sábado, 8 de novembro de 2014

Alemanha tem pacote ambicioso para virar uma economia de baixo carbono


Berlim se vende o tempo todo como uma cidade dos contrastes, que está construindo um novo futuro. Não é para menos. As construções estão em cada esquina. Parece impossível tornar a cidade ainda mais linda, mas eles vão conseguir. Até um castelo estão reconstruindo.

Os contrastes eram bem evidentes há 25 anos, quando o Muro de Berlim foi destruído e unificou duas ideologias, dois sistemas econômicos bem distintos. Hoje eles ainda existem, mas menos visíveis, na forma como o governo da Alemanha está pensando em escrever sua história no futuro, planejando uma economia de baixo carbono e sem uso de energia nuclear.

O consumo excessivo, imposto por um padrão alto e hábitos sofisticados, colocou o país entre os maiores poluidores do mundo. E a primeira coisa que chama a atenção de uma pessoa conectada com o tema do meio ambiente quando o avião sobrevoa Berlim é, justamente, a fumaça branca de uma usina de carvão. A imagem é forte. Como se sabe, o carvão é altamente poluente e foi uma das questões que impulsionou o debate em Estocolmo, na primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente em 1972. E aquela fumaça branca sendo expelida por enormes torres de longe parece bem perto de turbinas geradoras de energia eólica, também frequentes na paisagem.

Esse é um contraste que não ajuda em nada o país a trilhar o caminho que está escolhendo. Se depender dos ambientalistas que estão no governo, a Alemanha vai liderar a conferência global do meio ambiente que vai acontecer em Paris em 2015, mostrando o pacote mais ambicioso de medidas rumo a uma economia de baixo carbono.

Na terça (14) pela manhã, com um clima ameno e um dia claro, que têm favorecido muito a viagem tão corrida, estivemos no escritório onde funciona o Ministério para o Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construções e Energia Nuclear e fomos recebido por um assessor do ministro, Simon Marr. Ele preferiu não gravar entrevista justamente porque não estava ali falando em nome da pasta, mas foi muito gentil e fez uma apresentação sobre o que é o programa alemão de baixo carbono. Muito do que escrevi no post anterior faz parte do projeto e, segundo Marr, as iniciativas são corajosas e vão precisar ser encaradas muito seriamente pelos políticos para que realmente deem certo.

A medida mais ousada será tirar para sempre da vida dos alemães a energia nuclear a partir de 2022. Nesse sentido, o acidente que ocorreu em Fukushima, no Japão, em 2011, está servindo como exemplo do que pode acontecer com os alemães se continuarem a se arriscar. O carvão também vai ser diminuído, e a ideia será seguir o exemplo de países como Estados Unidos e Reino Unido, incentivando a captura e o sequestro do carbono. Simon Marr fez um adendo, lembrando que Alemanha tem como vizinha a Polônia, país cuja economia é extremamente dependente do carvão. Incentivá-los a deixar essa prática também é uma medida proposta e árdua, para dizer o mínimo.

De fato, uma das tarefas mais delicadas do programa alemão será convencer os outros ministros de que, mesmo num momento em que há um desconforto econômico no país, será preciso investir dinheiro para subsidiar a indústria local no sentido de ajudá-la a criar tecnologias para tais medidas. Até onde eu percebi na fala do assessor, não será muito fácil, embora haja o comprometimento de alguns. Fato é que o rascunho do projeto já está pronto e será mostrado a cada um neste mês e em novembro. A mensagem principal é que será cada vez mais lucrativo ter uma energia mais limpa. Mas é um assunto delicado.

O clássico “comando e controle”, sistema que pune e vigia no capitalismo, não é suficiente aqui, acredita Marr. Na hora em que ele falou sobre isso eu me lembrei da entrevista que fiz em 2007 com a ex-primeira ministra da Noruega Gro Brundtland, quando ela esteve no Brasil. Ela foi responsável pelo primeiro relatório assinado por 21 países industrializados, reconhecendo a necessidade de se caminhar por outro tipo de desenvolvimento, diferente daquele que vinha sendo empregado até então. O relatório Brundtland foi publicado em 1987 e chamou-se “Nosso Futuro Comum”. Quando perguntei a Brundtland como ela tinha conseguido fazer com que as empresas baixassem suas emissões, ela me respondeu de maneira curta e direta: “Cobramos multas daquelas que não fizeram seu dever”.

Quase 30 anos depois, a Alemanha não pretende punir aqueles que não empregarem tecnologias para ajudar o país a baixar emissões. Antes disso, será preciso que o governo invista dinheiro e pague para que as empresas façam o que deve ser feito e que, no fim das contas, vai acabar sendo bom para todos. A proposta é que aquelas que não fizerem nada, mesmo com o incentivo, sejam retiradas da lista de beneficiadas.

Somos dezesseis pessoas no grupo, de diferentes nacionalidades, de diferentes profissões. A viagem toda foi organizada pelo instituto Ecologic, cujo interesse é fomentar esse tipo de debate com outras pessoas para que seja possível trocar experiências. Nesta terça à noite, depois do jantar, saímos para uma caminhada pelas redondezas do hotel e conversamos sobre este novo modelo civilizatório que parece estar já espancando, não mais batendo, à porta dos países sem que, de fato, alguém lhe libere completamente a entrada.

Não há como negar que o clima está mudando, que o aquecimento é resultado direto das emissões de gases e que o resultado disso nós já estamos assistindo, sob a forma de eventos extremos catastróficos. Para os países ricos, como a Alemanha, que não questionam o modelo econômico, a saída é mostrar ao mundo financeiro e corporativo que será possível investir e continuar lucrando, mesmo optando por fontes renováveis de energia.

A segunda tarefa delicada será convencer os consumidores a mudarem seus hábitos. Se isso é difícil aqui, no mundo dos países industrializados, onde todo o conforto já foi garantido às populações, imaginem nos países pobres, onde só agora as pessoas estão começando a ter acesso a bens e serviços melhores. A questão da mobilidade urbana ilustra bem isso. Sair do aeroporto em Berlim e chegar a qualquer canto da cidade é extremamente fácil porque tem transporte ferroviário eficiente. Assim mesmo, muita gente ainda prefere o carro. Pensando no nosso modelo de transporte urbano caro e totalmente ineficiente, fica fácil entender que o desafio é grande.

Continuo por aqui. Hoje, quarta-feira, já há novos encontros agendados com outros especialistas. O debate segue em frente e vou dando notícias. Até sexta-feira.

*Fotos: Amelia Gozalez

**A jornalista viajou a convite do consulado da Alemanha.

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/alemanha-tem-pacote-ambicioso-para-virar-uma-economia-de-baixo-carbono.html

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