domingo, 26 de janeiro de 2014

A Expansão Islâmica.

Por Mônica Muniz 
Após a morte do Profeta, seguiu-se um momento de confusão na recém formada comunidade islâmica. Eram muitos os problemas. A forma de sucessão não tinha sido definida claramente, o império expandia-se rapidamente, novos territórios iam sendo incorporados e algumas alianças que o Profeta havia estabelecido com as diversas tribos estavam ameaçadas. Algumas dessas tribos não rejeitavam o aspecto profético de sua mensagem, mas questionavam o poder político de Medina. 
O processo de expansão das fronteiras era rápido e tornava-se necessário encontrar uma forma eficiente de governar uma tão grande extensão de terras. No início, a autoridade era exercida a partir de bases fortificadas construídas em pontos estratégicos. Na Síria já existiam algumas cidades, mas novos acampamentos foram criados em Basra e Kufa, no Iraque, em Fustat, no Egito, e outros na fronteira nordeste do Corassã, na Ásia. Esses campos eram centros de poder e atraíam imigrantes da própria Arábia e das terras conquistadas, e com o tempo, transformaram-se em cidades importantes. Esses assentamentos ligavam-se ao califado em Medina por intermédio de estradas internas. A comunidade estava composta por grupos heterogêneos. Faziam parte desses grupos antigos companheiros do Profeta, havia também um grande contingente da aristocracia de Meca e de famílias tradicionais da cidade de Taâ?Tif, próxima a Meca. Por outro lado, à medida que as conquistas prosseguiam, a comunidade ia incorporando outras tribos, que se mesclavam umas com as outras. 
Apesar da coesão entre as diversas tribos e entre os novos convertidos, a comunidade estava dividida por diferenças pessoais. Os companheiros do Profeta olhavam com desconfiança para os recém convertidos, antes ferrenhos opositores e que agora tinham ascendido ao poder. As elites de Meca e Medina viam o centro do poder sendo deslocado para as terras mais populosas e mais ricas da Síria e Iraque, onde os governadores lutavam por mais autonomia e independência e havia também os descontentes com os rumos que a direção do califado estava tomando. Entre estes, estavam os carijitas (khawarij, aqueles que se retiram), um grupo de radicais puritanos que tinham retirado seu apoio a â?~Ali e questionavam o direito hereditário de governar o califado. Estes, por sua vez, confrontavam-se com os xiítas, que defendiam que o califado deveria ser governado por membros da família do profeta. Os carijitas chegaram a formar um exército próprio e a eleger um califa, mas foram derrotados por â?~Ali. 
Foi no califado de â?~Ali, que se deu a grande ruptura da comunidade islâmica. A eleição de â?~Ali, um hashemita, como Califa, encontrou forte oposição por parte de Muawiya, um omíada, que era governador da Síria, e que se recusou a aceitar a autoridade de â?~Ali. 


Seguiu-se, um período de guerra civil. A situação em Hijaz (a parte da Arábia onde estão situadas Meca e Medina) tornou-se tão problemática que 'Ali, por questão de estratégia, mudou a capital para Kufa, enquanto os dissidentes foram para Basra, no Iraque. A mudança da capital provocou mais descontentamentos em Medina. 


Tendo vencido seus oponentes, â?~Ali passou a enfrentar um desafio maior, na pessoa de Muawiya, agora abertamente contra ele. Os dois se enfrentaram em Siffin, no nordeste da Síria, numa batalha sem vencedores. A questão foi resolvida num processo de arbitrtragem que trouxe consequências para a autoridade de 'Ali, que teve que aceitar o governo "de fato" de Muawiya na Síria. 


Muawiya era um homem poderoso, governava a Síria, tinha o seu próprio exército e era o chefe da Casa Omíada. Com o passar do tempo, ele foi cada vez mais liderando os sentimentos de insatisfação que dominavam Medina. A autoridade de â?~Ali foi enfraquecendo e ele acabou assassinado em 661, numa conspiração armada pelos carijitas. â?~Ali foi o último dos califas a representar o verdadeiro conceito islâmico de governante, ou seja, aquele que combina as funções de chefe de estado com as de líder espiritual. 
Muawiya proclamou-se califa, inaugurando a dinastia omíada, com capital em Damasco, que governou o mundo muçulmano por 90 anos, de 661 até 750. Ainda que não possuísse as qualidades de um chefe religioso, ele foi um administrador eficiente e mesmo seus críticos são unânimes em afirmar que ele foi um grande estadista. Durante seu governo a Ifriquia (Tunísia, Marrocos e Argélia) foi conquistada e foi fundada a cidade de Cairuan, na Tunísia. Seguindo em direção à Ásia, os muçulmanos completaram a conquista de Corassã e chegaram ao território que hoje corresponde ao Afeganistão, ocupando Cabul. Muawiya construiu uma linha de fortalezas ao longo da fronteira, o que ajudava a manter os bizantinos afastados. Herdeiro dos estaleiros bizantinos da Síria, ele criou a primeira marinha do califado, e com ela chegou a atacar Constantinopla. 


Apesar de todas as suas realizações, Muawiah jamais foi capaz de conciliar a oposição ao seu governo, nem de solucionar o conflito maior com os xiítas. Essas questões não se resolveram enquanto ele viveu, e, depois de sua morte, em 680 d.C, os partidários de 'Ali, espalharam-se pelo norte da África e Espanha, criando governos autônomos e independentes do Califado central. 


Quando morreu, Muawiya foi substituído por seu filho, Yazid, iniciando-se, assim a sucessão hereditária. A indicação de Yazid encontrou forte oposição por parte de Husein, filho mais novo de â?~Ali e neto do Profeta. Husein liderou uma revolta contra Yazid, que culminou com a morte de Husein e de seu grupo, no evento que ficou conhecido como a Tragédia de Kerbala. A consequência imediata foi o ressurgimento da resistência xiíta que determinaria a queda da dinastia omíada em 750 e o surgimento da dinastia abássida. 


A história islâmica não fez muita justiça aos omíadas, talvez em razão das disputas de Muawiya contra â?~Ali e por causa da trágica morte do neto do Profeta. 
Além do mais, muito dos relatos referentes a esse período foram escritos no período abássida, por cronistas que não conseguiram vencer suas diferenças ao relatar os acontecimentos. 
Mas o fato é que a dinastia omíada em Damasco promoveu importantes realizações e imprimiu ao califado, pela primeira vez, uma feição político-administrativa centralizada. Com os omíadas, começa o que se convencioou chamar a Idade de Ouro do Islam. Foi nesse período que o império atingiu o auge de sua expansão territorial. O país prosperou econômica e intelectualmente. O comércio exterior expandiu-se e intelectuais judeus e cristãos, muitos deles de origem grega, encontraram espaço no califado, onde estudaram e praticaram medicina, alquimia e filosofia. 


Expansão islâmica durante o Califado de Damasco








Com Abd al Malik (685-705), o quinto califa, os omíadas conquistaram o Sind e fundaram o primeiro estado muçulmano na Índia. É a partir de Abd al Malik que a administração do império passa a ser centralizada, é criada uma estrutura burocrática, o árabe é introduzido como a língua oficial do califado e a moeda é unificada. Merece destaque o fato de os omíadas terem introduzido um novo estilo de cunhagem. No lugar de moedas mostrando figuras humanas, as novas traziam cunhadas inscrições em árabe que proclamavam a unicidade de Deus e a verdade da religião revelada a Mohammad. O serviço postal foi organizado e foi criado um sistema de arrecadação de impostos. A historiografia, a ciência canônica, a gramática e a arquitetura árabes surgiram com os omíadas. 


Dinar de 692/694, com inscrições em árabe


Os omíadas também foram responsáveis pela construção de prédios monumentais. É desse período a construção da Mesquita de Al-Aqsa, a primeira obra-prima da arte muçulmana, cujo objetivo foi o de expressar a fé revelada no Alcorão. A mesquita compreende duas estruturas: a Grande Mesquita de Omar e a Cúpula do Rochedo, no Templo do Monte, em Jerusalém. Mais ao sul do monte, os omíadas construíram um complexo de palácios e prédios públicos que se estendia por uma ampla área. 


A Cúpula do Rochedo foi construída por Abd al-Malik, em 691, sobre as ruínas de um templo romano. Localizada no sítio mais sagrado do mundo antigo, a mesquita é carregada de simbolismo político e religioso. Do ponto de vista político, significou a implantação do domínio islâmico, a superioridade do Islam sobre judeus e cristãos, o "povo do livro", e simbolizou o fim de uma tradição que deveria ser absorvida pelos novos valores islãmicos. 


A Cúpula do Rochedo, em Jerusalém, séc. VII
Do ponto de vista religioso, o local é sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos. A construção é composta de pilares que circundam uma enorme rocha localizada no centro. Na tradição judaica, a pedra representa a fundação simbólica a partir da qual o mundo foi criado. Ali foram construídos seus dois grandes templos da era bíblica., sendo que o Muro das Lamentações é tudo o que restou depois da destruição pelos romanos, em 70 d.C. Para os cristãos, trata-se do lugar onde Jesus teve sua entrada proibida pelos líderes religiosos judeus. Para os muçulmanos, é o lugar para onde, segundo o Alcorão, Mohammad foi transportado em sua mística viagem noturna (Israâ?T). "Glorificado seja Aquele (Deus) que, durante a noite transportou seu servo (Mohammad), tirando-o da Sagrada Mesquita (Meca) e levando-o à Al-Aqsa (Jerusalém)" -- Alcorão 17:1. Daí ser considerado o terceiro lugar mais sagrado do mundo muçulmano, depois de Meca e Medina. Além do mais, representa a inserção do Islam na linhagem de Abraão, por intermédio de Mohammad. As inscrições em árabe proclamam a unicidade de Deus e declaram que Deus e Seus anjos abençoam o Profeta. 


Para o filósofo e pensador francês, Roger Garaudy, a "Cúpula do Rochedo representa o primeiro exemplo extraordinário da visão islâmica de mundo. O lugar onde ela foi construída, a estrutura do prédio, suas dimensões e proporções, as cores que a iluminam, seus contornos externos e a harmonia do interior, tudo é representativo da fé que inspirou sua construção." 


Pilares que circundam a rocha no interior da Cúpula do Rochedo


Abd al-Malik foi também o responsável pela construção da Mesquita de Damasco, que se caracteriza por suas paredes altas e a beleza de seus três minaretes e cúpula. A construção introduz a mais típica arquitetura islâmica que representou o estilo árabe de mesquita: um grande pátio aberto, limitado por arcadas em três lados e uma sala de orações coberta ao lado da qibla, que mostra a localização de Meca. Nos panéis de mosaicos foram utilizados vidro colorido e dourado. Ela foi construída em cima das ruínas do que foi local de adoração, primeiro dos sírios pré-islãmicos, depois um templo pagão romano e mais tarde uma igreja cristã dedicada a João Batista. Quando Abd al-Malik decidiu construir uma mesquita que expressasse toda a grandeza do califado, ele negociou com a comunidade cristã de Damasco e mandou construir uma outra igreja para que eles abrissem mão daquele espaço. Esta mesquita representa a síntese dos diversos elementos culturais romanos, helênicos e asiáticos, que deu origem às novas formas de expressão que viriam caracterizar toda a arte islâmica. São os mesmos elementos encontrados nas mesquitas de Alepo, na Síria, Medina, na Arábia, Cairuan, no Magrebe, e em Córdoba, a capital islâmica da Espanha. 


Mesquita de Damasco, séc. VIII


Também característico desse período, são os "castelos do deserto", um produto do processo de assimilação com os povos das províncias conquistadas. Contrariamente ao que se diz, tais palácios não eram destinados ao refúgio dos nobres omíadas com a nostalgia do deserto, mas serviram de importantes centros de desenvolvimento econômico em regiões, à época, altamente prósperas e férteis. 


A oposição aos omíadas, na verdade, significou a divisão do Islam entre sunitas, os seguidores das sunas do profeta, e xiítas, partidários de â?~Ali. Os muçulmanos xiitas faziam uma distinção entre autoridade religiosa e autoridade política. O imam deveria ser o líder da comunidade, a quem cabia interpretar a lei moral islâmica e tinha que ser um descendente direto do Profeta. Os sunitas, por sua vez, achavam que o consenso da comunidade, ou dos sábios religiosos, é que deveria guiar a comunidade muçulmana. 


Com o advento dos omíadas, contudo, as preocupações e problemas inerentes à administração de um grande império começaram a prevalecer entre os califas, muitas vezes até às custas das preocupações religiosas, o que incomodou a muitos muçulmanos devotos. Era uma nova civilização que estava nascendo, era uma sociedade em formação e os árabes, que não conheciam uma forma hierarquizada de poder, agora eram a própria classe governante. Governar um império em expansão implicava em compromissos com a lei e o modo de vida islâmicos, mas o rápido crescimento do Islam e o contato com a cultura clássica das províncias romanas conquistadas pelos árabes pareciam diluir esses compromissos. A questão principal era se o mundo árabe seria dominado pelo Islam ou pelas políticas e leis mais antigas dos bizantinos e sassânidas. 
Por volta de 740, o poder omíada rapidamente se deteriorou frente a uma nova guerra civil e a uma coalizão de forças que representavam objetivos diferentes mas unificada na oposição aos omíadas. Esses movimentos foram mais intensos na parte oriental do império, particularmente no Corassã entre grupos de colonos árabes e iranianos. Havia também um sentimento xiíta que, embora não fosse organizado, estava amplamente disseminado. Em 750, descendentes de Abbas, tio do Profeta, alegando direito de sucessão, criaram uma organização composta de dissidentes e formaram um exército que, partindo do Corassã, derrotou o último califa omíada, Marwan II. O líder do movimento, Abul â?~Abbas, foi proclamado o novo califa. Surgia, assim, a dinastia abássida que iria governar o mundo islâmico pelos cinco séculos seguintes.
FONTE:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=244

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