sábado, 8 de novembro de 2014

Pesquisa diz que só 36% das empresas têm ações sustentáveis concretas


Uma pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral com mais de 400 empresas mostra que 78% delas afirmaram que a preocupação com o tema sustentabilidade está na estratégia de negócios, mas apenas 36% têm ações concretas nesta área. Essas mesmas companhias que formam os 78% ainda percebem ações voltadas para a sustentabilidade somente como uma valorização de sua marca e imagem. O resultado do estudo será mostrado nesta terça-feira (30) em evento organizado pelo Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) na sede da Bovespa, em São Paulo.

Como uma espécie de “segundo resultado positivo”, ou seja, além do impacto na imagem, os executivos enxergam a melhoria de seu relacionamento com o público de interesse de suas empresas. Sessenta e oito por cento responderam que sim, uma gestão voltada para os cuidados com meio ambiente, com o social, focada numa proposta diferente de desenvolvimento econômico, além de valorizar a marca e a imagem, cria mídia positiva, motiva seus funcionários e melhora seus processos. Mas só 42% apostam nisso como uma forma de aumentar a margem de lucro da empresa.

No post anterior, eu mencionei rapidamente que o sociólogo Betinho, quando lançou sua cruzada contra a fome nos anos 90, chamou as empresas públicas para colaborarem. Muitas aceitaram. Depois foi a vez de as corporações privadas serem lembradas por ele de que não conseguiriam fazer seu negócio avançar de forma saudável numa sociedade miserável. Simples assim.

Antes mesmo da iniciativa de Betinho, porém, a Rio-92, conferência mundial sobre meio ambiente organizada pela ONU, já tinha conseguido produzir no setor empresarial uma espécie de tomada de consciência. O livro “Mudando o rumo – Uma perspectiva empresarial global sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente”, escrito pelo suíço Stephan Schmidheiny, é um documento assinado por 48 empresários que assumem sua preocupação com o futuro dos negócios num planeta que, já naquela época, mandava nítidos sinais de que seus recursos, uma hora, vão acabar.

No livro há trechos como este: “As florestas proporcionam muitos benefícios, mas, ao explorá-las, tanto os governos como as empresas privadas tendem a se concentrar nos valores materiais mais óbvios dos produtos florestais – geralmente a madeira – excluindo o ecossistema e os serviços sociais – porque os serviços sociais proporcionados por elas raramente tinham um valor de mercado. Consequentemente, as florestas dos países em desenvolvimento declinaram em quase a metade neste século”. É ou não é uma tomada de consciência?

Pois então. Os empresários que assinaram esse documento faziam parte do Business Council for Sustainable Development, que aqui no Brasil é, justamente, o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), associação civil fundada em 1997 e que vai sediar o encontro desta terça, quando lançará dois guias de sustentabilidade que preparou com o objetivo de ajudar empresas a “tornar a gestão sustentável transversal a todos os departamentos de uma companhia”. É mais uma tentativa de incentivar as corporações a entenderem a mensagem que vem sendo transmitida há mais de duas décadas. Juntar-se-á ao chamado de Betinho, aos indicadores do Instituto Ethos (criado em 1998) e, é claro, nunca será demais. 
A torcida é para que as empresas percebam que não dá para fazer mais “business as usual” sem pagar um preço alto por isso.

O Cebds fez uma espécie de diagnóstico, priorizou dez áreas sensíveis ao tema nas empresas e confeccionou os guias. Nesta terça serão lançados um para a área de finanças e outro para a área de gestão de pessoas. Nesse último, por exemplo, a dica do Conselho para as empresas é que elas reflitam sobre a importância de perceber que “cada empregado é um multiplicador da companhia e, com ele, é possível extrapolar as paredes da empresa, sensibilizando stakeholders e fortalecendo o tecido social onde a organização atua”.

Há um trecho da pesquisa da Fundação Dom Cabral, que será lançada junto com os guias, que mostra que a área de sustentabilidade das empresas geralmente fica desconectada com o resto da companhia. É como se ali fosse uma “ilha” de pessoas “do bem, que abraçam árvores”. Quase duendes, com quem é bom ter contato, mas que não se pode levar muito a sério. Como se vê isso por aí...

Essa desconexão pode atrapalhar a visão sistêmica que se quer das empresas, para que elas projetem um desenvolvimento econômico com a possibilidade de diminuir a desigualdade e impactar menos o meio ambiente. Quando peguei o livro de Schmidheiny, uma edição de 1992 da Fundação Getulio Vargas, percebi que eu havia marcado um case especial, dos muitos citados pelo autor, que para mim é emblemático e expõe a incoerência já detectada por muitos estudiosos que se debruçam a analisar os esforços legítimos que as corporações fazem no sentido de obter uma gestão sustentável.

Vejam só: a Shell conta no livro que, em 1953, se instalou na Nigéria, no delta do Rio Niger, onde descobrira petróleo. Em 1958 produzia 6 mil barris/dia e esta quantidade aumentou para 1 milhão de barris/dia em 1973. Durante quase 20 anos de exploração, diz o texto, a empresa trabalhou com operários que chamava de “expatriados”. Até perceber que era melhor ensinar os nigerianos a fazerem o trabalho e assim aumentar o emprego e renda local.

No “caso de sucesso”, a empresa é aplaudida pela iniciativa de ter aumentado de 379 para 1.530 nigerianos como funcionários desde que se deu conta disso – de 1970 a 1990. Isso é bom mesmo. Mas não há no texto sobre essa “tomada de consciência social” demonstrada pela empresa nenhuma menção ao tremendo passivo de poluição que a empresa provocou no Rio Niger, hoje internacionalmente conhecida. E, sim, naquela época, quando relatou sua boa iniciativa de contratar empregados locais, ela já estava sendo alvo de denúncias e de manifestações por causa do desastre ecológico que suas atividades provocaram no rio. Note-se que o problema causa danos não só ao meio ambiente, mas à população, que sofre inclusive com poluição da água potável.

É essa complexidade de pré-ocupações que as empresas precisam dar conta para mudar, dramaticamente, o jeito de fazer negócio. Acabo de receber um livro que havia encomendado, “Creating a Sustainable and Desirable Future” (Ed. World Scientific), com vários artigos de professores, executivos, físicos, CEOs, chamados para pensar sobre como seria esse mundo – sustentável e desejável – em 2050. É uma espécie de futurologia, mas impressiona porque, de fato, os textos tendem a ser bem lógicos. Sobre a indústria, por exemplo, o artigo diz que a mudança será dramática. “A indústria será baseada em circuitos curtos, fechados”, o que levará a medidas bem diferentes daquelas com as quais estamos acostumados. Vejam um trecho:

“O livre fluxo de informações causará impressionantes inovações, muitas vezes tornando patentes obsoletas. Algumas indústrias manterão substanciais economias de escala, utilizando menos recursos por unidade na produção em grandes fábricas. Ainda existirão grandes corporações, mas muitas estarão estruturadas de forma a ampliarem a representação em conselhos regionais e, em certos casos, provocar o poder público, o trabalhador comum. As empresas vão reconhecer sua responsabilidade para produzir um benefício social e não meramente um lucro privado.”

O bom negócio é ser pequeno, já ensinava o economista alemão Ernst Schumacher, morto em 1977, que dizia que um sistema que se baseasse apenas na busca da riqueza é insustentável. E vamos nos dando conta de que sua teoria pode estar cada vez mais próxima daquilo que se imagina como o futuro desejável.

*Foto: vazamento de petróleo no Rio Niger, na Nigéria. (Foto: Sunday Alamba/AP)

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/pesquisa-mostra-que-so-36-das-empresas-tem-acoes-sustentaveis-concretas.html

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