Amigos ou conhecidos?
A chegada super celebrada da rede social Google+ abriu um debate sobre a
diferença entre amigos e conhecidos. Qual é exatamente essa diferença?
"Se um homem não faz novos contatos à medida que avança pela vida,
rapidamente se verá sozinho", disse Samuel Johnson, escritor inglês do
século 18. "Um homem deve cultivar constantemente suas amizades".
Um estudo recente mostrou que ter amigos aumenta expectativa de vida em 50%.
O comentário ganha novo significado na era das redes sociais, quando é
comum que pessoas tenham centenas de "amigos". Mas estes não são amigos
no sentido convencional.
Círculos de relacionamentos
A principal novidade do Google+ é que o site exige que os usuários
arrumem seus contatos em categorias diferentes, ou "círculos". O novo
usuário tem a opção de ter amigos, família ou conhecidos, e é encorajado
a criar novos círculos sob títulos que ele próprio escolhe.
Aficcionados pelo Facebook diriam que é possível criar grupos no
Facebook, mas alguns acham que essa opção é um pouco complicada. O
Google+ parece guiar o usuário por este caminho, para que ele possa
enviar mensagens a contatos específicos.
"Entendo a lógica da divisão do Google. Amigos e família são grupos
bastante isolados um do outro, com os quais você se relaciona de formas
diferentes", diz o professor Robin Dunbar, autor de "De quantos amigos
uma pessoa precisa?".
Ele argumenta que acima de 150 pessoas - grupo feito de "íntimos",
familiares e amigos - o que as pessoas realmente têm são "conhecidos que
cumprimentamos com um aceno de cabeça".
Amigos, pero no mucho
O escândalo de escuta ilegal na Grã-Bretanha, com sua rede de
jornalistas, magnatas da mídia, políticos e policiais, chamou atenção
para a natureza das redes de contatos.
John Yates, que pediu demissão esta semana do cargo de vice-comissário
da Scotland Yard, referiu-se ao ex-executivo do tabloide News of the
World, Neil Wallis, como "amigo", mas não "um amigo do peito". David
Cameron, por sua vez, não teve problemas em chamar seu ex-assessor de
mídia Andy Coulson de "amigo". Mas alguns acham que ele precisa explicar
o que isso significa.
Jeff Jarvis, que escreve o blog BuzzMachine, diz que a distinção entre
conhecidos e amigos não faz diferença online. "Conhecidos é só um
rótulo. Eu não uso".
Os círculos no Google+ são nada mais do que mailing lists modernas, diz
ele. Ele organiza seus contatos no Google+ em círculos com títulos como
"Alemanha", "Mundo" ou "Celebridade".
Ele afirma que se trata de relevância, mais do que privacidade ou intimidade.
"A idéia de que você pode usar esses sites como cofres para seus
pensamentos privados é absurda. Se você tem um segredo, deixe o guardado
na sua cabeça".
Objetivos das redes sociais
As diferentes redes sociais se sobrepõem, mas priorizam coisas
diferentes. Na verdade, o Facebook já permite que os usuários agrupem
seus contatos, apenas é "um saco" fazê-lo, diz Jarvis.
O Facebook é para manter relações, o Twitter para divulgação, o Tumblr para citações e o Google+ para compartilhamento, diz ele.
A colunista do jornal Times, Caitlin Moran, é uma das primeiras usuárias
do Google+. Ela nunca foi fã do Facebook - "muito lento" - e apesar de
ter sido uma entusiasta do Twitter, diz que a ferramenta se tornou muito
vulgar.
"O Twitter é como um pub cheio de pessoas gritando. O Google+ é mais como sentar na sala de fumantes com amigos".
Moran usou a capacidade de ter círculos distintos oferecida pelo Google+
para manter uma distinção muito clara. Após importar os contatos de
suas redes sociais pré-existentes, ela estabeleceu dois círculos. "Um é
para pessoas com quem eu tolero conversar. A outra é para todas as
outras que posso jogar no mesmo poço".
O que é um amigo
Mas na era do Facebook, é fácil se confundir sobre amizades, diz
Gladeana McMahon, ex-comentarista do programa de TV GMTV. "Um amigo é
alguém com quem se tem uma relação frequente, hoje ou no passado. Você
mantém contato e se envolve na vida deles".
Um conhecido, por sua vez, é alguém que você conheceu mas com quem não
teve a chance de desenvolver uma amizade. Pode se tornar uma amizade.
Mas quase sempre não irá além de um rápido olá.
Mas redes sociais jamais serão capazes de entender a multiplicidade das
relações humanas, adverte ela. "Uma coisa que nunca se encaixará é o ser
humano".
Jarvis diz que Mark Zuckerberg entendeu essa questão. O criador do
Facebook acredita que todas as pessoas têm uma identidade autêntica, em
vez de várias personas diferentes. Em entrevistas para o futuro livro de
Jarvis, Zuckerberg disse que estava cada vez mais difícil para as
pessoas manter identidades separadas.
Essencialmente, nossas personas do trabalho, de casa, sociais e
familiares são apenas uma. Se você encontrar com seu advogado no
supermercado no fim de semana, ele provavelmente estará usando shorts e
estará com seu filho. Ele é uma pessoa completa, não apenas a pessoa que
você conhece do trabalho, diz Jarvis.
Amigos e contextos
Dunbar, professor de antropologia evolutiva da universidade de Oxford,
diz que isso pode funcionar enquanto você está na universidade. Mas
depois dos 20, não é mais possível manter esta dinâmica. Não apenas
vemos as pessoas em contexto diferentes - como trabalhou ou lazer - mas
também temos amigos espalhados pelo mundo, que não necessariamente se
misturam ou interagem.
E há ainda a forma com que nos comunicamos online. Atualização de status
no Facebook quase sempre são banais, diz ele. "Você escreve 'Comi
cereais no café da manhã', algo com que seu melhor amigo pode se
importar, mas muitos dos outros, não".
Isso acontece porque as pessoas não mudam a maneira com que conversam
online. Pesquisas mostram que as pessoas se comportam como se estivessem
se dirigindo a um máximo de três pessoas, apesar de seus posts poderem
chegar a centenas.
E amizades de redes sociais requerem um enorme esforço se forem ser
mantidas. Se não, elas fenecerão em uma questão de meses, uma vez que a
proximidade emocional for perdida, diz Dunbar. Quando se trata de usar
tecnologia com nossos amigos mais próximos, são mensagens de celular, e
não sites, que contam, diz ele.
Pesquisas realizadas por um de seus estudantes de pós-doutorado com 30
estudantes em Sheffield mostrarm que 85% dos SMSs que enviavam ia para
uma ou duas pessoas - quase sempre namorado ou namorada ou para o melhor
amigo. Isso mostra que há coisas que queremos dividir apenas com as
pessoas mais queridas e próximas, diz ele.
Mas como nos lembra Oscar Wilde, amizade misturada com a natureza humana
é uma questão delicada. "Qualquer um pode ter empatia com o sofrimento
de um amigo, mas é preciso uma natureza muito especial para ter empatia
com o sucesso de um amigo". Ou, talvez, com o que ele comeu no café da
manhã.
Fonte: Diário da Saúde - Tom de Castella - BBC