A gente inventa um tempo, planeja, decide.
Organiza e se prepara.
Veste-se de expectativas.
Aí vem a chuva, o pneu fura, a meia calça rasga.
A gente gagueja, perde o vôo, perde a fala
Ouve um não e acha que é o fim,
que tudo está acabado, fadado a terminar assim.
O mundo de repente fica cinza.
O coelho foge da Lua.
Nenhum lugar é confortável, nada é interessante.
A chuva vai caindo
e da janela dá pra ver tudo que ela vai destruindo:
os enfeites de papel crepon, os bonequinhos de papié maché,
os vazinhos de argila e a varinha de condão de cartolina.
As pessoas correm,
num êxodo tresloucado e nem se lembram da menina.
Ela fica ali parada.
Com o vestidinho encharcado
vendo toda a confusão, olhando pro nada.
A menina chora.
Alguém tenta falar com ela, tirá-la da tempestade,
“venha para o coberto, você vai se resfriar”.
E a menina chora.
Arranca do bolo destruído
aquela velinha apagada
e sai correndo sem rumo,
sozinha e toda molhada.
Corre, corre, corre.
Chora sem sairem lágrimas.
Grita, esbraveja, não entende.
Dá soco no ar, murro na árvore,
pontapé na grama e aquilo não passa.
A menina não sabe o que sente, nem sabe deixar de sentir.
O tempo passa.
Todos os anos, por toda sua vida nos seus aniversários,
alguém relembra a história e conta dando risada.
Ela faz que nem lembra direito
e finge que acha engraçado.
Mas ela sabe que a chuva é doída,
muito mais do que molhada,
quando cai apagando a chama de uma vela que era encantada.
Ela estava de olhos fechados, fazendo o pedido mágico:
queria ganhar uma estrela.
E a chuva apagou seu sonho,
com uma gota certeira.
Hoje é aniversário dela,
ela não quer bolo e nem vela.
Quer agora um cometa que a leve de volta pro seu planeta
que é menos chuvoso e bem mais perto do céu.
Olhando da janela, ela faz o novo pedido
e sabe que será atendido.
Então ela continua escrevendo,
inventando a história perfeita
era uma vez uma menina que tinha uma estrela
que morava no teto do seu quarto.
Hoje a menina não é mais menina,
não tem medo da chuva, não faz planos,
não usa relógio, nem se organiza com antecedência.
Ela é dona da sua história e de muitas outras estórias.
Cria essências, tempos e espaços.
Faz um arco-íris aparecer e um cachorro falar,
uma borboleta ir à escola e um lápis dançar.
Uma estrela ela nunca teve, mas tem o dom de encantar.
Sonha alto, escreve tudo e ensina a sonhar.
A menina, que agora é mulher,
aprendeu a se deixar levar,
aceitar todos os seus “eus” e jamais ter medo de mudar.
Ela descobriu sua missão:
tocar vidas com sua caneta encantada
e devolver a elas o poder de se reinventar!
Fonte:
Título original: A chuva e a Menina de Paula Santomauro
Blog Saltitando com as Palavras
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