIONEIRO DA PSICOLOGIA INFANTIL
Édouard Claparède cientista suíço defendia a necessidade de estudar o
funcionamento da mente infantil e de estimular na criança um interesse
ativo pelo conhecimento
Na história da educação, o nome do psicólogo suíço Édouard Claparède
(1873-1940) se encontra num ponto de confluência de várias correntes de
pensamento. Em sua formação, ele absorveu influências tanto da
filosofia como da ciência da época. E sua obra favoreceu o
desenvolvimento de duas das mais importantes linhas educacionais do
século 20, a Escola Nova, cuja representante mais conhecida foi Maria
Montessori (1870-1952), e o cognitivismo de Jean Piaget (1896-1980), que
foi seu discípulo.
Muitos pensadores antes de Claparède pregaram a importância de, na
prática pedagógica, se levar em conta os processos mentais e a evolução
das crianças, mas o faziam de um ponto de vista eminentemente intuitivo.
Claparède, ao contrário, tinha formação em medicina e pretendeu
construir uma teoria científica da infância.
Na introdução de seu livro Psicologia da Criança e Pedagogia
Experimental, o psicólogo diz que o ensino precisaria se basear no
conhecimento das crianças tanto quanto a horticultura se baseia no
conhecimento das plantas. "Ele achava que a educação deveria passar por
uma ‘revolução copernicana’, deixando de ter o professor como centro
para gravitar em torno do aluno", diz Regina Helena de Freitas Campos,
professora de psicologia da educação da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Adequação ao ambiente
Claparède defendia uma abordagem funcionalista da psicologia, pela
qual o ser humano é, acima de tudo, um organismo que "funciona". Os
fenômenos psicológicos, para ele, deviam ser abordados "do ponto de
vista do papel que exercem na vida, do seu lugar no padrão geral de
comportamento num determinado momento". Com base nisso, o pensamento é
tido como uma atividade biológica a serviço do organismo humano, que é
acionado diante de situações com as quais não se pode lidar por meio de
comportamento reflexo. "Claparède defendia o estudo dos processos
psicológicos como funções de adaptação ao ambiente", afirma Regina
Campos.
Esse raciocínio levou Claparède a formular a lei da necessidade e do
interesse, ou princípio funcional, que o tornou conhecido. Segundo ela,
toda atividade desenvolvida pela criança é sempre suscitada por uma
necessidade a ser satisfeita e pela qual ela está disposta a mobilizar
energias. "O interesse é considerado a tradução psicológica da
necessidade do sujeito", explica Regina Campos. Cabe então ao professor
colocar o aluno na situação adequada para que seu interesse seja
despertado e permitir que ele adquira o conhecimento que vá ao encontro
do que procura.
"É a necessidade que põe em movimento os indivíduos - animais e
homens - e que faz vibrar os estímulos interiores para suas atividades",
escreveu Claparède. "É isso que se pode notar em todo lugar e sempre,
exceto, é verdade, nas escolas, porque estas estão fora da vida."
Aprendizado ativo
Claparède criticava a escola de seu tempo com os mesmos argumentos
do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952) - com quem
compartilhava a pregação por uma escola que chamavam de "ativa", na qual
a aprendizagem se dá pela resolução de problemas - e dos pedagogos do
movimento da Escola Nova. Todos eles condenavam a escola tradicional por
considerar o aluno como receptáculo de informações e defendiam a
prioridade da educação sobre a instrução. "O saber não tem nenhum valor
funcional e não é um fim em si mesmo", defendia Claparède.
Surge com esses pensadores a noção de que a atividade, e não a
memorização, é o vetor do aprendizado. Daí a importância que Claparède
conferia à brincadeira e ao jogo. Eles seriam recursos na estratégia de
despertar, no ambiente da escola, as necessidades e os interesses do
aluno. "Seja qual for a atividade que se queira realizar na sala de
aula, deve-se encontrar um meio de apresentá-la como um jogo", sugeriu
Claparède. "Ele sustentava a idéia, totalmente nova para sua época, de
que o sujeito psicológico é um sujeito ativo", diz Regina Campos.
Segundo o psicólogo, conforme a criança cresce, a idéia de jogo vai
sendo substituída pela de trabalho, seu complemento natural.
Como os demais defensores da escola ativa, Claparède condenava o
ensino de seu tempo por não dar suficiente infra-estrutura aos
educadores para uma prática profissional metódica, amparada pela ciência
e que permitisse a atualização constante. Mas ele tinha uma visão bem
mais utilitária da escola do que seus pares. Em vez de dar à criança
condições de viver da melhor forma possível a infância, ele acreditava
que a escola deveria priorizar o "rendimento" do aluno, ou seja,
justificar os recursos fartos que, naquela época, os governos europeus
começavam a canalizar para a educação. A escola, segundo Claparède,
deveria formar bons quadros profissionais para servir a uma sociedade
que investia nessa formação. O cientista defendia até uma atenção
diferenciada para os estudantes que se revelassem mais aptos, de tal
forma que pudessem ser submetidos a exigências maiores em classes
constituídas apenas de "bons alunos".
Escolas talhadas para os alunos
Claparède justificava sua proposta de uma "escola sob medida"
(título de um de seus livros) dizendo que, na impossibilidade de haver
uma escola para cada criança ou para cada tipo de inteligência, o
sistema mais próximo disso seria o que permitisse a cada aluno
"reagrupar o mais livremente possível os elementos favoráveis ao
desenvolvimento de suas condutas pessoais". Para isso, o psicólogo
pregava reduzir o currículo obrigatório a conteúdos suficientes para a
transmissão de um conhecimento que constituísse "uma espécie de legado
espiritual de uma mesma geração", deixando a maior parte do período
letivo para atividades escolhidas pelo próprio aluno. Claparède
recomendava ainda a adoção de outras estratégias, isoladamente ou
combinadas, para o melhor aproveitamento das potencialidades
intelectuais dos alunos, como as classes paralelas (uma para os
estudantes mais inteligentes, outra para aqueles com maior dificuldade
de aprendizado) e as classes móveis (que dariam a possibilidade de um
mesmo aluno acompanhar diferentes disciplinas em ritmos diferentes, mais
acelerados ou mais lentos, de acordo com suas aptidões).
Para pensar
Com sua abordagem funcionalista, Claparède foi um dos primeiros
cientistas a chegar a uma conclusão a que outros pensadores, de
diferentes escolas, também chegaram: o que diferencia o ser humano dos
outros animais é a capacidade de transformar a natureza (e os ambientes
que o cercam em geral). "É isso que produz cultura", diz a psicóloga
Regina Campos. Portanto, é preciso promover atividade na escola para que
as crianças construam seu acesso ao aprendizado. Você, professor,
costuma ter isso em mente? Você tem o hábito de observar que tipo de
atividade faz com que seus alunos transformem necessidade em interesse? E
costuma dar condições para que eles possam satisfazer a curiosidade?
Quer saber mais?
Dicionário Biográfico da Psicologia no Brasil, Regina Helena de Freitas
Campos (org.), 464 págs., Ed. Imago, tel. (21) 2242-0627, 88 reais
Educação Funcional, ÉdouardClaparède, 322 págs., Cia. Ed. Nacional (edição esgotada)
Psicologia da Criança e Pedagogia Experimental, ÉdouardClaparède, 539 págs., Ed. do Brasil (edição esgotada)
http://dani-alfabetizacaodivertida.blogspot.com.br/2014/10/edouard-claparede-um-pioneiro-da.html
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